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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 7. Educação Infantil

PROJETOS DE LEITURA E QUESTÕES DE LETRAMENTO:

UMA PESQUISA SOBRE O “CANTINHO DE LEITURA” DO GOVERNO DE GOIÁS

Lúcia Gonçalves de Freitas 1, 2
(1. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS; 2. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA)
INTRODUÇÃO:

Estudo sobre o projeto do Governo de Goiás, Cantinho de Leitura, cujo objetivo era equipar escolas públicas com livros infantis, a fim de sanar o déficit desses materiais e criar jovens leitores. Tal projeto divide características com outras iniciativas brasileiras como o Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER), Ciranda de Livros, Viagem da Leitura. Na falta de pesquisas sobre a aplicação e resultados dessas experiências, as poucas informações que temos são estatísticas quanto à distribuição dos livros. Assim, este trabalho tem por objetivo fornecer dados mais qualitativos. Em razão de a agência financiadora do estudo ser a Universidade Estadual de Goiás unidade de Jaraguá, fez-se um direcionamento ao contexto desse município especificamente, que é considerado aqui como amostra.

Para nos apoiar com uma base teórica que privilegiasse visões sobre a estrutura social subjacente aos fatos que envolvem leitura e escrita, considerou-se as proposições teóricas sobre letramento. Assim, a pesquisa procurou traçar as relações do uso do projeto com as práticas sociais de letramento, e, mais especificamente, com as práticas de leitura e escrita de professores e alunos nas escolas pesquisadas. Espera-se que os resultados possam servir como referência para estudos sobre essas mesmas questões, não apenas no estado de Goiás, mas em outras regiões, fornecendo dados concretos para a criação, implementação e avaliação de projetos de leitura semelhantes.

METODOLOGIA:

Este trabalho divide características com os estudos etnográficos (Hymes, 1996). A maior parte da coleta de dados foi feita através de observações anotadas em protocolos e diário de campo (Barros e Lehfeld, 1997). Ao todo, foram quarenta e dois dias não consecutivos de observações nas escolas pesquisadas, durante os meses letivos de outubro de 2004 a agosto de 2005, totalizando cento e quarenta e quatro horas de anotações registradas em dois protocolos de pesquisa.

As escolas foram escolhidas em função de sua representatividade no município, ou seja, privilegiou-se as que tinham maior número de alunos e as mais antigas. Assim, foram selecionadas três escolas estaduais e duas municipais, tendo sido investigadas apenas as salas das séries iniciais dessas unidades de ensino, o que totaliza 20 turmas. As observações voltaram-se para a organização geral do projeto nos estabelecimentos de ensino, á prática dos professores e alunos com relação a leitura e escrita, e ao uso dos “Cantinhos” em si.

Além das observações, também foram aplicados três questionários, um direcionado aos professores, outro aos diretores e um terceiro dedicado aos alunos. Esses instrumentos serviram á triangulação da pesquisa, possibilitando o cruzamento de informação e a checagem de certas respostas. Os questionários apresentam dados de quinze professores, cinco diretores e cem alunos.

RESULTADOS:

O uso prático da leitura nas escolas pesquisadas é bastante instrumental. A leitura literária, propriamente, não faz parte das práticas de letramento de um modo geral, a não ser em casos isolados. Os livros do “Cantinho” são lidos pelos alunos dentro das práticas pedagógicas, ou quando estes terminam suas outras tarefas com mais antecedência.

Dos cinco estabelecimentos pesquisados, três possuíam uma política voltada à exploração do projeto com uma sistemática de uso definida, na qual os “Cantinhos” ficam á disposição dos alunos, nas suas salas de aula, dentro dos armários e as professoras os utilizam como parte de seus procedimentos didáticos. Em duas escolas, os “Cantinhos” ficavam ou na secretaria, ou na biblioteca, junto com os demais livros.

O cruzamento de dados dos vários instrumentos de coleta nos mostra que o que determina o uso dos “Cantinhos” pelos professores é muito mais uma questão de envolvimento pessoal destes, que uma estratégia determinada pela escola e sua direção.

Apesar disso, a amplitude do projeto fez com que, de uma forma ou de outra, os livros chegassem a um grande contingente de alunos. Ao todo foram citados cento e quarenta e cinco títulos diferentes. Setenta e dois alunos afirmam ter lido mais de uma vez por mês, desde que o projeto começou. A média de livros por aluno é de seis a oito para cada um, e esse número varia entre aqueles que leram mais de quinze títulos e os que leram apenas dois ou três livros.

CONCLUSÕES:

A hipótese de que o “Cantinho de Leitura” não teria conseguido alcançar seu objetivo principal de formar jovens leitores é passível de muitas observações. Por um lado, o projeto preencheu um déficit de material literário nas escolas e conseguiu disponibilizar livros para um grande número de alunos. Por outro lado, se não podemos perceber que o hábito da leitura tenha-se desenvolvido entre a maioria das crianças atingidas, essa é uma questão que demanda uma análise mais aprofundada das práticas sociais de letramento no contexto local. É preciso observar que, em geral, a leitura literária não faz parte dessas práticas no município, a não ser em casos isolados. Daí compreende-se o pouco estímulo dos professores, para quem o universo literário quase não lhes pertence.

Em linhas gerais, a pesquisa atestou a grande utilidade do projeto, a urgência de se dar continuidade ao mesmo em novas fases, a importância de um acompanhamento dos órgãos governamentais do Estado de Goiás, através de instrumentos que informem dados qualitativos sobre uso efetivo dos livros nas escolas, e, principalmente, a necessidade de trazer a voz dos professores e alunos para as bases de elaboração de novas iniciativas da mesma natureza.

Instituição de fomento: Universidade Estadual de Goiás
 
Palavras-chave: Leitura; Letramento; Cantinho.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006