IMPRIMIR VOLTAR
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 1. Lingüística Aplicada
DICKENS E O CINEMA: UMA ANÁLISE DA TRADUÇÃO DA SIMBOLOGIA DOS ESPÍRITOS DE UM CONTO DE NATAL PARA A TELA
Renata de Oliveira Mascarenhas 1 (renamasc@hotmail.com)
(1. Mestrado em Lingüística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará - UECE)
INTRODUÇÃO:
Diante da freqüente tradução de gêneros literários para o cinema, estamos habituados a ouvir comentários e críticas comparando a obra literária com a sua adaptação fílmica, tomando como único critério a fidelidade. Desta forma, público e crítica deixam de considerar as peculiaridades de cada sistema, bem como o contexto histórico-social no qual os textos literários e suas respectivas traduções fílmicas estão inseridos. Tendo como base o conceito de Jakobson (1991) sobre tradução intersemiótica, consideramos, nesta pesquisa, tradução e adaptação, sinônimos.
Tomamos, como exemplo desse fenômeno, a obra Um Conto de Natal de Charles Dickens, que foi significativamente traduzida para as telas. Atribuímos a grande difusão da referida obra ao fato de abordar temas universais de generosidade e redenção. Scrooge, o protagonista do conto, é extremamente avarento e, numa noite de Natal, tem a oportunidade de mudar seu comportamento após a visita de três espíritos: do Natal Passado, do Natal Presente e do Natal Futuro.
Dickens utiliza a simbologia dos fantasmas para mostrar ao leitor a relação entre o tempo e o comportamento humano, mostrando que o Espírito Natalino (conceito de redenção e generosidade) deve ser uma constante na vida das pessoas. Esta pesquisa objetiva, portanto, analisar a forma como o diretor Edwin L. Martin (1938) traduziu a simbologia dos fantasmas e demonstrar que as diferentes simbologias propostas por ele apenas deram uma dimensão diferente ao conto.
METODOLOGIA:
Esta pesquisa de caráter analítico-descritivo aborda a discussão da tradução de obras literárias para o sistema audiovisual. Nesta perspectiva, nossa leitura e reflexões são pautadas nas teorias e métodos de tradução que têm como foco o processo. Não atribuímos, em nossa análise, nenhum juízo de valor ao texto traduzido, evitando, portanto, a idéia de fidelidade e equivalência recorrentes nos estudos tradicionais de tradução.
A análise é fundamentada em algumas questões referentes ao conceito de reescritura de Lefevere (1992), como também em alguns princípios da teoria semiótica relacionados ao processo de construção do símbolo.
Mediante este referencial teórico, fichamos o conto de Dickens, destacando os elementos referentes à simbologia dos espíritos e observando a dinâmica interna da obra, a fim de percebermos o processo de construção dessa simbologia. Fizemos também a decupagem (descrição detalhada da seqüência de planos, tais como iluminação, disposição dos atores e cenografia) dos trechos que compõem a tradução da simbologia da obra literária no filme. De posse das fichas do livro e da decupagem do filme, comparamos estes materiais, identificando as diferenças e semelhanças entre eles. Em seguida, investigamos se as alterações na representação simbólica da peça geraram novas significações na tradução.
RESULTADOS:
Observamos, no material analisado, que o enredo da obra (1843) e do filme (1938) são semelhantes. Tanto Martin quanto Dickens utilizam a simbologia da visita dos três espíritos temporais (passado, presente e futuro) a fim de transmitirem a mensagem de solidariedade, gratidão e redenção entre os homens. Percebemos que, mesmo motivados por razões distintas, Martin e Dickens tiveram a intenção de sugerir aos seus respectivos públicos a idéia de que todo ser humano deve procurar vivenciar o Espírito Natalino em seu cotidiano.
Dentre as semelhanças entre a obra e o filme, destacamos a representação das figuras dos Espíritos do Natal Presente e do Natal Futuro. Enquanto este é a própria representação icônica do futuro, por seu caráter misterioso e incerto, aquele é a iconização da própria festividade natalina do presente, grandiosa, farta e cheia de luz e brilho.
Quanto às diferenças, apontamos a representação do Espírito do Natal Passado. No conto, ele foi caracterizado por uma figura masculina disforme, com um rosto adulto num corpo de criança, simbolizando, segundo a nossa leitura, o olhar maduro do personagem diante das cenas do seu passado que lhe eram apresentadas pelo Espírito. No filme, este Espírito é caracterizado por uma figura feminina e luminosa, associando o espírito à questão da maternidade, sugerindo a possibilidade de mudança do comportamento do personagem à idéia de renascimento.
CONCLUSÕES:
Objetivamos, neste trabalho, analisar a maneira como a obra Um Conto de Natal foi traduzida para o cinema por Edwin L. Martin (1938). Concluímos que a referida tradução utiliza para a caracterização dos Espíritos, simbologias, algumas vezes semelhantes e, em outras, distintas. Verificamos, com esta análise, que mesmo utilizando estratégias e recursos diferentes de Dickens, Martin transmite, em seu filme, uma mensagem semelhante à do conto. O filme, portanto, apenas dá uma nova dimensão ao texto literário.
O paralelo que permeia toda a obra com relação ao tempo e ao comportamento humano, representado pela simbologia dos Espíritos, é traduzido para o cinema, por meio de recursos típicos do meio, tais como: o escurecimento de tela, fusão de imagens, iluminação, sons de relógio, flashback e antecipação de cenas. Percebemos, portanto, a partir do presente estudo, que, ao analisarmos textos de sistemas distintos, devemos nos ater, não a questões de equivalência, mas à compreensão da construção da significação interna da tradução e ao seu diálogo com o texto de partida.
Palavras-chave:  Tradução intersemiótica; Tradução audiovisual; Cinema e Literatura.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005