Departamento
de Medicina Clínica-UFC
A melatonina, um hormônio produzido
pela glândula pineal, diminui com a idade e influi sobre o rítmo sazonal e
circadiano, sobre o ciclo sono-vigília e sobre a reprodução. Apresenta um
padrão de secreção dia-noite, sensível a luminosidade, com início de elevação no
início da noite e queda no final. . Uma
via neural complexa envolve as células ganglionares da retina que se conectam
aos pinealócitos. Essa via utiliza o nervo óptico, o núcleosupraquiasmático, o
hipotálamo lateral e as fibras pré-ganglionares na medula espinhal, que fazem
sinapse com o gânglio cervical superior, e estas através dos nervos simpáticos
pós-ganglionares alcançam a glândula pineal. Sob circunstâncias naturais de um
ciclo claro-escuro ocorre uma produção rítmica circadiana de melatonina. A exposição
a luminosidade (luz brilhante) é suficiente para suprimir a síntese de
melatonina. Evidências clínicas e experimentais mostram que diversos estados
biológicos incluindo o humor podem ser influenciados pela melatonina.
Estudos mostram que a melatonina é uma substância de
distribuição ubíqua e de efeitos órgão e espécie específicos. Portanto, apesar
de muito ter-se propagado sobre a sua utilidade terapêutica, deve-se considerar
que suas propriedades e aplicações devem ser tomadas com cautela. Vale a pena
afirmar que existem diversas condições associadas ao sono em que a melatonina
apresenta um benefício terapêutico largamente comprovado. Na Europa e nos
Estados Unidos, a melatonina ainda é tratada como um suplemento alimentar e as
preparações terapêuticas não passam pelo controle de qualidade a que os
medicamentos estão sujeitos. No Brasil o medicamento tem o seu uso proibido
apesar de tratar-se de uma substância com baixa toxicidade e o mesmo não se
pode dizer de vários agentes que são liberados para uso terapêutico como
indutores do sono. Na maioria das vezes, a melatonina tem sido usada na dose de
3mg uma hora ao deitar-se.
A
melatonina funciona como indutor do sono e estudos recentes sugerem que ela age
mais como um agente que prepara o indivíduo para o sono talvez sinalizando para
uma redução da temperatura corporal. Nesse sentido, ela atuaria através de suas
propriedades cronobióticas. Uma metanálise recente mostrou que a melatonina não
altera substancialmente as medidas do sono reforçando o conceito anterior.
Atraso
da fase do sono: Diversas situações clínicas se associam a atrasos, avanços
ou perturbações do ritmo fisiológico do sono e nesses casos, a melatonina
apresenta boa ação terapêutica. O atraso da fase do sono é uma condição que se
expressa mais na adolescência como uma tendência para dormir tarde e acordar
tarde. Em alguns casos os pais confundem esses sintomas com insônia ou com
sonolência diurna. A exposição ao sol pela manhã e o uso da melatonina algumas
horas (3-5) antes da hora desejada do sono pode restabelecer os horários
regulares de sono. É comum que esta condição seja de manifestação familiar e
transtorno do humor pode coexistir principalmente nos casos graves. Há quem
proponha que o atraso de fase e o transtorno depressivo realizam um ciclo
vicioso.
Avanço
da fase do sono: O avanço de fase é o contrário da síndrome anterior e é
freqüentemente observado em idosos. Esses indivíduos deitam-se muito cedo e
despertam nas primeiras horas da madrugada causando transtorno familiar. A
exposição a luz no final da tarde costuma prolongar o início do sono para
horários mais desejados.
Jet Lag: Pessoas que
se deslocam dentro de um fuso horário podem se ressentir pelas alterações
hormonais e de temperatura corporal que não acompanham a vigília e o sono
socialmente desejados. Habitualmente observa-se uma tendência fisiológica para
atrasar a fase do sono portanto o deslocamento para oeste é bem melhor
tolerado. Jet Lag torna-se pior com a idade mais avançada quando os mecanismos
de adaptação se reduzem. Fadiga, dores no corpo, cefaléia, irritabilidade, e
alterações cognitivas podem ocorrer apesar do indivíduo sentir-se desperto. O
ajuste de temperatura corporal pode levar alguns dias. Diversas medidas como
exposição a luz são utilizadas para minimizar estes sintomas. O uso da
melatonina uma hora antes de deitar-se facilita a adaptação no jet lag.
Trabalho de turnos: Trabalhadores que necessitam utilizar um
sistema de turnos estão potencialmente sujeitos a redução de horas de sono, má
qualidade do sono e suas implicações, ou seja, fadiga, irritabilidade e
alterações cognitivas. Homens estão mais expostos a esse tipo de trabalho e a
troca de turnos com redução de horas de sono associa-se potencialmente a
sonolência e acidentes graves. O estresse como injúria crônica pode desempenhar
papel no aparecimento de condições patológicas e esse ainda é um assunto que
necessita mais estudos. Diversas situações de trabalho como controle de
transportes, telefonia e trabalho de hospitais necessita do sistema de turnos.
A identificação de indivíduos mais inclinados a atividades noturnas ou
indiferentes quanto ao cronotipo (morning-eveningness) ainda não foi amplamente desenvolvida . O
controle a exposição a luz e o uso da melatonina são algumas das terapias
utilizadas essa situação. Alguns estudos mostram benefício após o uso da
melatonina em trabalhadores que são expostos ao ritmo de turnos porém essas
evidências ainda são controversas. Medidas como uso de óculos escuros ao sair
do trabalho e identificação dos problemas individuais devem ser encorajadas
dado que trabalhos diversos utilizam sistema de turnos variados.
Na
amaurose ou perda visual total, o indivíduo perde a capacidade de perceber a
luz necessária a regulação do ritmo dia e noite e dessa forma fica dependendo
de condicionamentos externos e sociais, nem sempre eficazes. Esta é uma
situação clínica em que a melatonina tem provado ser benéfica. Outras situações
clínicas como no trauma de crânio e na esquizofrenia observa-se que os
indivíduos tendem a assumir um ritmo polifásico com cochilos e despertares
múltiplos nas 24 horas. O uso da melatonina ajuda a conciliar o ritmo
monofásico de sono, ou seja o período de sono noturno e vigília diurna
socialmente aceito.
Recentemente,
estudos mostram que a redução de níveis liquóricos de melatonina se expressa
antes da evidência clínica de demência sugerindo alterações precoces desse
neurohormônio na doença de Alzheimer. Corroborando tal idéia, observa-se que o
estado confusional do paciente demente piora no final do dia (síndrome do
sol-poente ou sundown) e algum grau de melhora ocorre com a exposição a luz. O
papel que a luz, o ritmo e a melatonina desempenham no estado cognitivo do
idoso com ou sem demência ainda requer mais investigação. Avaliações
prospectivas e de longa duração são as mais desejadas para a elucidação dessa questão.
Algumas
situações médicas revelam um ritmo que sugere a participação de controles
circadianos. A asma é uma doença inflamatória que manifesta-se com freqüência
durante a noite e as vezes é conhecida como asma noturna. Recentemente, nós
mostramos que a melatonina melhora o sono de pacientes portadores de asma e não
afeta a função respiratória. A doença vascular cerebral, o infarto cardíaco e a
morte súbita do recém-nascido são outras doenças que aparecem mais durante a
madrugada sugerindo uma preferência nas 24 horas. Alterações adrenérgicas,
respiratórias, mecanismos inflamatórios ou outros podem estar na gênese desses
distúrbios.
Melatonina na doença de Parkinson : A
doença de Parkinson (DP) é uma doença degenerativa que se manifesta mais com o
avançar da idade porém pode manifestar-se também em adultos jovens. Ocorre
perda das células da substância negra, produtoras de dopamina e na verdade
apesar de ter sido descrita há 200 anos,
a etiologia ainda não é conhecida. A abordagem terapêutica da DP envolve
o uso de Levodopa e outras substâncias. A progressão da doença associa-se a
complicações diversas inclusive transtornos do humor e do sono que podem
preceder a doença . Estudos tem sugerido um avanço de fase na DP. Diversas
evidências experimentais mostram uma ação protetora da melatonina sobre a
função dopaminérgica nos gânglios da base. Deve-se ressaltar que os estudos de
gânglios da base em roedores freqüentemente não se relacionam com os de primatas.
Os gânglios da base de primatas evoluíram de forma mais complexa o que se
revela na manipulação metabólica diferenciada do MPTP e mais clinicamente
evidente na expressão da mímica, muito mais complexa nos primatas. Porém,
estudos, inclusive alguns utilizando primatas, sugerem que a melatonina protege
a função dopaminérgica nos gânglios da base. É desnecessário dizer que
evidências clínicas de médio e longo prazo são necessárias para que se possa
inferir sobre esse assunto. Recentemente, através de um estudo duplo-cego,
paralelo e controlado por placebo, nós avaliamos o efeito da melatonina sobre o
sono na doença de Parkinson (dados não publicados). Nós mostramos que a
melatonina (3mg durante 4 semanas) melhora a qualidade do sono sem alterar
substancialmente as medidas de sono e sem alterar a função motora. A
melatonina, por sua baixa toxicidade, provavelmente merece um ensaio de longa
duração. Substâncias que reduzam as flutuações motoras, os períodos off e as
alterações do sono e depressão são benvindas na DP. A melatonina reduziu as
discinesias tardias em uma série reforçando o conceito de que a melatonina
guarda uma relação com a neurotransmissão dopaminérgica.
Condições
nosológicas com uma influência circadiana possível e potencial ação terapêutica
da melatonina
Algumas
neoplasias apresentam variação dia e noite e o uso de fármacos em horários
diferentes influi sobre o aparecimento de toxicidade. O tratamento das
leucemias tem mostrado uma variação da plaquetopenia dependente do horário de
administração de alguns medicamentos. Vale a pena dizer que os estudos nessa
área são recentes e necessários desde que há implicações diretas sobre a
terapia.
A
ação da melatonina como agente anti-neoplásico e como agente anti-oxidante é
objeto de controvérsia.
Algumas
outras questões também controversas, porém não menos importantes, são a
evidência sobre efeito da melatonina na isquemia cerebral e na melhora do
vasoespasmo associado a hemorragia cerebral. Redução dos efeitos de
hepatotoxicidade e carditoxicidade também já foram descritos. Tais estudos
necessitam de ampla confirmação antes da aceitação dessas evidências. Esse é o
problema com uma boa parte dos ensaios clínicos nos quais o uso de padrão ouro,
ou seja, estudos controlados, duplo-cego, randomizados tém que ser realizados
em um número razoável de pacientes para que se possa gerar evidências. Antes
que se inicie um uso clínico há ainda que considerar os efeitos de médio e
longo prazo. A história tem provado que o aparecimento de algumas reações medicamentosas
cruzadas só são conhecidas após algum tempo de uso clínico.
Para
finalizar deve ser dito que não se conhecem os efeitos de longo prazo da
melatonina e que algumas reações como fadiga, cefaléia, tontura e
irritabilidade já foram descritas. Pode-se afirmar que estudos mostram que a
melatonina é uma substância de baixa toxicidade e de uso seguro principalmente
se comparada a diversos fármacos de uso comum, particularmente alguns
hipnoindutores. Trata-se de agente farmacológico ativo, com propriedades terapêuticas
comprovadas em várias situações clínicas.
É possível que conhecimentos futuros sobre a melatonina venham a
acrescentar sobre as propriedades fisiológicas e farmacológicas desse hormônio
natural.
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