O
hospital é por natureza um lugar que causa temor, por ser o encontro da vida com
a morte. De extrema abertura nos antigos tempos, aos mais rigorosos e fechados
ambientes de há pouco, o hospital passa hoje por um processo de abertura no que
concerne ao tratamento humanizado aos pacientes. Segundo BERTHET (1983), a
saúde comporta três noções essenciais: 1) a saúde é o equilíbrio e a harmonia
de todas as possibilidades da pessoa humana, biológicas, psicológicas e
sociais. O que exige por um lado, a satisfação das necessidades do homem e por
outro lado o questionamento da adaptação constante do homem a um ambiente em
perpétua mutação. 2) a saúde no plano individual é a plenitude de vida, o
equilíbrio qualitativo, a harmonia total da pessoa humana, com o objetivo de
enriquecer cada um de seus dons, ou seja, cada ser humano busca encontrar em
sua existência o meio de desenvolver todas as suas possibilidades. À noção de
saúde individual devem ser somadas às de saúde familiar e de saúde comunitária.
3) a saúde supõe a existência de uma força potencial de reserva que permite ao
organismo de resistir aos choques físicos e psíquicos quotidianos. Essa força
potencial que podemos chamar resiliência é em parte devida a nossa herança
genética, e em parte adquirida ao longo da vida pela aplicação de regras
elementares de uma vida sadia.
Graças à
humanização, aceita-se com facilidade hoje a necessidade de incluírem-se outros
profissionais além do corpo médico no meio hospitalar, transformando-o em um
contexto afetivo, e de reintroduzir a emoção no funcionamento cognitivo. A
afetividade é uma dimensão de nosso pensamento tão essencial quanto o
pensamento. Os médicos costumam dizer que quando o corpo cala, os órgãos falam.
A afetividade nos constitui, ela se identifica com nosso próprio pensar e nos
identifica como pessoas. Amores, paixões, gostos, interesses, rejeições,
repulsas, ódios e rancores, tudo isso forma o ser humano e dele é inseparável.
Não há distância entre o homem e seus sentimentos.
O hospital infantil é por excelência um ambiente carregado de emoções. A
doença exclui a criança de seu ambiente,
imobilizando-a social e intelectualmente. Junto ao fato de estar excluída de
seu ambiente, de estar doente e ser diferente de seus colegas de escola,
aparece com freqüência uma queda da auto-estima. A criança atingida por doença
de tratamento em longo prazo, vê-se inconcebível e contrária à vida: talvez daí
derive o silêncio em que freqüentemente se afunda. O
diagnóstico de uma doença grave ou a chegada de uma situação diferente e
excluidora, compromete o desenvolvimento psico-intelectual da criança por
provocar sensações de confusão entre as noções de continuidade, de ruptura
e de plenitude (Snyders,1986)[1].
Essas crianças sofrem pela doença,
pelo distanciamento do ambiente familiar e dos amigos, e de seu ambiente
social, a escola. A intervenção pedagógica já é uma realidade no ambiente
hospitalar, graças à iniciativa de grupos voluntários e algumas instituições e
universidades preocupadas com o afastamento da escola sofrido por crianças e
adolescentes enfermos hospitalizados. Em alguns casos de doenças graves, esses
jovens passam meses, quem sabe anos, sem freqüentar a escola, longe do processo
de escolarização. Assim o jovem abandona a escola e a escola abandona o jovem.
A classe hospitalar busca
recuperar a socialização da criança por um processo de inclusão, dando
continuidade a sua aprendizagem. A inclusão social será o resultado do processo
educativo e reeducativo. A escola é um fator externo à patologia, logo, é um
vínculo que a criança mantém com seu mundo exterior. Se a escola deve ser
promotora da saúde, o hospital pode ser mantenedor da escolarização. E
escolarização indica criação de hábitos, respeito à rotina; fatores que
estimulam a auto-estima e o desenvolvimento da criança e do adolescente.
O distanciamento do processo de
escolarização repercute fortemente no processo de socialização, pois a perda de
contato da criança ou adolescente com seus colegas é imediata. Outro fator
preponderante na perda de escolarização vem da própria doença, acarretadora de
grande sofrimento, e ainda promovedora
do grande dilema do preconceito. As escolas para crianças e adolescentes não
informam seus alunos sobre doenças, e logo que um colega é acometido de uma
enfermidade grave, os pares não estão preparados para prover um apoio. Não raro
acontece o pior: o afastamento dos colegas sadios e o isolamento do colega
doente. Muitos pais de crianças sadias se sentem incomodados com o
contato do filho com um colega atingido por câncer ou Aids, por exemplo. A
deficiência física e mental também é um obstáculo para muitas famílias sadias.
Na maior parte das vezes, segundo depoimentos de professores hospitalares, esse
preconceito se deve à desinformação dos pais.
A classe hospitalar constitui uma
necessidade para o hospital. A criação de classes hospitalares é uma questão
social e deve ser vista com a mesma seriedade e o mesmo engajamento que a
promoção da segurança nas ruas. A classe hospitalar se dirige às crianças, mas
deve se estender às famílias, sobretudo àquelas que não acham pertinente falar
sobre doenças com seus filhos. A intenção grandiosa nesse projeto deve ser a
humanização do hospital para o contato com as possibilidades da criança vítima
de algum tipo de patologia.
O professor hospitalar deve ter a
consciência dos monstros viventes na mente das crianças: o medo, o controle, a
mudança e a incerteza. No hospital, tudo é incerteza para a criança: tiram-lhe
as roupas, ela se vê igual às outras, sua mãe acompanhante se torna igual às
outras mães, a criança ignora o que vai fazer, comer, quem vai vê-la etc.
Portanto, consciente dessa nova situação, a intervenção escolar deve se tornar
parte dessa rotina, com muita ética. E ser ético é ser humano, é respeitar
limites, é resgatar o lado saudável da criança, é dar-lhe singularidade. O
interventor pedagógico deve ser um oportunizador da aprendizagem que, longe das
paredes da escola, forma escola no momento do contato. O número de classes
hospitalares no Brasil é ainda tímido se considerarmos a imensidão do país; mas
já é um começo bastante otimista. A classe hospitalar é um direito de toda
criança, mas a experiência pode se estender a adultos e à terceira idade.