CÉLULAS TRONCO: DILEMAS
E PERSPECTIVAS NO TRATAMENTO DE DOENÇAS NEUROLÓGICAS
Rosalia Mendez-Otero
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho/UFRJ, CCS,
Bloco G, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ
Até recentemente acreditava-se que o Sistema Nervoso Central (SNC)
adulto não tinha capacidade de regeneração após sofrer lesões ou injurias e as
funções exercidas pelas células ou processos lesados estariam irreversivelmente
perdidas. Estudos recentes mostraram que os axônios do SNC apresentam uma certa
regeneração mas a ausencia de fatores tróficos no adulto e a presença de
fatores não permissivos decorrentes da lesão impedem o sucesso desta regeneração. Além disto, foi mostrado que
novos neurônios são gerados em regiões restritas do SNC durante toda a vida do
indivíduo e estas observações abrem possibilidades interessantes de aplicações
clínicas. No entanto, a regeneração axonal e a neurogenese no adulto não são
suficientes para regenerar amplas lesões no SNC ou para impedir a perda
neuronal em doenças cronico degenerativas do SNC (para revisão, Mendez-Otero et
al., 2005). Mais recentemente tem se investigado a possibilidade de substituir
neurônios perdidos através do uso de terapias celulares com células tronco
(CT).
CT são células capazes de auto-renovação
e diferenciação em múltiplas linhagens e podem ser obtidas de diversas fontes
como blastocistos, fetos ou tecidos adultos. Em vertebrados, o zigoto é a
célula tronco totipotente, capaz de gerar todas as células do organismo, além
das células que suportam o desenvolvimento do embrião no útero. A partir do
blastocisto é possível isolar linhagens de células tronco embrionárias pluripotentes
que, dependendo das condições de cultura, podem ser mantidas por períodos
prolongados no estado indiferenciado ou podem ser diferenciadas em células de
diversos tecidos incluindo neurônios, astrócitos e oligodendrócitos (McKay,
2004). A primeira linhagem de células tronco embrionárias humanas foi
estabelecida em 1998 (Thomson et al., 1998) e desde então inúmeros estudos vem
sendo realizados em diversos paises e incluem estudos básicos e pré-clínicos com
estas células em modelos experimentais
de diferentes doenças. No entanto, em alguns estudos nestes modelos
animais, tem sido relatado que as
células transplantadas se desdiferenciam e formam teratomas, isto é, um tumor
com tecidos originados de diferentes folhetos embrionários. Estes fatos fazem
com que seja necessário realizar mais estudos em modelos animais até que se
possa ter segurança de que as células embrionárias transplantadas não se
diferenciarão em outros tecidos diferentes daqueles desejados com a terapia (Weissman,
2000)..
No Brasil, só em 2005 foi aprovada a lei de Biosegurança que
regulamenta o uso de células tronco embrionárias e só a partir desta data foi
possível o início dos primeiros estudos básicos com estas células. Além disto
as pesquisas básicas, pré-clínicas e clinicas com células tronco embrionárias
ou adultas no Brasil dependem de financiamento público uma vez que a lei
brasileira nào permite patentear linhagens celulares ao contrário do que ocorre
nos EUA. A possibilidade de patentear linhagens de células tronco embrionárias
e o possível uso terapeutico das mesmas fez com que várias empresas de
biotecnologia tenham investido muitos recursos no estudo destas células em
paises tais como os EUA. A análise destes fatos sugere que, no Brasil, a curto
e médio prazo, terapias celulares com células tronco embrionárias não estarão
disponíveis ao contrário do que está sendo anunciado nos EUA aonde se preve, que no próximo ano, estudos
clinicos utilizando estas células já estarão em andamento.
As células tronco adultas são
células indiferenciadas presentes em um tecido diferenciado. Estas podem ser
obtidas do sangue do cordão umbilical, da medula óssea ou de outros tecidos do
indivíduo adulto. Estas células são
capazes de auto-renovação durante toda a vida do organismo e já foram
identificadas em diversos órgãos e
tecidos incluindo o sistema nervoso. As células tronco adultas são raras e
difíceis de identificar e purificar. Além disto, estas células proliferam mais
lentamente do que as células tronco embrionárias. Esta pequena capacidade
proliferativa das células tronco adultas se torna uma vantagem para uma
utilização terapeutica das mesmas uma vez que diminui muito a probabilidade de
formação de tumores a partir destas células. Uma outra vantagem na utilização
de células tronco adultas é que na maioria dos casos as mesmas são obtidas do
proprio paciente o que elimina possíveis questões éticas, legais e ainda a
possibilidade de rejeição pelo paciente das células transplantadas.
Em modelos animais as terapias
celulares com células de medula óssea reduziram as perdas funcionais em modelos
de isquemia no coração e em modelos de isquemia cerebral (Olivares et al., 2004; Chopp and Li, 2002). Apesar
do efeito benéfico destas terapias nos modelos
animais, o mecanismo de ação destas células é ainda uma grande
controversia e é objeto de investigação
em diversos laboratórios. A hipótese inicial era de que estas células
apresentavam uma grande plasticidade e poderiam se diferenciar em células do
tecido a ser tratado. Evidências mais recentes sugerem que esta plasticidade é
menor do que se supunha e de que o papel terapeutico destas células deve
envolver outros mecanismos (Terada et al., 2002). Um dos possíveis mecanismos que tem sido propostos sugere que as
células transplantadas poderiam liberar na região lesada fatores tróficos e/ou fatores moduladores
de fenômenos inflamatórios que que podem estimular e a capacidade de
regeneração do tecido doente (Chopp and Li, 2002).
No Brasil, a grande maioria dos estudos básicos e pré-clinicos e
clínicos com células tronco utilizam células tronco adultas. Mais
especificamente, os protocolos clínicos que foram realizados ou estão em
andamento utilizam células tronco adultas provenientes da medula óssea do
próprio paciente para tratar doenças
cardiovasculares e neurológicas (Perin
et al., 2004; Furtado-de-Mendonça et al., 2005).
Em resumo, as perspectivas de estabelecer terapias celulares
para tratar tecidos lesionados com pequena capacidade de regeneração são
promissoras. Os estudos clínicos com células tronco de medula óssea para tratar algumas doenças cardiacas e
neurologicas tem apresentado resultados muito animadores.
No entanto, é necessário que mais estudos básicos,
pré-clinicos e clinicos sejam incentivados para elucidar os aspectos ainda não
explorados destas células, o mecanismo de ação e o possivel papel terapeutico
em outras pacientes com outras afecções. Apesar destes resultados animadores é
importante que se iniciem no pais estudos básicos e préclinicos com células
tronco embrionarias que poderão representar uma fonte importante de células
para fututras terpias celulares.
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