Ronald C.
Shellard,
CBPF, Rio de Janeiro, RJ
Alaor Chaves, Departamento. de Física,
UFMG, Belo Horizonte, MG
Há, hoje, no Brasil, condições objetivas
para um salto qualitativo no cenário científico. Esse salto, ancorado na
formulação de uma agenda para a ciência do País, tem como vertentes, por um
lado, a inserção econômica e social das atividades científicas visando
benefícios palpáveis para a sociedade brasileira e, por outro, a promoção de
várias áreas da nossa ciência a um papel de liderança mundial.
A física tem papel central nesse processo.
No entanto, entendemos que somente com uma integração efetiva com outras áreas
da ciência e das engenharias ele ocorrerá. A concretização desse salto terá de
ser apoiada no tripé: formação contínua de quadros científicos de excelente
qualidade, apoio consistente aos grupos de cientistas competitivos
internacionalmente e expansão das infra-estruturas de apoio.
A ciência é um instrumento de Estado
indispensável para o equacionamento dos problemas que nos afligem, para os
quais não há solução fora da modernização de nossa sociedade e de sua inserção
na era da inovação. É um elemento central na busca da competitividade
internacional de nossos meios de produção e o alicerce de um programa voltado
para uma política industrial, tecnológica e de comércio exterior.
O planejamento necessário para induzir o
salto de qualidade equilibra-se na linha tênue que separa resultados
programados – ou induzidos – daqueles que resultam do processo espontâneo da
pesquisa científica. Esses dois elementos devem conviver, alimentando-se
mutuamente. Entendemos também que os Fundos Setoriais – hoje fonte
significativa do financiamento das atividades científicas no País – devem
contemplar, com generosidade e abrangência, a cadeia de conhecimento que vai da
bancada do laboratório ao produto numa vitrine. Sem isso, as ciências que dão
suporte ao desenvolvimento de novas tecnologias não terão fôlego, limitando,
assim, a possibilidade de avanço tecnológico.
Resumimos aqui nossas recomendações mais
relevantes em dois tópicos. O primeiro aborda os desafios estruturais; o
segundo, as questões referentes à formação de recursos humanos.
Desafios Estruturais
Laboratórios Nacionais – A
infra-estrutura de apoio às atividades científicas devem ser ampliadas e
diversificadas em sua dimensão e alcance. Os chamados Laboratórios Nacionais
devem ter suas ações consolidadas, e novos devem criados, com o papel de
estruturar áreas promissoras, buscando canalizar ações multidisciplinares.
Seria interessante que os Laboratórios Nacionais estendessem a cadeia de seu
conhecimento e o âmbito de sua ação, criando ligações com as aplicações
tecnológicas. Estruturas intermediárias, com focos na solução de problemas
científicos bem delimitados, podem ser criadas, na forma de Institutos
Temáticos. A criação de novos Laboratórios Nacionais ou Institutos Temáticos
tem de se basear em critérios estritamente técnicos.
Editais universais –
É necessário que os recursos destinados aos editais universais do CNPq sejam
substancialmente aumentados. Há uma demanda reprimida muito grande, uma vez que
a comunidade científica do País tem crescido muito rapidamente e os recursos
têm sido muito escassos.
Apoio institucional –
Deve-se considerar a possibilidade de retomada do apoio institucional, numa
versão aprimorada do programa realizado pela Finep por duas décadas e que teve
grande impacto sobre a ciência do Brasil. Nossas instituições acadêmicas são a
grande base científica do País, que muito ganharia com seu fortalecimento.
Projetos internacionais –
A participação de cientistas brasileiros em grandes projetos de natureza
internacional tem interesse estratégico para o País. Além dos grandes desafios
científicos que esses projetos oferecem, é através deles que obteremos
tecnologias avançadas que normalmente não nos seriam acessíveis. A escolha de
projetos e de equipes – bem como do grau de participação destas últimas – devem
ser avaliados criteriosamente. Uma vez estabelecida a participação em um
projeto, é essencial que os compromissos assumidos pelas agências brasileiras
sejam fielmente honrados. O envolvimento das indústrias brasileiras nesses
projetos é um objetivo que deve sempre ser levado em consideração.
Institutos de pesquisa
tecnológica – A criação de institutos de pesquisa tecnológica,
em cooperação com empresas, tendo como objetivo a resolução de impasses
tecnológicos, é um elemento importante de uma política industrial e
tecnológica. A associação de universidades e de programas de pós-graduação com
esses institutos cria possibilidades ricas de avanços. Projetos de tese
poderiam ser formulados por empresas e, em certos casos, o aluno iria para a
empresa proponente após término de sua pós-graduação. Associados a essa
recomendação, estão também o apoio e o estímulo à criação de institutos de
pesquisa e desenvolvimento tecnológicos nas empresas, com a absorção do pessoal
bem qualificado que tem sido formado por nosso programa de pós-graduação.
Distribuição regional –
Uma distribuição mais equilibrada da ciência no território brasileiro trará
beneficio a todos. A criação de Institutos Temáticos com característica
multidisciplinar – possivelmente associados a problemas científicos que tenham
especificidades regionais – pode ser um mecanismo eficaz para esse fim.
Teoria e experimento –
É necessário promover um melhor balanço entre as atividades experimentais e
teóricas através da formação de um maior número de físicos experimentais. A
atual situação de precariedade dos laboratórios e os prazos rígidos de bolsas
de formação dificultam esse processo. O prazo de bolsas de doutorado para teses
experimentais deveria ser mais longo que aquele para teses teóricas – talvez, estendendo-o
para cinco anos. Além disso, um bom número de estudantes com desempenho
excelente deveria ser enviado para fazer doutorado nos centros mais importantes
no exterior, em áreas de física experimental de ponta.
Bolsas de produtividade de
pesquisa – O programa 'Bolsas de Produtividade de Pesquisa'
(BPq), do CNPq, precisa ser ampliado. Ele custa apenas cerca de R$100 milhões
por ano e tem tido grande impacto num sistema universitário que custa mais de
R$ 9 bilhões por ano. Todos os pesquisadores com mérito deveriam ter a BPq, que
é hoje o único diferenciador de mérito nas universidades federais. No sistema
adequadamente ampliado, o mérito pedagógico deveria também ser contemplado.
Formação de recursos humanos
Ciência experimental –
O sistema de educação em ciências nos ensinos fundamental e médio deve ser
revisto com urgência, com o objetivo de induzir uma mudança cultural nos
estudantes, bem como nos professores. Métodos empíricos das ciências devem ser
enfatizados e, para isso, as escolas devem dispor de laboratórios. Esse tipo de
conhecimento tem de ser valorizado na seleção dos candidatos ao ensino
superior, pois, sem isso, as escolas não terão motivação para promover o ensino
da ciência experimental.
Licenciatura –
Os cursos de licenciatura em física precisam ser revistos. Em especial, eles
devem conter mais física moderna e contemporânea. Para que jovens de talento
sejam atraídos para a ciência, eles têm de vê-la como algo fortemente inserido
no mundo contemporâneo. Os professores devem ser preparados para ensinar física
experimental sem ter de recorrer a laboratórios sofisticados. O professor
também tem de entender melhor como o estudante adquire as noções fundamentais
da física.
Alfabetização científica – Num programa nacional de
longo prazo em alfabetização científica, todos os cidadãos devem ser preparados
para viver num mundo cada vez mais dominado pela ciência e pela tecnologia. A
ampla divulgação científica apresenta-se como uma das melhores estratégias para
cumprir esse objetivo.
Ciclo básico –
A implantação de ciclos básicos nas universidades diminuirá a pressão para a
especialização precoce na educação de nível superior. Terá ainda a virtude de
permitir uma maior flexibilidade na montagem do elenco de disciplinas de cada
estudante, dando maior riqueza ao sistema e facilitando a mobilidade dos alunos
em cursos multidisciplinares.
Formação interdisciplinar –
Cursos novos que transponham as fronteiras tradicionais das disciplinas devem
ser criados tanto na graduação quanto na pós-graduação. A formação
interdisciplinar e a capacidade para trabalho em equipe em problemas temáticos
devem ser enfatizadas.
Carreiras flexíveis –
As reorientações de carreira devem ser flexibilizadas no ensino superior. Para
isso, a opção de carreira dos estudantes deve ser feita após o ciclo básico, e
as pós-graduações devem estar mais abertas para excelentes alunos que fizeram
graduação em outras áreas.
Regulamentação das profissões –
A rígida regulamentação das profissões no Brasil é incompatível com o dinamismo
com que atualmente se movimenta o recorte das profissões de nível superior e,
portanto, precisa ser amplamente revista buscando a flexibilização.