REELABORAÇÃO DO OLHAR: A INSTRUMENTAÇÃO E FORMAÇÃO DO COMUNICADOR NA COBERTURA DAS DIFERENTES REALIDADES AFRICANAS E DO SEGMENTO AFRO-DESCENDENTE BRASILEIRO, A PARTIR DO JORNALISMO CIENTÍFICO E JORNALISMO ESPECIALIZADO.

 

 

RICARDO ALEXINO FERREIRA

   A presente comunicação é resultado das pesquisas desenvolvidas pelo autor nos últimos anos, envolvendo a dissertação A representação do negro em jornais no centenário da abolição da escravatura no Brasil, de 1993, e a tese Olhares negros: estudo da percepção crítica de afro-descendentes sobre a imprensa e outros meios de comunicação,  2001, defendidas na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). A tese “Olhares negros” foi finalista no prêmio Intercom 2002. 

O autor Ricardo Alexino Ferreira é jornalista, doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo/USP (Brasil); professor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista/Unesp (em Bauru, São Paulo, Brasil), ministrando as disciplinas Comunicação Científica (no Programa de Pós-Graduação em Comunicação) e Jornalismo Especializado (no curso de Graduação em Comunicação Social, habilitação Jornalismo). É também diretor e apresentador do programa jornalístico de entrevistas, voltado para a divulgação científica, Unesp-Ciência, veiculado pela Rádio Unesp-FM (105,7 Mhz, Bauru, SP e www.radio.unesp.br)  e colunista da coluna Mídias, no site www.tvtem.com.br, da TVTem.com (Rede Globo de Televisão, de Bauru). Coordena o Grupo de Pesquisa Comunicação Científica e Especializada (cadastrado no CNPq e certificado pela Unesp). Contato: alexino@uol.com.br  ou alexino@faac.unesp.br

 

Resumo

           

A partir da década de 90, a imprensa se depara com os inúmeros conflitos étnicos que eclodem em todo o mundo. Entre o politicamente correto e o estereótipo, jornalistas  se vêem perdidos na cobertura jornalística do segmento afro-brasileiro e das diferentes realidades africanas. A proposta deste trabalho é mostrar como o Jornalismo Científico e o Jornalismo Especializado podem instrumentalizar e formar o profissional de imprensa na cobertura dos fenômenos sociais, culturais, políticos e econômicos dos segmentos afro-descendentes brasileiros e africanos.

 

Introdução

 

O discurso racial brasileiro, envolvendo a questão do negro, é retomado de maneira diferenciada na última década e tem como gancho os confrontos étnicos que se intensificaram em todo o mundo com o fim da Guerra Fria, principalmente no continente europeu. A questão de etnia e raça passa a ser a pauta do dia nos mais diferentes noticiários. Esse fenômeno acabou por levantar dois elementos importantes.

O primeiro é a forma e o conteúdo destas notícias que quase sempre são captadas e passam pelo filtro das agências de notícias, que muitas vezes estão sediadas em países que até patrocinam tais conflitos.[1]

Em outro momento, percebe-se que, ao cobrir conflitos étnicos no continente europeu ocidental, as agências de notícias passam aos veículos de Comunicação abordagens diferentes daquelas elaboradas sobre os   conflitos em outros continentes. O conflito europeu é contextualizado historicamente e ocupa considerável espaço nos meios de comunicação. No entanto, para os conflitos envolvendo os não-europeus (Oriente Médio, África, América Latina e Ásia) o tratamento é outro, bem como o destaque dado. Geralmente, as referências históricas aos conflitos não-europeus são escassas e os efeitos dos conflitos minimizados, beirando muitas vezes o estereótipo, em que adjetivos como “radicais”, “violentos” e outros são largamente difundidos.  No caso dos conflitos étnicos na África, o tratamento é o mais diferenciado de todos, pois atribui a estes conflitos características tribais.

            Mesmo com diferenças de abordagens, esta movimentação internacional acabou influenciando o discurso nacional sobre a situação étnica no Brasil. Duas abordagens são percebidas no que tange a este tema. Na primeira, desprovida de crítica e acreditando ser o Brasil um país que vive uma democracia racial plena, utiliza-se destes conflitos internacionais para alardear o quanto o brasileiro é pacífico e democrático. Esta corrente é a da negação das diferenças étnicas e  da negação da exclusão social a partir “da cor”. Por outro lado, os conflitos étnicos internacionais têm provocado discussões em camadas mais bem-informadas da população sobre as diferenças étnicas existentes no Brasil e o quanto isso acaba incidindo sobre a qualidade de vida e a distribuição de renda. Ou seja, neste caso a  desigualdade social não é vista apenas pela ótica da má distribuição de renda e imobilidade de grupos na pirâmide social, mas a partir da intensa relação que tem entre  exclusão social e população negra, tornando-se possível identificar que a maioria dos afro-descendentes está na linha de sobrevivência da Economia brasileira.

Apesar de o  assunto ter sido retomado, nestes últimos anos, o tema envolvendo conflitos  étnicos no Brasil não é algo recente. Em 1988, durante os trabalhos da Constituinte, já se verificava a necessidade de se elaborar uma nova Constituição brasileira que fosse intolerante com atos racistas e discriminatórios. Reconhecia-se, assim, oficialmente, que o Brasil não estava imerso em nenhuma democracia racial e se tornava necessário criar mecanismos eficientes de coibição de atos racistas. A própria imprensa cria “indexes”,  via manuais de redação, alertando sobre a forma e o conteúdo da abordagem dos grupos minorizados[2].            

            Muitas vezes, o discurso nacional sobre a questão étnica teve como ponto de partida pressões internacionais que obrigavam o Brasil a se posicionar  sobre os mais diferentes confrontos, como foi o caso da luta antiapartheid  na África do Sul, em 1988, e, uma década depois, com a questão da independência e autodeterminação do Timor Leste. Neste último caso, o então presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso foi pressionado pelo governo português, em 1999, para se posicionar de maneira mais efetiva sobre o massacre contra os timorenses promovido pelo governo indonésio. A cobrança do governo português se calcava  no fato de  Timor Leste ser um território-irmão do Brasil, não só pelo aspecto do idioma (a língua falada no Timor Leste é o português), como também pelos aspectos socioculturais e  religiosos. Somente nesta situação é que o Brasil rompeu o silêncio e se mobilizou e enviou tropas, que se uniram às Forças de Paz da ONU, para garantir a autodeterminação daquele povo.

            Em muitos momentos, os confrontos étnicos internacionais serviram para que discursos políticos exaltassem a democracia racial brasileira contrapondo-a aos conflitos que se desenhavam em outros países. Estes argumentos oportunistas, no entanto, eram imediatamente pulverizados por organizações de direitos humanos e movimentos populares organizados, que expunham categoricamente a situação dos grupos minorizados no Brasil.

 

1.  Contextualização histórica:   Conflitos nos anos 90  -  a guerra das etnias

 

            O mundo contemporâneo  (principalmente na década de 90) tem   sido marcado por diversos conflitos nacionalistas, étnicos e religiosos, até então ofuscados por quase quatro décadas de guerra fria. Estes conflitos se intensificaram na década de 90 com a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, e o enfraquecimento dos países do então bloco soviético, atolados em crises econômicas.

A bipolarização  do mundo pós-Segunda Guerra Mundial entre EUA e URSS aos poucos ofusca (mas não elimina) os conflitos étnicos e separatistas de muitos países, principalmente na Europa.

            Após a Segunda Guerra Mundial, a hegemonia mundial dos Estados Unidos e da URSS leva o nacionalismo a "adormecer" em muitas nações, principalmente na Europa.  Entender o nacionalismo requer uma reflexão profunda, uma vez que envolve complexidades.  Segundo Anthony Smith, professor de Sociologia na Universidade de Londres e na London School of Economics, o nacionalismo é um movimento ideológico para atingir e conservar a autonomia, a unidade e a identidade em nome de uma população em que alguns dos seus membros consideram constituir uma "nação" real ou potencial.  (Smith: 1991: 97)

            Não se pode afirmar que os conflitos entre brancos e negros no Brasil tenham a mesma dimensão dos conflitos étnicos internacionais. Por ser um país marcadamente mestiço, o separatismo e os confrontos diretos se tornam mais diluídos, porém não menos graves. Apesar disso, é possível observar na realidade brasileira a conformação, ainda embrionária, de conflitos étnicos que podem insurgir de forma mais intensa no futuro. Este tipo de conformação começa a ser percebido pelo isolamento e confinamento da população negra a alguns espaços (tanto no âmbito físico como social). Na conformação territorial, a maioria dos negros brasileiros está confinada nas favelas, cortiços ou periferias das grandes cidades. Ao sair deste espaço, esta população negra é subjugada pelas forças auxiliares do governo (Polícia Militar) ou por seguranças particulares, contratados por empresas ou pessoas físicas, que quase sempre a tomam por “marginal” e como uma ameaça natural ao patrimônio, à vida e à manutenção do status quo das classes economicamente dominantes ou, até mesmo, da classe média (que introjeta os valores dos grupos dominantes). Quando esta maioria negra não é subjugada por estas forças militares ou de segurança privada, é discriminada por outros elementos sociais, que exercem controle de acesso de pessoas (como porteiros, selecionadores de vagas de empregos e outros profissionais), que dificultam o seu acesso a prédios, empregos, enfim, ao pleno exercício da cidadania.

 No âmbito social, a desigualdade de oportunidades entre brancos e negros tem adquirido visibilidade através de pesquisas divulgadas tanto por órgãos oficiais, como a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como por entidades não-governamentais ou institutos de pesquisas ligados às Universidades. Este é o caso do Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial, que é formado por entidades representativas dos trabalhadores e desenvolveu estudo alertando que 50% da população desempregada em cinco capitais e Distrito Federal é composta por negros.  (Inspir: 1999: 117)

No âmbito governamental, os dados também são aterradores.  “Conforme os últimos dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do Ministério do Planejamento, estima-se que os negros brasileiros ocupam apenas 1% dos postos estratégicos do mercado de trabalho. A mesma pesquisa revela que, entre dois profissionais igualmente qualificados, o branco tem 30% mais chances de conseguir a ocupação do que o negro. Em universidades públicas a presença do negro é quase ínfima. Para se ter uma idéia, a Universidade de São Paulo, considerada a mais importante da América Latina em ensino e pesquisa, possui 50 mil alunos, mas apenas 2% são alunos negros brasileiros.” ‘ (Ferreira: outubro de 2000: 8)

            Estes dados só fazem entender que o Brasil é um país que possui acentuada discrepância social e utiliza a cor da pele para intensificar as diferenças sociais, uma vez que a maioria da população negra se encontra nas camadas menos privilegiadas e arcando com o ônus da miséria social.

            A discriminação do negro, no entanto, não está apenas relacionada à sua situação econômica desfavorecida, que marca a maioria da população afro-descendente. Mesmo quando ascende socialmente, é possível observar uma acentuação da discriminação , uma vez que este negro saiu do lugar historicamente reservado para ele.

 

2. A formação e especialização de jornalistas e outros comunicadores na abordagem de segmentos minorizados

 

 

            Com o término da Guerra Fria, conforme exposto anteriormente, os conflitos étnicos, de gêneros e de inclusão social retomaram dimensões importantes. No Brasil, o fenômeno também pode ser observado, principalmente no final dos anos 80.

            Segmentos como o de afro-descendentes, de homossexuais, de idosos, de crianças e adolescentes e outros precipitaram-se, enquanto informação, nas pautas dos jornais e nas editorias, obrigando os profissionais de imprensa a uma mudança de postura.

            No, entanto, a complexidade na abordagem destes segmentos significou um grande desafio para os profissionais de Comunicação. A partir desta realidade, resolvi inserir no programa da disciplina  Jornalismo Especializado temáticas envolvendo os segmentos minorizados. A experiência vem sendo realizada junto ao curso de Comunicação Social (habilitação Jornalismo) da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Bauru, em São Paulo.

            O programa da disciplina é desenvolvido junto alunos do penúltimo termo do curso (7º termo), em Jornalismo Especializado II. A estrutura da disciplina envolve o conhecimento e o entendimento dos conflitos no Oriente Médio, com ênfase em grupos étnicos desfavorecidos enquanto notícia pelas Agências Noticiosas internacionais; a realidade de afro-descendentes no Brasil com abordagens social, política, econômica, histórica, cultural, dentre outras; a questão homossexual; a questão do idosos; a questão da criança e do adolescente; a questão das mulheres; a questão dos portadores de necessidades especiais.

            Todos esses segmentos são abordados na disciplina, em um viés conceitual e à luz da legislação. São estudados os termos mais apropriados; a construção ideológica do preconceito, da discriminação e do racismo e os diferentes estereótipos.

           

3. Os estudos do negro ou afro-brasileiro e a Comunicação

           

Conforme pude constatar durante a elaboração de minha pesquisa de Mestrado (Ferreira: 1993: 31), estudos sobre o negro e a sua condição de vida, a partir da representação dele nos meios de comunicação social -  a mídia eletrônica (rádio, televisão), a mídia imprensa (jornais e revistas), a mídia digital (internet) a literatura (ficcional, documental e científica) e as artes expressivas (música, teatro etc.) - não são recentes.

            No século passado, o negro já esteve nos relatos de viajantes estrangeiros que vieram ao Brasil como Jean Baptiste Debret (Debret: 1949) e Saint-Hilaire (Saint-Hilaire: 1953).

            Gilberto Freyre, um dos primeiros pesquisadores brasileiros a descobrir a importância informativo-documental da imprensa, conseguiu reconstruir a representação do negro na sociedade brasileira no século XIX através da análise dos anúncios de jornais. (Freyre: 1979)

            Florestan Fernandes, em Integração do negro à sociedade de classes, usou como fontes de informações coleções de periódicos dos fins do século passado, acreditando ser possível, desse modo, acompanhar alguns assuntos políticos das camadas dominantes. (Fernandes: 1965)

            Roger Bastide, em Estereótipos de negros através da literatura brasileira, analisou a produção literária do século XIX, detectando os estereótipos raciais na sociedade contemporânea. "Para este período talvez o estudo dos jornais seja mais importante do que o dos livros, como expressão de sentimentos coletivos", afirma. (Bastide: 1953: 27)

            Borges Pereira, no final da década de 60, já havia tecido uma análise da presença do negro na estrutura radiofônica paulista. Com esse trabalho - o primeiro que segue uma linha metodológica do estudo do negro em veículo de comunicação eletrônico -, Borges Pereira, estudando o negro na estrutura radiofônica, discute as posições e papéis que esse segmento ocupa na estrutura social. (Pereira, 1967)

            Nos anos 70, Solange Couceiro desenvolve estudo do negro na televisão paulista. Em sua obra, Couceiro isola o período final dos anos 60 e o começo da década de 70. Através de levantamentos quantitativo e qualitativo, ela faz análise dos profissionais da televisão paulista e do conteúdo das programações das emissoras (programas de auditório e de entretenimento popular). Esse trabalho, além de registrar e documentar os primeiros passos da televisão, retoma a metodologia de Borges Pereira e desenvolve um método de estudo do negro através da análise centrada na televisão.  (Couceiro, 1983).

            Lilia Schwarcz, em levantamento dos periódicos do final do século passado, conseguiu traçar um perfil do negro e a sua representação a partir do discurso das classes dominantes do sistema escravocrata. Assim, no século passado, segundo a autora,tem-se: o negro inferior dos editoriais científicos; o negro degenerado e não civilizado das notícias; o negro fujão e marcado dos anúncios de fuga; o negro desordeiro das ocorrências policiais; o negro alugado dos classificados; o negro fiel e dependente de seu senhor; e o negro feiticeiro dos contos de suspense. (Schwarcz, 1987: 99).

            Na crítica literária, Teófilo de Queiroz Júnior analisa a literatura brasileira de ficção enquanto instrumento que propaga imagens arcaicas, arcaizantes, deformadas da mulher negra. (Queiroz Júnior, 1982).

            No teatro, o trabalho de Miriam Garcia Mendes faz um levantamento das primeiras peças de teatro no Brasil até os anos 80 e os papéis desenvolvidos por atores negros. (Mendes, 1982)

            Na literatura científica, Solange Couceiro analisa o discurso de Nina Rodrigues, médico-legista que defendia a inferioridade racial negra através de explicações biológicas, logo após a abolição da escravatura. Esse trabalho é importante referencial para se entender as origens dos estereótipos sobre os negros, vigentes até hoje, e o comportamento dos meios de comunicação social - principalmente jornais que já  naquela época davam grande destaque para as matérias jornalísticas e artigos calcados na ciência positivista. (Couceiro, 1984)

            Na análise do discurso do jornalismo, Aparecida Baccega e Solange Couceiro estudam o modo que a imprensa brasileira ainda usa estereótipos em notícias sobre o negro. Nesse trabalho, as pesquisadoras verificaram a cobertura dada pela imprensa ao time de futebol africano, de Camarões, durante a Copa do Mundo, em 1990. Elas constataram que o time e os jogadores africanos eram citados como sendo o símbolo animalesco de coragem e garra ou colocados como guerreiros tribais, numa alusão a uma África selvagem, primitiva e guerreira. (Baccega e Couceiro: 1992)

            Essa gama de trabalhos consolidou uma linha de pesquisa nas mais diferentes áreas do conhecimento, que trata de meios de comunicação social e relações raciais, mais precisamente a análise da produção dos veículos de comunicação sobre o negro.

            Em 1993, defendi a dissertação de Mestrado A representação do negro em jornais no centenário da abolição da escravatura no Brasil, que visava analisar o conteúdo de matérias jornalísticas que tivessem como enfoque o negro. (Ferreira, 1993)

            Outro trabalho que analisa o negro na Comunicação é o de Joel Zito Araújo, A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira, que vai fazer uma abordagem da representação do negro em telenovelas brasileiras. (Araújo, 2000)

            A produção jornalística do negro, aquela que é elaborada por ele e voltada para outros negros, também já foi motivo de análise. Em A imprensa negra paulista, Miriam Nicolau Ferrara resgata a origem dos movimentos negros organizados e o declínio deles, abordando o período que vai de 1915 a 1963. Nesse livro, a autora analisa a representação do negro formulada por ele mesmo em seus próprios periódicos. (Ferrara, 1986)

            Nos trabalhos de Florestan Fernandes, o estudo da imprensa negra possibilitou analisar a função socializadora que esses tipos de jornais tinham. Segundo ele, a imprensa negra condensou e difundiu avaliações inconformistas sobre a realidade racial brasileira; contribuiu para transpor o consenso mecânico, fundado na identidade das frustrações, numa solidariedade consciente e orgânica.  (Fernandes, 1965) . Roger Bastide também procurou, através da análise da imprensa negra, discernir a mentalidade de uma raça. (Bastide, 1953).

 

Considerações finais

 

            Os conflitos étnicos que têm eclodido na contemporaneidade se constituem em grande desafio de abordagem jornalística. No caso específico do Brasil, os veículos jornalísticos de comunicação têm trazido à tona as desigualdades de oportunidades a partir da etnia. No entanto, marcados por contradições, esses veículos deixam transparecer, em notícias publicadas, estereótipos e um discurso conservador ao mesmo tempo em que são importantes canais de denúncia de discriminação, chamando a atenção das autoridades e da população para diversos problemas.

            É emergente, também, a necessidade de inserir nos currículos dos cursos Comunicação as disciplinas que especializem os alunos em temas que tratem dos grupos minoritários, principalmente os conflitos étnicos e raciais, que vêm definindo e redefinindo o mapa geográfico de países e cidades. Assim como existem jornalistas especializados em Ciências, políticas e outras áreas, é necessário formar profissionais especializados em relações raciais e grupos minorizados.

 

Bibliografia

 

1. Obras citadas neste trabalho

 

ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. SP: Senac. 2000.

 

BACCEGA, M.A. & Couceiro, S.M. Manipulação e construção da identidade da África negra na imprensa brasileira. São Paulo: ECA-USP, 1992. (mimeogr.).

 

BASTIDE, Roger. “Estereótipos de negros através da literatura brasileira”. In: Boletim de Sociologia. São Paulo: FFLCH-USP, 1953. p. 27.

 

COUCEIRO, Solange Martins. O negro na televisão de São Paulo: um estudo de relações raciais. São Paulo: FFLCH-USP, 1983.

 

______________________. Mulher e família negras: realidade e representação na obra de Nina Rodrigues. São Paulo, 1984. Tese (Doutorado) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.

 

DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica do Brasil. São Paulo: Martins, 1949.

 

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Dominus, 1965.

 

FERRARA, Miriam Nicolau. A imprensa negra paulista (1915-1963). São Paulo, 1986. Tese (Doutorado) FFLCH, Universidade de São Paulo.

 

FERREIRA, Ricardo Alexino. Olhares negros: estudo da percepção crítica de afro-descendentes sobre a imprensa e outros meios de comunicação. Tese de Doutorado. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. 2001.

 

______________________. A representação dos negros em jornais no centenário da abolição da escravatura no Brasil. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. 2001.

 

______________________. “As lutas étnico-separatistas e a imprensa: o País Basco em notícia”. In: Ética & Comunicação-Fiam: Revista de estudos sobre comunicação, Jornalismo e propaganda.  SP: Fiam. 2: 19-23, ago./dez. 2000.

 

______________________. “Desigualdade racial sem máscaras”. In: Valor Fim de Semana, Eu &. SP: Valor Econômico. Ano I – nº 25, 20 de outubro de 2000. Suplemento do Jornal Valor Econômico. p. 8-9. 

 

FREYRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. São Paulo: Nacional, 1979.

 

 

INSPIR, Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial. Mapa da população negra no mercado de trabalho. SP: Inspir/AFL-CIO/Dieese. Outubro de 1999. p. 117.

 

MENDES, Miriam Garcia. A personagem negra no teatro brasileiro. São Paulo: Ática, 1982.

 

PEREIRA, João Baptista Borges. Cor, profissão e mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo. São Paulo: Pioneira/Edusp, 1967.

 

QUEIROZ JÚNIOR, Teófilo de. Preconceito de cor e a mulata na literatura brasileira. São Paulo: Ática, 1982.

 

 

SAINT-HILAIRE, Augusto de. Segunda viagem a São Paulo e quadro histórico da província de São Paulo. São Paulo: Martins, 1953.

 

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Cia. das Letras, 1987. p. 99.

 

 

SMITH, Anthony D. A identidade nacional. Trad. Claúdia Brito. Lisboa, Portugal: Gradiva. 1991. p. 97.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Agências de notícias são empresas jornalísticas que têm por objetivo transformar fatos inéditos em matérias jornalísticas e visam repassá-las para os veículos de comunicação que, previamente, possuem assinatura dos seus serviços. Portanto, é um serviço pago. Elas podem ser classificadas em local/nacional [quando cobrem uma cidade específica ou o próprio país. Nesta situação estão Agência Estado, Agência Folhas, Globo e JB];  internacional (quando cobrem um conjunto de  países de um continente, sem pretensão de cobrir todo o planeta) e noticiosas [quando visam cobrir todos os continentes. As maiores nestas condições são as duas americanas Associated Press (AP) e a United Press International (UPI); a francesa France Press (AFP) e  a inglesa Reuters.) ]

 

[2] O termo “Grupos minorizados”  tem o sentido conceitual de segmentos sociais que, independente da quantidade, têm pouca representação social, econômica (inserção no mercado de trabalho, ocupação de cargos de poder e outros) e política. Estes grupos, muitas vezes, estão à margem dos interesses sociais. No entanto, o termo começou a provocar confusão semântica já que muitas pessoas atribuíam a estes grupos características de serem poucos indivíduos, o que seria uma incoerência, uma vez que no Brasil, por exemplo, a população negra corresponde a 44% dos brasileiros e, mesmo assim, este grupo é considerado minorizado. Estão neste bojo conceitual os negros, os homossexuais, as mulheres, os nordestinos, os portadores de necessidades especiais, os obesos e outros.