REELABORAÇÃO
DO OLHAR: A INSTRUMENTAÇÃO E FORMAÇÃO DO COMUNICADOR NA COBERTURA DAS
DIFERENTES REALIDADES AFRICANAS E DO SEGMENTO AFRO-DESCENDENTE BRASILEIRO, A
PARTIR DO JORNALISMO CIENTÍFICO E JORNALISMO ESPECIALIZADO.
RICARDO ALEXINO FERREIRA
O autor Ricardo Alexino Ferreira é
jornalista, doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo/USP (Brasil); professor da Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista/Unesp (em
Bauru, São Paulo, Brasil), ministrando as disciplinas Comunicação Científica
(no Programa de Pós-Graduação em Comunicação) e Jornalismo Especializado (no
curso de Graduação em Comunicação Social, habilitação Jornalismo). É também
diretor e apresentador do programa jornalístico de entrevistas, voltado para a
divulgação científica, Unesp-Ciência,
veiculado pela Rádio Unesp-FM (105,7 Mhz, Bauru, SP e www.radio.unesp.br) e colunista da coluna Mídias, no site www.tvtem.com.br,
da TVTem.com (Rede Globo de
Televisão, de Bauru). Coordena o Grupo de Pesquisa Comunicação Científica e
Especializada (cadastrado no CNPq e certificado pela Unesp). Contato: alexino@uol.com.br ou alexino@faac.unesp.br
Resumo
A partir da
década de 90, a imprensa se depara com os inúmeros conflitos étnicos que eclodem
em todo o mundo. Entre o politicamente correto e o estereótipo,
jornalistas se vêem perdidos na
cobertura jornalística do segmento afro-brasileiro e das diferentes realidades
africanas. A proposta deste trabalho é mostrar como o Jornalismo Científico e o
Jornalismo Especializado podem instrumentalizar e formar o profissional de
imprensa na cobertura dos fenômenos sociais, culturais, políticos e econômicos
dos segmentos afro-descendentes brasileiros e africanos.
Introdução
O discurso
racial brasileiro, envolvendo a questão do negro, é retomado de maneira
diferenciada na última década e tem como gancho os confrontos étnicos que se
intensificaram em todo o mundo com o fim da Guerra Fria, principalmente no
continente europeu. A questão de etnia e raça passa a ser a pauta do dia nos
mais diferentes noticiários. Esse fenômeno acabou por levantar dois elementos
importantes.
Em outro
momento, percebe-se que, ao cobrir conflitos étnicos no continente europeu
ocidental, as agências de notícias passam aos veículos de Comunicação
abordagens diferentes daquelas elaboradas sobre os conflitos em outros continentes. O conflito europeu é
contextualizado historicamente e ocupa considerável espaço nos meios de
comunicação. No entanto, para os conflitos envolvendo os não-europeus (Oriente
Médio, África, América Latina e Ásia) o tratamento é outro, bem como o destaque
dado. Geralmente, as referências históricas aos conflitos não-europeus são
escassas e os efeitos dos conflitos minimizados, beirando muitas vezes o
estereótipo, em que adjetivos como “radicais”, “violentos” e outros são largamente
difundidos. No caso dos conflitos
étnicos na África, o tratamento é o mais diferenciado de todos, pois atribui a
estes conflitos características tribais.
Mesmo
com diferenças de abordagens, esta movimentação internacional acabou
influenciando o discurso nacional sobre a situação étnica no Brasil. Duas
abordagens são percebidas no que tange a este tema. Na primeira, desprovida de
crítica e acreditando ser o Brasil um país que vive uma democracia racial
plena, utiliza-se destes conflitos internacionais para alardear o quanto o
brasileiro é pacífico e democrático. Esta corrente é a da negação das
diferenças étnicas e da negação da
exclusão social a partir “da cor”. Por outro lado, os conflitos étnicos internacionais
têm provocado discussões em camadas mais bem-informadas da população sobre as
diferenças étnicas existentes no Brasil e o quanto isso acaba incidindo sobre a
qualidade de vida e a distribuição de renda. Ou seja, neste caso a desigualdade social não é vista apenas pela
ótica da má distribuição de renda e imobilidade de grupos na pirâmide social,
mas a partir da intensa relação que tem entre
exclusão social e população negra, tornando-se possível identificar que
a maioria dos afro-descendentes está na linha de sobrevivência da Economia brasileira.
Apesar de
o assunto ter sido retomado, nestes
últimos anos, o tema envolvendo conflitos
étnicos no Brasil não é algo recente. Em 1988, durante os trabalhos da
Constituinte, já se verificava a necessidade de se elaborar uma nova
Constituição brasileira que fosse intolerante com atos racistas e
discriminatórios. Reconhecia-se, assim, oficialmente, que o Brasil não estava
imerso em nenhuma democracia racial e se tornava necessário criar mecanismos
eficientes de coibição de atos racistas. A própria imprensa cria
“indexes”, via manuais de redação,
alertando sobre a forma e o conteúdo da abordagem dos grupos minorizados[2].
Muitas
vezes, o discurso nacional sobre a questão étnica teve como ponto de partida
pressões internacionais que obrigavam o Brasil a se posicionar sobre os mais diferentes confrontos, como
foi o caso da luta antiapartheid na África do Sul, em 1988, e, uma década
depois, com a questão da independência e autodeterminação do Timor Leste. Neste
último caso, o então presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso foi
pressionado pelo governo português, em 1999, para se posicionar de maneira mais
efetiva sobre o massacre contra os timorenses promovido pelo governo indonésio.
A cobrança do governo português se calcava
no fato de Timor Leste ser um
território-irmão do Brasil, não só pelo aspecto do idioma (a língua falada no
Timor Leste é o português), como também pelos aspectos socioculturais e religiosos. Somente nesta situação é que o
Brasil rompeu o silêncio e se mobilizou e enviou tropas, que se uniram às
Forças de Paz da ONU, para garantir a autodeterminação daquele povo.
Em
muitos momentos, os confrontos étnicos internacionais serviram para que
discursos políticos exaltassem a democracia racial brasileira contrapondo-a aos
conflitos que se desenhavam em outros países. Estes argumentos oportunistas, no
entanto, eram imediatamente pulverizados por organizações de direitos humanos e
movimentos populares organizados, que expunham categoricamente a situação dos
grupos minorizados no Brasil.
1.
Contextualização histórica:
Conflitos nos anos 90 - a guerra das etnias
O mundo contemporâneo (principalmente na década de 90) tem sido marcado por diversos conflitos
nacionalistas, étnicos e religiosos, até então ofuscados por quase quatro
décadas de guerra fria. Estes conflitos se intensificaram na década de 90 com a
queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, e o enfraquecimento dos países do
então bloco soviético, atolados em crises econômicas.
A
bipolarização do mundo pós-Segunda
Guerra Mundial entre EUA e URSS aos poucos ofusca (mas não elimina) os
conflitos étnicos e separatistas de muitos países, principalmente na Europa.
Após a Segunda Guerra Mundial, a
hegemonia mundial dos Estados Unidos e da URSS leva o nacionalismo a "adormecer"
em muitas nações, principalmente na Europa.
Entender o nacionalismo requer uma reflexão profunda, uma vez que
envolve complexidades. Segundo Anthony
Smith, professor de Sociologia na Universidade de Londres e na London School of
Economics, o nacionalismo é um movimento ideológico para atingir e conservar a
autonomia, a unidade e a identidade em nome de uma população em que alguns dos
seus membros consideram constituir uma "nação" real ou
potencial. (Smith: 1991: 97)
Não se pode afirmar que os conflitos
entre brancos e negros no Brasil tenham a mesma dimensão dos conflitos étnicos
internacionais. Por ser um país marcadamente mestiço, o separatismo e os
confrontos diretos se tornam mais diluídos, porém não menos graves. Apesar
disso, é possível observar na realidade brasileira a conformação, ainda
embrionária, de conflitos étnicos que podem insurgir de forma mais intensa no
futuro. Este tipo de conformação começa a ser percebido pelo isolamento e
confinamento da população negra a alguns espaços (tanto no âmbito físico como
social). Na conformação territorial, a maioria dos negros brasileiros está
confinada nas favelas, cortiços ou periferias das grandes cidades. Ao sair
deste espaço, esta população negra é subjugada pelas forças auxiliares do governo
(Polícia Militar) ou por seguranças particulares, contratados por empresas ou
pessoas físicas, que quase sempre a tomam por “marginal” e como uma ameaça
natural ao patrimônio, à vida e à manutenção do status quo das classes economicamente dominantes ou, até mesmo, da
classe média (que introjeta os valores dos grupos dominantes). Quando esta
maioria negra não é subjugada por estas forças militares ou de segurança
privada, é discriminada por outros elementos sociais, que exercem controle de
acesso de pessoas (como porteiros, selecionadores de vagas de empregos e outros
profissionais), que dificultam o seu acesso a prédios, empregos, enfim, ao
pleno exercício da cidadania.
No âmbito social, a desigualdade de
oportunidades entre brancos e negros tem adquirido visibilidade através de
pesquisas divulgadas tanto por órgãos oficiais, como a Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como por entidades
não-governamentais ou institutos de pesquisas ligados às Universidades. Este é
o caso do Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial, que é
formado por entidades representativas dos trabalhadores e desenvolveu estudo
alertando que 50% da população desempregada em cinco capitais e Distrito
Federal é composta por negros. (Inspir:
1999: 117)
No
âmbito governamental, os dados também são aterradores. “Conforme os últimos dados do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do Ministério do Planejamento,
estima-se que os negros brasileiros ocupam apenas 1% dos postos estratégicos do
mercado de trabalho. A mesma pesquisa revela que, entre dois profissionais
igualmente qualificados, o branco tem 30% mais chances de conseguir a ocupação
do que o negro. Em universidades públicas a presença do negro é quase ínfima.
Para se ter uma idéia, a Universidade de São Paulo, considerada a mais
importante da América Latina em ensino e pesquisa, possui 50 mil alunos, mas
apenas 2% são alunos negros brasileiros.” ‘ (Ferreira:
outubro de 2000: 8)
Estes dados só fazem entender que o
Brasil é um país que possui acentuada discrepância social e utiliza a cor da
pele para intensificar as diferenças sociais, uma vez que a maioria da
população negra se encontra nas camadas menos privilegiadas e arcando com o
ônus da miséria social.
A discriminação do negro, no
entanto, não está apenas relacionada à sua situação econômica desfavorecida,
que marca a maioria da população afro-descendente. Mesmo quando ascende
socialmente, é possível observar uma acentuação da discriminação , uma vez que
este negro saiu do lugar historicamente reservado para ele.
2. A formação e especialização de jornalistas e outros comunicadores na
abordagem de segmentos minorizados
Com o término da Guerra Fria,
conforme exposto anteriormente, os conflitos étnicos, de gêneros e de inclusão
social retomaram dimensões importantes. No Brasil, o fenômeno também pode ser
observado, principalmente no final dos anos 80.
Segmentos como o de
afro-descendentes, de homossexuais, de idosos, de crianças e adolescentes e
outros precipitaram-se, enquanto informação, nas pautas dos jornais e nas
editorias, obrigando os profissionais de imprensa a uma mudança de postura.
No, entanto, a complexidade na
abordagem destes segmentos significou um grande desafio para os profissionais
de Comunicação. A partir desta realidade, resolvi inserir no programa da
disciplina Jornalismo Especializado
temáticas envolvendo os segmentos minorizados. A experiência vem sendo
realizada junto ao curso de Comunicação Social (habilitação Jornalismo) da
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), campus de Bauru, em São Paulo.
O programa da disciplina é
desenvolvido junto alunos do penúltimo termo do curso (7º termo), em Jornalismo
Especializado II. A estrutura da disciplina envolve o conhecimento e o
entendimento dos conflitos no Oriente Médio, com ênfase em grupos étnicos
desfavorecidos enquanto notícia pelas Agências Noticiosas internacionais; a
realidade de afro-descendentes no Brasil com abordagens social, política,
econômica, histórica, cultural, dentre outras; a questão homossexual; a questão
do idosos; a questão da criança e do adolescente; a questão das mulheres; a
questão dos portadores de necessidades especiais.
Todos esses segmentos são abordados
na disciplina, em um viés conceitual e à luz da legislação. São estudados os
termos mais apropriados; a construção ideológica do preconceito, da
discriminação e do racismo e os diferentes estereótipos.
3.
Os estudos do negro ou afro-brasileiro e a Comunicação
Conforme
pude constatar durante a elaboração de minha pesquisa de Mestrado (Ferreira:
1993: 31), estudos sobre o negro e a sua condição de vida, a partir da
representação dele nos meios de comunicação social - a mídia eletrônica (rádio, televisão), a mídia imprensa (jornais
e revistas), a mídia digital (internet) a literatura (ficcional, documental e
científica) e as artes expressivas (música, teatro etc.) - não são recentes.
No século passado, o negro já esteve
nos relatos de viajantes estrangeiros que vieram ao Brasil como Jean Baptiste
Debret (Debret: 1949) e Saint-Hilaire (Saint-Hilaire: 1953).
Gilberto Freyre, um dos primeiros
pesquisadores brasileiros a descobrir a importância informativo-documental da
imprensa, conseguiu reconstruir a representação do negro na sociedade
brasileira no século XIX através da análise dos anúncios de jornais. (Freyre:
1979)
Florestan Fernandes, em Integração do negro à sociedade de classes,
usou como fontes de informações coleções de periódicos dos fins do século
passado, acreditando ser possível, desse modo, acompanhar alguns assuntos
políticos das camadas dominantes. (Fernandes: 1965)
Roger Bastide, em Estereótipos de negros através da literatura
brasileira, analisou a produção literária do século XIX, detectando os
estereótipos raciais na sociedade contemporânea. "Para este período talvez
o estudo dos jornais seja mais importante do que o dos livros, como expressão
de sentimentos coletivos", afirma. (Bastide: 1953: 27)
Borges Pereira, no final da década
de 60, já havia tecido uma análise da presença do negro na estrutura
radiofônica paulista. Com esse trabalho - o primeiro que segue uma linha
metodológica do estudo do negro em veículo de comunicação eletrônico -, Borges
Pereira, estudando o negro na estrutura radiofônica, discute as posições e
papéis que esse segmento ocupa na estrutura social. (Pereira, 1967)
Nos anos 70, Solange Couceiro
desenvolve estudo do negro na televisão paulista. Em sua obra, Couceiro isola o
período final dos anos 60 e o começo da década de 70. Através de levantamentos
quantitativo e qualitativo, ela faz análise dos profissionais da televisão
paulista e do conteúdo das programações das emissoras (programas de auditório e
de entretenimento popular). Esse trabalho, além de registrar e documentar os
primeiros passos da televisão, retoma a metodologia de Borges Pereira e
desenvolve um método de estudo do negro através da análise centrada na
televisão. (Couceiro, 1983).
Lilia Schwarcz, em levantamento dos
periódicos do final do século passado, conseguiu traçar um perfil do negro e a
sua representação a partir do discurso das classes dominantes do sistema
escravocrata. Assim, no século passado, segundo a autora,tem-se: o negro
inferior dos editoriais científicos; o negro degenerado e não civilizado das
notícias; o negro fujão e marcado dos anúncios de fuga; o negro desordeiro das
ocorrências policiais; o negro alugado dos classificados; o negro fiel e
dependente de seu senhor; e o negro feiticeiro dos contos de suspense.
(Schwarcz, 1987: 99).
Na crítica literária, Teófilo de
Queiroz Júnior analisa a literatura brasileira de ficção enquanto instrumento
que propaga imagens arcaicas, arcaizantes, deformadas da mulher negra. (Queiroz
Júnior, 1982).
No teatro, o trabalho de Miriam
Garcia Mendes faz um levantamento das primeiras peças de teatro no Brasil até
os anos 80 e os papéis desenvolvidos por atores negros. (Mendes, 1982)
Na literatura científica, Solange
Couceiro analisa o discurso de Nina Rodrigues, médico-legista que defendia a
inferioridade racial negra através de explicações biológicas, logo após a
abolição da escravatura. Esse trabalho é importante referencial para se
entender as origens dos estereótipos sobre os negros, vigentes até hoje, e o
comportamento dos meios de comunicação social - principalmente jornais que
já naquela época davam grande destaque
para as matérias jornalísticas e artigos calcados na ciência positivista.
(Couceiro, 1984)
Na análise do discurso do
jornalismo, Aparecida Baccega e Solange Couceiro estudam o modo que a imprensa
brasileira ainda usa estereótipos em notícias sobre o negro. Nesse trabalho, as
pesquisadoras verificaram a cobertura dada pela imprensa ao time de futebol
africano, de Camarões, durante a Copa do Mundo, em 1990. Elas constataram que o
time e os jogadores africanos eram citados como sendo o símbolo animalesco de
coragem e garra ou colocados como guerreiros tribais, numa alusão a uma África
selvagem, primitiva e guerreira. (Baccega e Couceiro: 1992)
Essa gama de trabalhos consolidou
uma linha de pesquisa nas mais diferentes áreas do conhecimento, que trata de
meios de comunicação social e relações raciais, mais precisamente a análise da
produção dos veículos de comunicação sobre o negro.
Em 1993, defendi a dissertação de
Mestrado A representação do negro em
jornais no centenário da abolição da escravatura no Brasil, que visava
analisar o conteúdo de matérias jornalísticas que tivessem como enfoque o
negro. (Ferreira, 1993)
Outro trabalho que analisa o negro
na Comunicação é o de Joel Zito Araújo, A
negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira, que vai fazer uma
abordagem da representação do negro em telenovelas brasileiras. (Araújo, 2000)
A produção jornalística do negro,
aquela que é elaborada por ele e voltada para outros negros, também já foi
motivo de análise. Em A imprensa negra
paulista, Miriam Nicolau Ferrara resgata a origem dos movimentos negros
organizados e o declínio deles, abordando o período que vai de 1915 a 1963.
Nesse livro, a autora analisa a representação do negro formulada por ele mesmo
em seus próprios periódicos. (Ferrara,
1986)
Nos trabalhos de Florestan
Fernandes, o estudo da imprensa negra possibilitou analisar a função
socializadora que esses tipos de jornais tinham. Segundo ele, a imprensa negra
condensou e difundiu avaliações inconformistas sobre a realidade racial
brasileira; contribuiu para transpor o consenso mecânico, fundado na identidade
das frustrações, numa solidariedade consciente e orgânica. (Fernandes, 1965) . Roger Bastide também procurou,
através da análise da imprensa negra, discernir a mentalidade de uma raça.
(Bastide, 1953).
Os
conflitos étnicos que têm eclodido na contemporaneidade se constituem em grande
desafio de abordagem jornalística. No caso específico do Brasil, os veículos
jornalísticos de comunicação têm trazido à tona as desigualdades de
oportunidades a partir da etnia. No entanto, marcados por contradições, esses
veículos deixam transparecer, em notícias publicadas, estereótipos e um
discurso conservador ao mesmo tempo em que são importantes canais de denúncia
de discriminação, chamando a atenção das autoridades e da população para
diversos problemas.
É emergente, também, a necessidade
de inserir nos currículos dos cursos Comunicação as disciplinas que
especializem os alunos em temas que tratem dos grupos minoritários,
principalmente os conflitos étnicos e raciais, que vêm definindo e redefinindo
o mapa geográfico de países e cidades. Assim como existem jornalistas
especializados em Ciências, políticas e outras áreas, é necessário formar
profissionais especializados em relações raciais e grupos minorizados.
1. Obras
citadas neste trabalho
ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil: o negro na
telenovela brasileira. SP: Senac. 2000.
BACCEGA, M.A. &
Couceiro, S.M. Manipulação e construção
da identidade da África negra na imprensa brasileira. São Paulo: ECA-USP,
1992. (mimeogr.).
BASTIDE,
Roger. “Estereótipos de negros através da literatura brasileira”. In: Boletim de Sociologia. São Paulo:
FFLCH-USP, 1953. p. 27.
COUCEIRO, Solange Martins. O negro na televisão de São Paulo: um
estudo de relações raciais. São Paulo: FFLCH-USP, 1983.
______________________. Mulher e família negras: realidade e
representação na obra de Nina Rodrigues. São Paulo, 1984. Tese (Doutorado) -
Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.
DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica do Brasil.
São Paulo: Martins, 1949.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de
classes. São Paulo: Dominus, 1965.
FERRARA, Miriam Nicolau. A imprensa negra paulista (1915-1963).
São Paulo, 1986. Tese (Doutorado) FFLCH, Universidade de São Paulo.
FERREIRA, Ricardo Alexino. Olhares negros: estudo da percepção
crítica de afro-descendentes sobre a imprensa e outros meios de comunicação.
Tese de Doutorado. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo. 2001.
______________________.
A representação dos negros em jornais no
centenário da abolição da escravatura no Brasil. Dissertação de Mestrado.
São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. 2001.
______________________. “As
lutas étnico-separatistas e a imprensa: o País Basco em notícia”. In: Ética & Comunicação-Fiam: Revista de
estudos sobre comunicação, Jornalismo e propaganda. SP: Fiam. 2: 19-23, ago./dez. 2000.
______________________.
“Desigualdade racial sem máscaras”. In: Valor
Fim de Semana, Eu &. SP: Valor Econômico. Ano I – nº 25, 20 de outubro
de 2000. Suplemento do Jornal Valor Econômico. p. 8-9.
FREYRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais
brasileiros do século XIX. São Paulo: Nacional, 1979.
INSPIR, Instituto Sindical
Interamericano pela Igualdade Racial. Mapa
da população negra no mercado de trabalho. SP: Inspir/AFL-CIO/Dieese.
Outubro de 1999. p. 117.
MENDES, Miriam Garcia. A personagem negra no teatro brasileiro.
São Paulo: Ática, 1982.
PEREIRA, João Baptista
Borges. Cor, profissão e mobilidade:
o negro e o rádio de São Paulo. São Paulo: Pioneira/Edusp, 1967.
QUEIROZ JÚNIOR, Teófilo de. Preconceito de cor e a mulata na literatura
brasileira. São Paulo: Ática, 1982.
SAINT-HILAIRE, Augusto de. Segunda
viagem a São Paulo e quadro histórico da província de São Paulo. São
Paulo: Martins, 1953.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro: jornais,
escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Cia. das
Letras, 1987. p. 99.
SMITH, Anthony D. A identidade nacional. Trad. Claúdia
Brito. Lisboa, Portugal: Gradiva. 1991. p. 97.
[1] Agências de notícias são empresas jornalísticas que têm por objetivo transformar fatos inéditos em matérias jornalísticas e visam repassá-las para os veículos de comunicação que, previamente, possuem assinatura dos seus serviços. Portanto, é um serviço pago. Elas podem ser classificadas em local/nacional [quando cobrem uma cidade específica ou o próprio país. Nesta situação estão Agência Estado, Agência Folhas, Globo e JB]; internacional (quando cobrem um conjunto de países de um continente, sem pretensão de cobrir todo o planeta) e noticiosas [quando visam cobrir todos os continentes. As maiores nestas condições são as duas americanas Associated Press (AP) e a United Press International (UPI); a francesa France Press (AFP) e a inglesa Reuters.) ]
[2] O termo “Grupos minorizados” tem o sentido conceitual de segmentos sociais que, independente da quantidade, têm pouca representação social, econômica (inserção no mercado de trabalho, ocupação de cargos de poder e outros) e política. Estes grupos, muitas vezes, estão à margem dos interesses sociais. No entanto, o termo começou a provocar confusão semântica já que muitas pessoas atribuíam a estes grupos características de serem poucos indivíduos, o que seria uma incoerência, uma vez que no Brasil, por exemplo, a população negra corresponde a 44% dos brasileiros e, mesmo assim, este grupo é considerado minorizado. Estão neste bojo conceitual os negros, os homossexuais, as mulheres, os nordestinos, os portadores de necessidades especiais, os obesos e outros.