A QUESTÃO DO LIVRO DE PESQUISA EM HUMANIDADES

Renato Janine Ribeiro

1) Na última avaliação trienal da Capes, o número de livros considerados pelas áreas para efeito de atribuição de notas foi elevado: 8500, se somarmos “livros” e “coletâneas”, deixando de fora os “capítulos de livros” (dados em curso de análise). Para efeito de comparação, foram 20.600 os artigos em periódicos de nível Internacional A e B. E no entanto poucas áreas efetuaram uma análise de qualidade destes livros, examinando o seu conteúdo. O livro continua sendo uma espécie de buraco negro na avaliação.

2) O tema é particularmente candente nas Humanidades, cujas 17 áreas congregam 70,3 % do total de livros acima citado. Compare-se: cada área das Humanidades apresentou 353 livros, contra a média de 93 livros para cada uma das outras áreas.

3) A primeira questão é: A avaliação terá então um efeito negativo sobre a publicação de livros de pesquisa nas áreas que os valorizam? Isto é, em vez de a avaliação seguir a qualidade, estará a qualidade seguindo a avaliação? Se isso ocorrer, está errado. Porque seria uma inversão dos valores. É a avaliação que deve moldar-se ao que de melhor se faz nas diferentes áreas, e não o contrário. Isso tem estado muito claro nas atitudes da presente Diretoria em relação aos livros, tanto por ser o presente Diretor de Avaliação da área de Humanas, quanto por contar com total apoio da Presidência da Capes no sentido de que os livros devem ser considerados - e avaliados.

4) A verdadeira questão talvez seja: estará declinando a produção de livros propriamente de pesquisa nas áreas que os prezam? Cada vez mais, após o doutorado, fica difícil o pesquisador dedicar dois, três, cinco anos para a redação de um único livro, com começo, meio e fim. Chamarei esse tipo de livro - que se inicia e se termina - de livro tipo 1.

5) A razão para isso é a demanda constante de artigos, papers, em suma, trabalhos que se escrevem em alguns meses, a partir de uma demanda externa (e não interna ao pesquisador), e que tornam muito difícil a dedicação a uma única obra por um longo prazo de tempo. Daí que, quando um pesquisador publica um livro, o mais freqüente seja ele ser uma coletânea de artigos apenas agregados. Chamarei essa produção de livro tipo 2.

6) Uma alternativa à coletânea de meros agregados é a coletânea que assume o perfil de livro propriamente dito. Isto é: embora seja formado a partir de uma sucessão de artigos, ele é modificado para se tornar um livro “com começo, meio e fim”. Eliminam-se repetições. Acrescentam-se mediações. Modificam-se os textos. Chamarei esta criação de livro tipo 3.

7) Do que disse, a questão fica: as áreas de Humanidades estão realmente escrevendo livros? O livro tipo 2 não é propriamente um livro. É um agregado de textos, que podem obviamente ser muito bons. Mas não se distingue, essencialmente, dos artigos que outras áreas publicam em periódicos - a não ser pelo fato de que, geralmente, tiveram uma primeira edição em coletâneas de vários autores e, a segunda, no que é uma coletânea de um só autor. Se assim for a tendência das áreas, será apenas o suporte o que distinguirá esses artigos (que a Avaliação da Capes chama de “capítulos de livros”) do que as áreas de Ciências Exatas, Biológicas e outras denominam “artigos em periódicos”. Estará, então, terminando o livro de pesquisa em Humanidades.

8) Quais as alternativas, se as áreas de Humanidades forem manter, como seu modo de produção prioritário, o livro? Será preciso dedicar tempo efetivo para a redação de obras que formulem uma questão, desenvolvam-na e a completem. Isto requer algumas considerações:

a) Será o caso de rever o que são congressos, anais, revistas temáticas e obras (igualmente) temáticas? Será o caso, pois, de rever o que é escrever sob convite? Há aspectos fortemente positivos nessa agregação de esforços, que aumenta a interlocução dos autores. Mas não seria o caso de somente realizar essa agregação de esforços quando ela, efetivamente, aumentar a interlocução dos autores? Se se perder de vista o fim (a construção de uma massa crítica que dialogue entre si), o meio, só, poderá tornar-se contraproducente.

b) Será o caso de incentivar, quando um autor se dedicar a uma obra de maior fôlego (o livro tipo 1), que ele - enquanto escreve a mesma - publique em veículos adequados à sua área trechos, passagens, capítulos da mesma? Desta forma, (1) ele se beneficiará da crítica de colegas e parceiros, (2) ele mostrará o que está fazendo, dando à comunidade científica elementos de sua obra em curso, (3) ele não prejudicará a avaliação de seu programa (pela Capes) e de sua pesquisa (pelo CNPq e FAPs), sem com isso precisar dispersar-se pelo que, para ele, nesse momento, não é prioritário.

c) Será o caso, quando o autor escrever artigos sobre vários assuntos, de incentivar sua posterior reuniao em obras que tenham o perfil de livro (livro tipo 3) e não o de coletânea de si próprio (livro tipo 2)? As obras que não sejam mera reuniao de textos previamente apresentados em outro formato poderiam ser avaliadas mais positivamente - mas sempre levando em conta o que diremos, adiante, sobre a qualidade.

9) Vale a pena repensar o papel dos periódicos nas áreas de Humanidades. Pelos dados mais recentes disponíveis no sitio do SciELo (www.scielo.br <http: //www.scielo.br>), de 134 títulos de periódicos que constam de sua listagem apenas 25 são das Ciências Humanas e 6 das Ciências Sociais Aplicadas - sendo que não há nenhum periódico do núcleo duro de áreas como Artes, Administração, Arquitetura, Ciência Política, Demografia, Direito, Filosofia, Geografia, Lingüística, Planejamento Urbano, Serviço Social, Urbanismo, e somente 1 de Economia, 1 de História e 1 de Letras. Com exceção de Educação e Psicologia, o desempenho de todas as demais áreas de Humanidades no SciELo é tímido. Ora, não apenas o SciELo é uma grande e generosa iniciativa brasileira de colocar gratuitamente na Internet nossa produção científica de qualidade, como ele confere um selo de qualidade à produção das áreas.

a) Talvez seja o caso, para os artigos que hoje compõem livros tipo 2 (papers, artigos dispersos etc.), de publicá-los em periódicos das áreas, o que facilitaria (1) o seu acesso on line, gratuito, várias vezes superior em número ao acesso em papel, (2) sua avaliação;

b) Talvez seja o caso de incentivar as revistas das áreas de Humanidades (1) a serem mais inter-instituições do que são atualmente, havendo hoje muitas que pertencem apenas a um departamento ou programa; (2) em compensação e de modo complementar, a terem um perfil mais focado, substituindo a meta de tratar de todos os assuntos na área pela de cobrir uma sub-área ou especialidade (p. ex., Poesia, Literatura Brasileira do século XIX etc.), o que ampliará sua leitura; (3) a se disponibilizarem on line, sempre que possível pelo SciELo mas sem prejuízo de seu acesso livre pela Internet ser oferecido diretamente pela Instituição que as publica.

10)  No lado concreto da avaliação de livros, há algumas possibilidades que aqui enumero:

a) Qualis de editoras. Cada área, a exemplo do que faz com o Qualis de periódicos, avaliaria a qualidade da produção científica (em sua área) das editoras. Problema: este procedimento, que já é adotado pela Educação devido ao seu grande número de publicações, não funciona quando a publicação em livros for pequena ou dispersar-se em muitas casas editoriais;

b) Leitura dos livros por pares, dirigida pela respectiva comissão de área. Há um projeto piloto em andamento, nesta direção;

c) Inclusão, no Coleta Capes a partir de sua próxima edição, de informações pormenorizadas escritas pelo próprio autor sobre seu livro (um resumo do mesmo), além de informações objetivas (é reuniao de artigos já publicados? há elementos novos? a editora tem política de publicação? etc.). Neste caso, a comissão de área faria uma primeira avaliação, solicitando cópias nos casos de dúvidas.

11)  Essa discussão ainda está em curso. Mas os pontos principais a que queremos chegar são:

a) A avaliação das áreas de Humanidades será inadequada, em quase todos os casos, enquanto o livro não tiver uma avaliação, como deve sempre ser esta, qualitativa;

b) É preciso preceder a discussão dos meios de avaliar os livros (item 10) por um debate sobre o seu efetivo ´papel na produção científica das áreas de Humanidades;

c) Este texto é para debate aberto sobre a questão, não representando, salvo no princípio de que a avaliação qualitativa de livros deve ser feita, a posição oficial da Capes.

Brasília, 18 de julho de 2005.