IDENTIFICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ATIVOS ISOLADOS DE PLANTAS MEDICINAIS – BIOPIRATARIA, QUÍMICA DE PRODUTOS NATURAIS E BIODIVERSIDADE FITOQUÍMICA DE PLANTAS BRASILEIRAS

 

Raimundo Braz Filho

 

 

Introdução

 

Estima-se que, 80 % da população de paises subdesenvolvidos e em desenvolvimento dependem quase completamente da medicina caseira, utilizando plantas medicinais para suas necessidades primárias de saúde.

O potencial químico dos organismos vivos estimula o interesse das indústrias farmacêuticas como fontes de fármacos [e.g. taxol (1)], agroquímicas pelo fornecimento de fungicidas e inseticidas naturais [e.g. rotenona (2)], alimentícias para a obtenção de substâncias naturais usadas para sabor e cor dos alimentos [e.g. mentol (4)] e de cosméticos para atender as necessidade de perfumes naturais [e.g. linalol (5)].1

 

 

 

O mercado de venda dos medicamentos naturais vimblastina (5) e vincristina (6), antileucêmicos isolados de Catharantus roseus, atinge anualmente a quantia de 200 milhões de dólares. A substância natural denominada taxol (1), derivado diterpênico isolado da espécie vegetal Taxus brevifolia Nutt, assume também uma posição importante no comércio de fármaco pela utilização no combate ao câncer. A azadirachtina (7), substância natural extraída das sementes de Azadirachta indica, é comercialmente usada como pesticida.1

 

 

Com base nas 150 principais drogas descritas em prescrições médicas dos Estados Unidos, 57 % originam-se direta ou indiretamente da diversidade biológica envolvendo animais, plantas, fungos, bactérias e organismos marinhos. Tais dados evidenciam claramente a importância contemporânea das substâncias naturais para a preservação da saúde e curar doenças e, conseqüentemente, estimulam as industrias farmacêuticas e demonstram a importância das atividades desenvolvidas pelos químicos de produtos naturais, que se dedicam aos produtos naturais produzidos pelo metabolismo de organismos vivos, e pelos profissionais de áreas correlatas.

A Professora Norma Saraiva Siqueira (Farmacognosia - Universidade Federal do Rio Grande do Sul) registrou (Jornal de Ciência Hoje, 27 de julho de 1990) oportunamente o seguinte pronunciamento: Brasil possui de 40 a 200 mil espécies vegetais, um terço das existentes no Planeta. Cerca de 10 mil delas são medicinais. A China tem 27 mil espécies vegetais, com 5 mil medicinais (20%), e a India, 18 mil, com 2,5 mil medicinais (14%). Temos, portanto, uma das floras mais ricas do mundo em matérias-primas para fitofármacos. Somos, no entanto, grandes importadores de plantas e matérias-primas vegetais. Tal pronunciamento serve como advertência para despertar e estimular o desenvolvimento das atividades profissionais e para as autoridades governamentais adquirirem sensibilidade política e administrativa efetiva para assumir a importância da química de produtos naturais e áreas correlacionadas, sem descuidar da necessária preservação e da proteção da biodiversidade das nossas riquezas naturais.

 

Biopirataria

 

            A biodiversidade brasileira continua atraindo atenção especial e sendo contrabandeada, aparecendo atualmente como dependente de diversas patentes registradas no exterior. As plantas abaixo relacionadas podem ser citadas como exemplos para demonstrar a ocorrência de situação extremamente preocupante, que exige atenção especial das autoridades governamentais, dos diversos profissionais e da sociedade brasileira.

 

1. Carapa guianensis, conhecida no vocabulário popular como andiroba, familia Meliaceae. Planta usada para combater a malária e doenças parasitárias. Os limonóides gedunina (8), andirobina (9) e epoxiazadiradiona (10) isoladas desta espécie apresentam importantes atividades biológicas: antiinflamatória, repelente de insetos, antitumor. Essa planta é historicamente utilizada pelos povos da Amazônia como repelente de insetos, como cicratizante e para combater a febre. A Rocher Yves Vegetale registrou patente no exterior (Estados Unidos, Europa e Japão) para proteger da produção de cosméticos e de extratos de interesse medicinal.2

 

 

2. Banisteriopsis caapi, conhecida pela população como ayahaasca, famaília Malpighiaceae. A psicoatividade dessa planta é atribuída à presença de alcalóides b-carbolínicos, tais como harmalina (11), harmina (12) e tetraidroarmina (13).3 O alcalóide 11 é descrito como provável precursor biogenético de 12 e 13 (Esquema 1).3 Esta planta é um cipó alucinogênico utilizado há cerca de quatro séculos em cerimônias religiosas indígenas e foi patenteada pela empresa americana International Plant Medicine Corporation.2

 

Esquema 1. Alcalóides b-carbolínicos isolados de Banisteriopsis caapi

 

3. Chondrodendron tomentosum, comumente conhecido como curare, família Menispermaceae. O bis-alcalóide tubocurarina (14) ainda é extraído de curare para ser usado como relaxante muscular em operações. Uma patente desta planta foi registrada nos EUA e é usada na produção de relaxante muscular e anestésico cirúrgico.1

 

4. Copaifera officinalis, popularmente conhecida como copaíba, família Fabaceae. Plantas do gênero apresentam-se também como bioprodutoras de diterpenos (e. g. 15). A copaíba (Copaifera sp) é conhecida como o antibiótico das matas, revelando propriedades estimulantes, expectorantes e desinfetantes. Patente mundial para proteger da produção de cosméticos ou alimentos foi registrada pela empresa Technico-flor S/A.2

 

 

5. Phyllanthus niruri, conhecida pela população como quebra-pedra, família Euphorbiaceae. A população indígena utiliza essa planta para tratamento de problemas hepáticos e renais. Uma empresa americana patenteou para a fabricação de medicamento destinado ao tratamento de hepatite B.2 Essa planta produz lignóides (e. g. 16 e 17) e flavonóides (e.g. 18), que revelaram atividade biológica.

 

 

6. Em 1982, um grupo de químicos japoneses e norte-americanos identificou no remédio popular brasileiro Específico pessoa dois pterocarpanos prenilados (19 e 20) com atividade contra veneno de cobra.1

 

 

 

            Na literatura encontra-se revisão relativamente recente sobre ensaios biológicos e tipos de produtos naturais ativos, dos quais selecionou-se alguns exemplos descritos na Tabela 1.4

            Assim, o isolamento e a determinação estrutural de substâncias orgânicas produzidas pelo metabolismo secundário de organismos vivos assumem também importância fundamental para o desenvolvimento científico da química de produtos naturais e contribui para avanço de outras atividades científicas e tecnológicas no País. A diversidade estrutural dos produtos naturais não pode ser superada pela mais ativa imaginação dos químicos orgânicos sintéticos.

            Em 2001, havia mais de 150 mil substâncias naturais conhecidas e novas estruturas estão sendo publicadas numa velocidade de cerca de 10 mil por ano.5

 

 

Tabela 1. Alguns exemplos selecionados de ensaios biológicos e tipos de produtos naturais ativos descritos em revisão recente.4

 

Atividade biológica

Tipo de produto natural ativo

Acaricida

Cromenos

Inibição de ciclase adenilato

Derivados óxido manoílicos

Anti-poeira de ácaros

Triterpenes lanostanicos

Anti-Encephalomyocarditis

Flavonóides

Anti-fungo

Isoflavonas flavanonas prenilladas, xantonas, ácido rosmarinico

Antihipertensivo

7-Oxo-10a-cucurbitadienol

Anti-inflamatório

Alcalóides naftaleno- isoquinolínico

Antimaláricos

Diterpenos abietânicos

Anti-micróbio

Antraquinonas, sesquiterpenos, diterpenes, isoflavanas

Anti-oxidante

Depsídios, xantonas

Hipolipidemico

diarilheptanóide fenólicos

Inseticida

Cromenos, furanocumarinas

Leishmanicida

Flavanas, alcalóides aporfínicos

Anti-micróbio oral

Isoflavonóides

 

 

Química de produtos naturais

 

As atividades de pesquisa dos químicos de produtos naturais no Brasil mantiveram-se historicamente vinculadas com a formação de recursos humanos, especialmente em nível de pós-graduação (Mestrado e Doutorado), contribuindo significativamente para o fortalecimento do quadro de professores - pesquisadores vinculados a diversas instituições de ensino superior.

O Esquema 2 resume uma tentativa de definição das atividades desenvolvidas pelos bioquímicos e pelos químicos de produtos naturais (químicos orgânicos) com base nos metabolismos primário e secundário e nas rotas principais de bioformação dos metabólitos secundários. Obviamente, os polímeros naturais e seus monômeros também são produtos naturais e comumente investigados pelos bioquímicos (metabolismo primário).2

A vida dos organismos vivos - nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento, doenças e morte - depende de transformações químicas desenvolvidas pelos seus metabolismos primário e secundário. A bioquímica investiga a química de produtos naturais do metabolismo primário, que produz substâncias amplamente distribuídas nos seres vivos: aminoácidos, proteínas (polímeros naturais), lipídios, carboidratos, polissacarídeos, ácidos nucléicos (e.g.). A química de produtos naturais do metabolismo secundário (especializado) é estudada pelos químicos orgânicos, freqüentemente reconhecidos como químicos de produtos naturais. As substâncias biofabricadas pelo metabolismo secundário são mais características de grupos biológicos, tais como família e gênero.

                O Esquema 3 apresenta um resumo da importância e interdisciplinaridade das substâncias orgânicas naturais produzidas pelo metabolismo secundário (especializado) dos organismos vivos.

            A arteanuina B (21) e a artemisinina (22) foram isoladas de Artemisia annua, família Arteraceae, uma planta medicinal chinesa com potente atividade anti-malárica devido à presença de 22. A preparação de derivados da artemisinina (22) permitiu obtenção de produtos 8 a 10 vezes mais potentes. Várias sínteses totais de artemisinina (22) encontram-se registradas na literatura, quando foi avaliado que o preço da droga apresentava-se economicamente inviável. A descoberta desta substância permitiu o tratamento de dezenas de milhões de pacientes de malária na República Popular da China.

 

 

 

 

A transformação microbiológica de substâncias naturais e sintéticas oferece novos horizontes para modificações estruturais destinadas ao atendimento de diversos objetivos, desde introdução de grupos funcionais a rearranjos moleculares. Tais biotransformações pode ser programadas para a obtenção de produtos com maior e melhor potencial de atividade biológica, além de oferecer a oportunidade de preparação de substâncias com menor ação em efeitos colaterais indesejáveis O Esquema 4 resume as modificações estruturais do ácido betu[inico por dois microorganismos.6

 

 

 

 

Biodiversidade fitoquímica de plantas brasileiras

 

Um número significativo de substâncias naturais (Tabela 2: correspondente a cerca de 674 substâncias naturais descritas nas Tabelas 2.1 a 2.33)) e seus derivados foram divulgadas principalmente através de artigos publicados em revistas científicas de circulação internacional (nacionais e estrangeiras) e de comunicações apresentadas em reuniões científicas (565, incluindo alguns de síntese), sendo relativamente grande o número de substâncias inéditas. Os trabalhos publicados, contando com a participação de vários colaboradores vinculados a diversas instituições brasileiras, revelam representantes de diversas classes de substâncias naturais isoladas de espécies vegetais. As Tabelas 2.1 a 2.33 abaixo relacionadas foram construídas com base na origem biogenética e nos esqueletos estruturais das substâncias naturais.

 

            Tabela 2. Tabelas 2.1 a 2.33 de substâncias naturais isoladas de plantas brasileiras.

 

Classe

Tabela

Classe

Tabela

Benzoatos

2.1

Isoflavanóides

2.18

Xantonóides

2.2

Flavonóides diméricos

2.19

Cumarinóides

2.3

Neoflavonóides

2.20

Cinamoilderivados

2.4

Diarilheptanóides

2.21

g-Lactonas

2.5

Alcalóides derivados de fenilalamina

2.22

Estilbenóides

2.6

Alcalóides derivados de triptofano

2.23

a-Piranóides

2.7

Alcalóides diméricos

2.24

Lignóides

2.8

Antraquinonóides

2.25

Chalconóides

2.9

Policetídeos

2.26

Flavanonóides

2.10

Naftoquinonas diméricas

2.27

Flavonóides

2.11

Sesquiterpenóides

2.28

Flavanóides

2.12

Diterpenóides

2.29

Virolanóides

2.13

Triterpenóides

2.30

Isoflavonóides

2.14

Quassinóides

2.31

Isoflavanonóides

2.15

Esteróides

2.32

Pterocarpanóides

2.16

Diversos

2.33

Rotenóides

2.17

 

 

 

Nesta publicação eletrônica aparecem como exemplos somente seis das Tabelas 2.1 a 2.33.

A química de produtos naturais como definida atualmente envolve principalmente aspectos biossíntéticos (Esquema 5), estruturais e propriedades de metabólitos secundários de organismos vivos. A investigação em química de produtos naturais adota freqüentemente estratégia envolvendo as etapas descritas sumariamente no Esquema 5.

 

No isolamento e purificação de substâncias naturais e seus derivados e de produtos sintéticos foram usados principalmente métodos cromatográficos e cristalizações.

            Os trabalhos de elucidação estrutural das substâncias orgânicas bioproduzidas pelo metabolismo secundário de organismos vivos, incluindo-se seus derivados obtidos por reações de acetilação, metilação, redução, oxidação e degradação quando necessário, e produzidas através de rotas sintéticas envolveram principalmente a análise de dados fornecidos por espectros na região do ultravioleta-visível (UV-Vis), do infravermelho (IV), de ressonância magnética nuclear de hidrogênio (RMN1H) e de carbono-13 (RMN13C) com capacidade para experiências uni- (1D) e bidimensional (2D) e de massas (EM).


Tabela 2.1. Benzoatos

 

 



 

Tabela 2,3. Cumarinóides

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Tabela 2.12. Flavanóides

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



Tabela 2.23. Alcalóides derivados de triptofano

 

 



Tabela 2.27. Naftoquinonas diméricas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Tabela 2.33. Diversos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


A humanidade precisa continuar explorando racionalmente o repertório químico utilizado pelos organismos vivos, aprendendo, copiando e imitando a natureza das atividades desenvolvidas pelos laboratórios químicos celulares. A aprendizagem do dinamismo químico adotado pelos organismos vivos da flora e da fauna servirá inquestionavelmente para o avanço das nações, além de proporcionar contribuição relevante para a proteção e sobrevivência da vida e para a compreensão e preservação das condições ambientais no planeta Terra. A importância das plantas para curar doenças, conservar a saúde e promover o bem-estar tem reconhecimento universal.

Referências

 

1. a) R. Braz-Filho, 1. Química de Produtos Naturais: Importância, interdisciplinaridade, dificuldades e perspectivas. 2. A peregrinação de um Pacatubano, Química Nova 17, 405 (1994); b) R. Braz-Filho Brazilian phytochemical diversity: bioorganic compounds produced by secondary metabolism as a source of new scientific development, varied industrial applications ant to enhance human health and the quality of life Pure and Appl. Chem. 71, 1663 (1999).

 

2. Revista Isto é, 24 de setembro de 2003.

 

3. P.M. Dewick, Medicinal Natural Products – A Biosynthetic Approach (2nd. Ed.), Wiley (2003).

 

4. G. A. Cordell, Phytochemistry 40, 1585 (1995).

 

5. J. Bradshaw, D. Butina, A. J. Dunn, R. H. Green, M. Hajek, M. M. Jones, J. C. Lindon and P. J. Sidebotton J. Nat. Prod. 64, 1541 (2001).

 

6. Samir A. Kouzi,  Pamali Chatterjee,. John M Pezzuto and  Mark T. Hamann, J. Nat. Prod.  63, 1653 (.2000)