PROGRAMAS DE SELEÇÃO PARA CAPRINOS E OVINOS NO BRASIL
RAIMUNDO
NONATO BRAGA LÔBO
Embrapa Caprinos
Historicamente, diversas raças e
tipos de caprinos e ovinos vêm sendo introduzidos no Brasil com a intenção de
promover o melhoramento da eficiência de produção. Entretanto, a ausência de
ações integradas e o desenvolvimento de políticas sustentáveis não permitiram o
alcance dos objetivos almejados. É necessário o melhor conhecimento sobre os
recursos genéticos disponíveis para a definição dos métodos mais eficientes
para sua conservação e melhoramento. Assim, adequados programas de seleção
devem ser desenvolvidos para o melhoramento genético destas espécies no Brasil.
Os caprinos e ovinos foram
introduzidos no Brasil pelos colonizadores. Naquela época os animais
originavam, principalmente, de grupos genéticos portugueses e espanhóis. Em
épocas mais recentes, vêm sendo introduzidos animais da África, Ásia e Europa.
Os primeiros animais passaram por extremo processo de seleção natural. O
ambiente hostil, principalmente na região Nordeste, com longos e variáveis
períodos secos, contribuiu para o aumento da resistência e o decréscimo no
desempenho produtivo dos animais. Assim, muitas importações vêm ocorrendo na
tentativa de melhorar o desempenho das populações brasileiras. Este processo
originou os grupos genéticos que hoje encontramos no país: exóticos,
naturalizados e mestiços, oriundo dos cruzamentos entre os dois primeiros,
constituído por animais com composição genética conhecida e animais de
composição genética desconhecida, chamadas Sem Raça Definida (SRD).
Os caprinos e ovinos geralmente
são criados em condições extensivas no Brasil, sem um processo de seleção
estruturado. O reduzido desempenho desencadeou o interesse pelos produtores
para a importação de animais exóticos. Normalmente, o uso destes animais em
estado de pureza racial não produz bons resultados, devido a problemas
adaptativos. Desta forma, muitos cruzamentos são realizados indiscriminadamente
pelos produtores. Por outro lado, estes cruzamentos não são conduzidos
adequadamente e os resultados não são satisfatórios como esperados. Os dados
não são registrados e não um efetivo processo de seleção dos animais mais
produtivos e adaptados.
Ainda hoje é comum, alguns
produtores realizarem cruzamentos entre animais exóticos e naturalizados, que
apresentam coloração semelhante, ou cujo produto é um animal com a mesma cor de
um tipo conhecido. Eles acreditam que não estão fazendo cruzamento, pois pensam
que as raças são as mesmas. Como exemplos, existem caprinos mestiços chamados
de Parda Sertaneja ou Gurguéia, oriundos do cruzamento entre Parda Alpina x
Gurguéia; Graúna, oriundos do cruzamento entre Murcia-Granada x Graúna;
Canindé, oriundos do cruzamento entre Alpina Britânica x diversos caprinos de
cor similar; Moxotó leiteiro, oriundos do cruzamento entre Alpina Americana x
Moxotó; e Branca Sertaneja, oriundos do cruzamento entre Alpina Francesa x
qualquer caprino branco. Estas denominações são inapropriadas. Há uma
preocupação exagerada de criar novas raças em vez de procurar produzir
eficientemente. É extremamente necessária a realização de escrituração
zootécnica eficiente, para que se possa usar a informação de maneira adequada.
Enquanto isto não ocorrer, o melhoramento genético de caprinos e ovinos não
terá êxito.
Ainda há uma lacuna entre os
produtores e os pesquisadores no Brasil. O papel dos produtores na tomada de
decisões é importante, mais muitos deles ainda não perceberam isto e continuam
inertes. Por outro lado, o processo de transferência de tecnologia não é tão
eficiente. O desenvolvimento de programas de seleção no Brasil não é fácil. A
grande maioria dos produtores não faz nenhum tipo de anotação da performance
dos seus animais. Dados de pedigree, datas de ocorrências, controle de
desenvolvimento ponderal e controle leiteiro são escassos. Desta forma não é
possível promover o melhoramento genético das populações brasileiras com
seleção genética e avaliações de raças.
Duas empresas públicas tem tido importante
papel no melhoramento genético de caprinos, além das universidades. A Empresa
Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba (EMEPA) tem contribuído com
importações de animais e avaliações de raças. A Embrapa Caprinos possui
destacáveis ações para gerar ferramentas que facilitem a tomada de decisões em
disciplinas como patologia, nutrição, reprodução, geração de produtos, sistemas
de manejo e melhoramento genético.
Em 1980, a Embrapa Caprinos
iniciou o “Programa de Melhoramento Genético de Caprinos”, com o objetivo
principal de caracterizar e preservar raças e tipos naturalizados, como Moxotó,
Canindé, Repartida, Marota, SRD, e raças exóticas como Anglo-nubiana, Bhuj,
Pardo Alemã, Mambrina, Saanen e Toggenburg. Os objetivos somente foram
atingidos parcialmente. Hoje, a Embrapa Caprinos busca maior interação com
criadores e produtores na tentativa de aumentar a eficiência das pesquisas.
Estudos sob condições reais são mais específicos para a realidade dos
produtores, permitem maior aceitação por eles e reduzem os custos da pesquisa.
Há um forte estímulo para que os criadores passem a fazer o registro das
informações.
Apesar de todas as dificuldades,
alguns trabalhos que visam o melhoramento dos ovinos no Brasil têm sido
conduzidos. Em 2001, a ARCO e a Embrapa Pecuária Sul encerraram, em Bagé, o
quinto Teste Centralizado de Ovinos Tipo Carne. Foram avaliados dentro de
raças, animais Texel, Suffolk, Hampshire Down e Ile-de-France. Em 1999
iniciou-se um projeto de avaliações genéticas comparativas, envolvendo Brasil e
Estados Unidos. O projeto de conexão internacional de carneiros envolve
criatórios da raça Suffolk do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, numa
iniciativa da ARCO, United States Sheep Seedstock Aliance (USSSA), United
States Suffolk Association (USSA) e Associação Brasileira de Criadores de
Ovinos Suffolk (ABCOS). O objetivo do projeto era avaliar comparativamente
carneiros norte-americanos no Brasil e nos Estados Unidos pelo desempenho de
suas progênies. A EMEPA tem realizado provas de ganho de peso de ovinos da raça
Santa Inês. A entidade firmou parceria com a Associação Paraibana de Criadores
de Caprinos e Ovinos (APACCO), criando o Programa de Avaliação de Desempenho de
Ovinos Santa Inês. A Associação Sergipana dos Criadores de Caprinos e Ovinos
(ASCCO), com assessoria de alguns professores da Faculdade de Zootecnia e
Engenharia de Alimentos de Pirassununga, Universidade de São Paulo (USP), tem
realizado avaliações genéticas para animais da raça Santa Inês, de um grupo de
produtores do Estado de Sergipe.
As cadeias produtivas para a carne
e pele caprina e ovina são extremamente desorganizadas. Portanto, é necessário
primeiro organizá-la. O mercado tem se apresentado promissor em todas as
pesquisas realizadas, mas nem mesmo o produtor sabe o que deve realmente ser
produzido e menos ainda o que deve ser melhorado.
Nas regiões Nordeste, Centro
Oeste, Sudeste e Norte, existe forte tendência de crescimento de animais destas
espécies, particularmente de ovinos da raça Santa Inês. Nestas regiões, com
algumas exceções, os rebanhos são muitos, porém pequenos, por isso, será
necessário um esforço maior para a integração, e também para que os produtores
comecem a fazer anotações zootécnicas, prática pouco comum nos criatórios
dessas regiões. Por outro lado, as associações terão que assumir sua
responsabilidade e, juntamente com as universidades e órgãos de pesquisa,
realizar as avaliações dos dados colhidos pelos criadores e apresentar os
resultados. Será preciso, também, incentivar a valorização dos animais com
avaliações genéticas, deixando de lado a avaliação visual, tão comum nestas
regiões.
As biotécnicas reprodutivas, como
a inseminação artificial, são pouco utilizadas, e, particularmente para ovinos,
pouco eficientes quando se trata de sêmen congelado. Este fato restringe sua
contribuição para o melhoramento genético, por meio da disseminação do material
superior e melhoria na qualidade das avaliações genéticas, com maior
conectabilidade entre rebanhos.
A estrutura organizacional da
população de caprinos e ovinos no Brasil também é um problema. Não há uma
estrutura piramidal clássica com rebanhos elite, multiplicadores e comerciais.
A passagem do progresso genético dos rebanhos de elite para os rebanhos
comerciais fica estrangulada nos rebanhos multiplicadores. Animais de alto
padrão, independentemente do tipo de avaliação, têm custo muito elevado e
tendem a circular somente entre os criadores de rebanhos de elite. Alguns
programas do governo acabam por agravar esta situação, como ocorre atualmente com
a raça Santa Inês. Os preços dos animais desta raça no Nordeste, devido a
incentivos à criação, chegam a duas vezes e meia os preços do Centro Oeste e a
três vezes os do Sudeste, mesmo para animais sem registro. Carneiros
registrados têm sido vendidos em leilões no Nordeste por valores que jamais
poderão ser cobertos com suas produções. Na verdade todos querem “fazer
genética”, entretanto pouquíssimos direcionam-se para produzir carne. Quem irá
bancar esta “genética”?
É preciso tomar cuidado especial, visando
o progresso real das raças nacionais e a manutenção de seu potencial genético.
Os cruzamentos com raças exóticas, na tentativa de melhorar rapidamente a
produção dos animais, vêm sendo conduzidos sem a devida cautela e de forma
desordenada, o que poderá trazer prejuízos a adaptação, sustentabilidade e
qualidade da pele dos animais. Hoje é o Boer e o Dorper, amanhã serão outras e
mais outras, e na verdade o Brasil não avança com a formação de seu próprio
patrimônio genético.
Assim, é preciso avaliar com
bastante cuidado os projetos governamentais de fomento à criação de caprinos e
ovinos. O simples crescimento do número de criatórios não resolverá a maior
parte dos problemas existentes. Ao contrário, tende a agravá-los.
A entrada de novos criadores no
mercado, vindos de áreas mais afeitas à administração empresarial, pode trazer
benefícios do ponto de vista da adoção de tecnologia, mas também pode
significar a rápida saída de investimentos nesse setor, caso os resultados
econômicos não sejam interessantes. Isto provocaria uma ruptura na frágil
estrutura da caprino-ovinocultura, prejudicando o produtor tradicional.
Quanto ao melhoramento genético de
caprinos e ovinos de corte, é preciso refletir sobre a capacidade de
organização e de integração de criadores, indústria e órgãos de pesquisa. A
julgar por tudo que se conhece até hoje, é necessário maiores esforços para que
os avanços fluam de forma suave e contínua.
O Programa de Melhoramento
Genético de Caprinos e Ovinos de Corte (GENECOC), coordenado pela Embrapa
Caprinos, tem como principal objetivo, dar suporte ao produtor na utilização
dos recursos genéticos à sua disposição, de maneira a otimizar seu sistema de
produção. É um programa não acabado, de forma que vai sendo moldado em conjunto
entre os técnicos do programa e os produtores interessados.
O Genecoc realiza avaliações
genéticas de reprodutores, matrizes e animais jovens, de caprinos e ovinos, de
raças puras e mestiços, para características produtivas e reprodutivas. Assim,
o programa disponibiliza informações para a escolha criteriosa de animais com
adequado desenvolvimento muscular, bom ganho de peso, boa capacidade de
acabamento e adequado tamanho adulto, reduzindo os custos de manutenção, além
de eficiente capacidade reprodutiva e precocidade sexual.
Os dados e informações podem ser
enviados via software básico, criado pela equipe do programa Genecoc, instalado
em computador do produtor associado, via planilha eletrônica de softwares
comercias, ou via formulários próprios, que são preenchidos manualmente na
propriedade e enviados por correio.
Após a chegada dos dados e
informações, estas são submetidas às análises de consistência e de avaliação
genética, realizadas pelos técnicos do programa. Em seguida, são emitidos
relatórios técnicos para os produtores participantes.
Os relatórios apresentam
informações sobre relação de fêmeas não prenhes; número de serviços por
concepção; fertilidade ao parto; prolificidade; previsão de nascimentos;
intervalo de partos; idade à primeira cria; índices de produtividade e
eficiência produtiva de fêmeas; taxa de desmama e quilogramas de crias
desmamadas em relação ao número de fêmeas expostas; taxas de sobrevivência
relativas a cada uma das fases da exploração, isto é, produção, recria e
acabamento; período de gestação; pesos e ganhos de peso.
Após as avaliações genéticas, são
disponibilizados relatórios com as DEP’s para idade à primeira cria, intervalo
de partos, períodos de gestação, perímetro escrotal, prolificidade, peso total
das crias ao desmame, pesos e ganhos de peso relativos às diferentes idades.
Estão disponíveis nestes relatórios, índices que combinarão as DEP’s das
características pré-escolhidas entre os técnicos do programa e o associado.
Além das avaliações genéticas, o
Genecoc é responsável pelo armazenamento dos dados nos computadores da Embrapa
Caprinos, garantindo o sigilo tanto sobre os dados quanto sobre as informações
obtidas, em conformidade com os associados.
As avaliações genéticas de
reprodutores, matrizes e seus produtos são realizadas utilizando as técnicas
estatísticas de modelo misto e modelo animal completo, utilizando a metodologia
BLUP – Melhor Predição Linear Não-Viesada do mérito genético. Os Procedimentos
BLUP incorporam toda informação disponível na predição de uma DEP individual.