AVALIAÇÃO DE PRÁTICAS DE SAÚDE E A INTERDISCIPLINARIDADE NOS SERVIÇOS DE SAÚDE
Raimunda Magalhães da Silva
As avaliações dão ao mundo humano seu relevo.
Basta que não se leve em conta
nem o bom, nem o belo, nem o útil, nem o precioso
etc., para se confinar a uma pretensa objetividade,
e eis que a objetividade carece
precisamente de seu objeto!
(LÉVY,
1994, p. 172)
A avaliação tem uma evolução histórica
crescente no mundo e, principalmente, no contexto social e educacional, bem
como no cenário das grandes empresas.
Somente depois da segunda Guerra
Mundial (1939-1945) surgiu o conceito de avaliação em programas públicos de
saúde. Os economistas foram os
pioneiros no desenvolvimento de métodos para analisar as vantagens e os custos
dos programas públicos (CONTANDRIOPOULOS, et. al, 1997). A avaliação tornou-se necessária e complexa
em vários campos do conhecimento, utilizando-se de diferentes abordagens
teóricas e metodológicas. Tem sido estudada com mais efetividade nas últimas
três décadas, adotando-se a interdisciplinaridade como meio integrador e facilitador de recursos e
estratégias para o alcance de metas
juntos aos serviços, programas e práticas de saúde. Com a criação de
novos conceitos, tecnologias e modelos de avaliação, surgiram associações como American Evaluation Association e Canadian Evaluation Society que
contribuíram para sua organização e implementação em todas as áreas que
necessitam de respostas quanto a validade do planejamento e implementação de
ações, ou seja, verificação e análise da qualidade dos serviços, programas e
práticas.
Guba & Lincoln (1990) apresentaram quatro estágios para realização
de avaliação, os quais foram construídos e estabelecidos em conformidade com o
desenvolvimento conceitual e epistemológico:
-
Baseado na medida, ou seja, o avaliador é essencialmente um
técnico que precisa saber construir e usar instrumentos que permitem medir os
fenômenos estudados;
-
Trata de identificar e descrever como os programas atingem
seus resultados;
-
Permite o julgamento de uma intervenção;
-
Está emergindo. É feita como um processo de negociação entre
os envolvidos na intervenção a ser avaliada.
CONCEITOS DE AVALIAÇÃO
-
“Avaliar consiste fundamentalmente em fazer um julgamento de
valor a respeito de uma intervenção ou sobre qualquer um de seus componentes,
com o objetivo de ajudar na tomada de decisões” (CONTANDRIOPOULOS et. al, 2002,
p. 31)
-
Avaliar é elaborar um juízo de valor, qualitativo ou
quantitativo, sobre uma ação; e avaliação é um processo sistemático de fazer
perguntas sobre o mérito e a relevância de determinado assunto, proposta ou
programa (MINAYO, 2005)
-
Avaliação por triangulação de métodos é uma dinâmica de
investigação e de trabalho que integra a análise das estruturas, dos processos
e dos resultados, a compreensão das relações envolvidas na implementação das
ações e a visão que os atores diferenciados constroem sobre todo o projeto
(MINAYO, 2005).
OBJETIVOS DA AVALIAÇÃO
-
Contribuir para as políticas públicas de saúde no âmbito
nacional, regional e local.
-
Fortalecer as transformações sociais e de saúde, visando a
cidadania plena e respeito aos direitos humanos;
-
Contribuir para o progresso do conhecimento técnico,
científico e tecnológico necessário para a evolução humana e promoção da vida
no planeta;
-
Facilitar a tomada de decisões e melhorar as intervenções no
decorrer do processo de trabalho e na busca de qualidade dos serviços de saúde.
DIMENSÕES DE AVALIAÇÃO
Na visão de Firme (1994) a avaliação passa por dimensões,
como: utilidade, que significa reduzir as incertezas; viabilidade política,
prática e de custo-benefício; ética, quando trata de respeito aos valores dos
interessados; e precisão técnica, no que diz respeito aos investimentos em políticas públicas.
Segundo Hartz e Silva (2005), os
indicadores na avaliação de programas devem considerar a abrangência
multidimensional do fenômeno saúde-doença e das intervenções em saúde como
processos complexos, variáveis e multifacetados.
O processo de avaliação deve ser
contínuo, sistemático, complexo, que responda as necessidades de forma crítica,
construtiva, participativa, exeqüível, e que tenha coerência metodológica. Deverão
participar os envolvidos no processo, como administradores, profissionais,
usuários e avaliadores, bem como convidados externos ao serviço que poderão
estar representados por pessoas da comunidade, avaliadores externos e outros.
Os avaliadores poderão utilizar
vários instrumentos como a entrevista, aplicação de questionários, observações,
grupo focal, revisão de documentos, oficinas, reuniões, dentre outros que
contemplem as variáveis interrogadas na avaliação. Estes deverão ter
experiência e conhecimento sobre o que avaliar em uma instituição, serviço,
programa, prática ou ação. Neste contexto poderão avaliar estrutura (logística, organização e planejamento), processo
(implementação
das ações e funcionalidade), resultados
e impacto (satisfação, qualidade, quantidade e mudanças) (BRUCE, 1990).
EXPERIÊNCIA DE AVALIAÇÃO EM SERVIÇOS DE SAÚDE
Na perspectiva da avaliação da qualidade
da assistência oferecida em planejamento familiar, como uma ação prioritária do
Programa Saúde da Família, realizou-se estudo com o objetivo de identificar sob
o ponto de vista de usuárias e enfermeiros aspectos que determinam a qualidade da
atenção. Tomou-se como referencial teórico a “Estrutura Conceitual de Judith
Bruce: um modelo simples”, o qual orienta para avaliação pautada na estrutura,
processo e resultado. O estudo abrangeu o componente “processo”, que na visão
da mesma autora inclui seis elementos: oferta e livre escolha dos métodos
anticoncepcionais, informação dada ao cliente, relacionamento interpessoal
satisfatório, competência técnica profissional, acompanhamento dos usuários e
uma rede apropriada de serviços.
Sob o ponto de vista das usuárias,
os elementos: oferta e livre escolha dos métodos anticoncepcionais, informação
ao cliente e acompanhamento foram considerados indispensáveis à qualidade do
planejamento familiar. Acrescentaram o elemento “participação masculina” como
significativo para esta qualidade. Para os enfermeiros, o registro das
informações do atendimento e o trabalho em equipe foram considerados relevantes
à qualidade. Destacou-se o potencial de participação ativa das usuárias, no
sentido de subsidiar a transformação da prática que gera o cuidado recebido.
Ademais, confirmou-se que a participação dos diferentes atores no processo de
avaliação revelou uma diversidade de interesses convergentes e divergentes
entre beneficiários e provedores de serviços de saúde.
Outras lições decorrentes do
processo de avaliação são listadas a seguir, como a relevância da
interdisciplinaridade, uma vez que nenhuma disciplina, isoladamente, daria
conta de compreender e/ou explicar um universo tão complexo – o campo da saúde
coletiva; a baixa capacidade técnica, acompanhada de baixa motivação e pouca
compreensão das características de um modelo público integral em saúde. Neste
sentido, Hartz e Silva (2005) corroboram ao afirmarem que há limitado
sentimento de participação na gestão por parte dos técnicos e trabalhadores de
saúde, provavelmente associável ao não desenvolvimento de atividades de
integração da organização em torno de objetivos e estratégias comuns (HARTZ; SILVA,
2005)
REFERÊNCIAS:
1. CONTANDRIOPOULOS,
A. P.; CHAMPAGNE, F.; DENIS, J. L.; PINEAULT, R. Avaliação na área da saúde,
conceitos e métodos. In: HARTZ, Z.M.A. Avaliação em saúde dos modelos
conceituais à prática na análise da implementação de programas. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 1997. p. 29-48.
2. GUBA, E. G.; LINCOLN, Y. S. Effective Evaluation. San
Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1990.
2. HARTZ,
Z.M.A.; SILVA, L.M.V. (Organizadoras) Avaliação em saúde dos modelos teóricos à
prática na avaliação de Programas e Sistemas de Saúde. Salvador: EDUFBA; Rio de
Janeiro: FIOCRUZ, 2005.
3. MINAYO,
M.C.S.; ASSIS, S.G.; SOUZA, E.R. (Organizadoras). Avaliação por triangulação de
métodos. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2005.
4. BRUCE, J. Fundamental elements of the quality of care:
a simple framework. Stud. Fam. Plann., New
York, v. 21, n. 2, p. 61-91, Mar./Apr. 1990.
5. Firme, T.
P. A Avaliação: Tendências e Tendenciosidades. Ensaio: Avaliação de Políticas
Públicas em Educação, Rio de Janeiro, 1994, v.1, n.2, p.5-12, janeiro/março.