NORMA E USO: A INCORPORAÇÃO DE VARIANTES LINGÜÍSTICAS PELA LÍNGUA ESCRITA

 

 

 

Maria Marta Pereira Scherre  (UnB)

scherre@unb.br ou mscherre@terra.com.br

 

Meu objetivo nesta palestra é apresentar dados que evidenciam a incorporação de variantes lingüísticas na língua escrita, independentemente dos registros da tradição gramatical. Mais especificamente, evidencio que as estruturas que entram na língua escrita, especialmente na língua escrita monitorada não acadêmica, são as que não distinguem grupos sociais.  Para desenvolver este raciocínio, apresento resultados de pesquisas lingüísticas a respeito da expressão do imperativo e da concordância em português.

A expressão variável do imperativo é um exemplo contundente de como variantes que não distinguem grupos sociais entram na representação escrita do discurso de personagens urbanos e rurais. Dados variáveis das revistas em quadrinhos da Turma da Mônica de Maurício de Sousa (deixe-me ver onde há umas boas montanhas por aqui! Agora, deixa eu fazer... Leve-me embora, depressa! Me larga! Me solta!... Não fique a favor do vento! Suma!... Não exagera, Mônica!!. Some daqui!) ilustram esta questão. Além disso, análises quantitativas da escrita desta revista das décadas de 70, 80, 90 e 00 revelam mudança significativa no discurso escrito de forma geral.

A concordância variável de numero é outro exemplo contundente. Esta variação não entra na escrita que representa o discurso não-rural. Apenas o discurso rural é caracterizado por concordâncias variáveis, com variante zero de plural, ou seja, com estruturas sem concordância explícita (Oito ano!! Peguei duas veiz! I Isperá otros oito ano? Minha Nossa Sinhora dos pescador disafortunado!! Eu nem querdito nos meus Zóio!! Os cotovelo num pode ficá im cima da mesa! Mas num percisa pegá cum todos os dedo! Agora, pru que nóis num vai proseá lá na sala?). Estas estruturas estão no nível da consciência coletiva e, na maior parte das vezes, são rotuladas de erradas pela comunidade de fala. 

Com estruturas de natureza diferente, a variação da concordância pode ser encontrada também em escrita monitorada de fontes diversas. Neste caso, a possibilidade de concordância fora das previsões normativas está abaixo da consciência e, por esta razão, se fixa nos textos escritos monitorados e revisados, no português brasileiro e no português europeu (O pagamento das despesas (...) destinam-se (...) à pessoa do professor convidado; O salário dos familiares dos parlamentares oscilam entre R$ 1.687 a R 7.503; Em compensação, foi cortado do texto a criação do Projeto Primeiro Emprego Universitário; Mudança no secretariado e possível fico do governador cria novo cenário político em Brasília; A concepção e montagem deste espetáculo mostra uma linguagem mais contemporânea da clássica Arte do Sapateado Americano; Está faltando homens; A UnB e a Petrobrás trabalhando juntos).

Em síntese, a escrita resiste à entrada de variantes lingüísticas que assinalam diferenças, mesmo de natureza apenas quantitativa, na escala social ou na dimensão rural-urbano. Variantes desta natureza, quando entram na escrita, tipificam, por exemplo, o discurso de rural, com traços que se encontram também no discurso urbano, mas sem sua explicitação nas formas escritas. Nossa pesquisa também revela que muitas estruturas, ainda que sistematicamente ensinadas e/ou corrigidas na escola, se incorporam à escrita monitorada porque revelam variação e mudança lingüística abaixo do nível da consciência da comunidade de fala.

 

Referências

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Mattos, Ana. & Wickert, Andréa. A expressão do imperativo na obra de Chico Buarque. Brasília: UnB. jul./dez. de 2000; jul. de 2001; mai. de 2002. Inédito.

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