ARRANJOS PRODUTIVOS: DA PRODUÇÃO AO PORTO DE PECÉM-CEARÁ

 

Luiz Cruz Lima (geógrafo)

l.cruzlima@uol.com.br

 

Na atual fase do regime de acumulação capitalista, o desemprego com suas mazelas tem sido o ícone marcante em todas as sociedades modernas. Este fato tem sido compreendido, pelos estudiosos, como decorrente das fortes transformações do conjunto de gestão de negócios, dos processos produtivos inovados por ondas, cada vez mais fortes,  de transformação dos conhecimentos técnico-científico-informacionais inseridos nos diferentes setores da economia. Novas máquinas, novos modos de gerenciamento, impondo necessidades de formação e de competência, exigem requalificação dos quadros operacionais e gerenciais na indústria, no comércio, nos serviços e na produção agrícola. Essa nova revolução industrial, a Terceira, implicou em desemprego, a partir dos anos 70 do século XX. Os especialistas têm chamado de desemprego estrutural. Nos países desenvolvidos, a inclusão social ou recolocação dos desempregados tem sido feito com maior amplitude, dadas as condições favoráveis de requalificação dos trabalhadores. Nas sociedades do Terceiro Mundo, não se dá o mesmo. O mais que encontramos são “ilhas”, cidades ou pequenas regiões, em que se alocam atividades modernas, geralmente muito dependentes das relações com grandes empresas ou com negócios em outros países. Esses são os “pólos tecnológicos”, motivo de muitas reflexões teóricas e pragmáticas, que emergiram em centros acadêmicos, onde se mantém um clima de inovações agregadas a produtos industriais ou de serviços, em sua maioria. No Brasil, encontramos exemplos como o de Santa Rita de Sapucaí (MG), Campina Grande (Pb), São Carlos e Campinas (SP), entre outros. Utilizando ciência e técnica avançadas, a agricultura de alta rentabilidade e empresarial entra nos mais diferentes ambientes ecológicos, produzindo para os grandes mercados americano e europeu. No amplo quadro do território dos países que não participaram das grandes revoluções técnico-científicas, mantém-se uma estrutura ultrapassada capaz, apenas, de absorver atividades de mão-de-obra intensiva, remunerada com baixos salários. Essa realidade reproduz o quadro de pobreza e miséria. As ações governamentais, direta ou indiretamente, tendem a estimular a ruptura desse círculo de extrema pobreza. Para tanto, via planejamento ou programas e projetos, o poder público entra na forma mais elementar de criar ocupações, inicialmente, utilizando-se de mecanismos como a “guerra fiscal”. Assim, absorve atividades das cadeias produtivas ávidas em multiplicar seu ganho de mais-valia e se beneficiar de isenções fiscais. Com o fim de elevar mais a capacidade de atração de investimentos, recursos públicos introduzem componentes técnicos infra-estruturais no espaço geográfico (eletrificação, saneamento, vias de comunicação, recursos hídricos, meios de transporte etc.). A capacitação dos trabalhadores se faz muito lentamente, de acordo com a demanda das empresas, muitas das quais importam seus melhores quadros de centros urbanos distantes. Como o sistema capitalista funciona integrado em sua totalidade, os grandes mercados de consumo demandam produtos de qualidade elevada e de menor custo. Para atender essas condições, as empresas escolhem os recantos mais adequados a essa contabilidade da produção, dentro dos padrões ambientais favoráveis. Para conectar produção e consumo, entra a logística dos transportes. Dentro dessa virtualidade, atraem mais investimento os lugares com mais infra-estrutura favorável aos fluxos. No bojo desse esquema de intercâmbio, estão os portos. A estes se vinculam as conexões entre lugares, países e continentes. Diríamos que são nós de uma rede mundial de negócios. Para funcionamento de um porto, na atualidade, muitos componentes são necessários: instrumentação adequada às frotas de navegação moderna, legislação atualizada, controle alfandegário, ligação à adequada malha de transporte terrestre, territórios com produção em massa, contínua e competitiva, além de operacionalidade em tempo rápido. Atendendo particularidades desses e de outros componentes estruturais, o complexo portuário estará adequado ao movimento exigido pelo mundo do século XXI. Assim, ele amplia sua hinterlândia, ou seja, seu território de influência, interna e externamente.. É nessa hinterlândia que se dará a maior ou menor dinâmica da produção,  a ser exposta para o mundo. No caso específico do Estado do Ceará, desde a década passada o poder público, com apoio do governo federal e de agências internacionais, vem implantando grandes obras de impacto, no mesmo intuito de outros tantos lugares e países do mundo que acataram as  determinações do novo regime de acumulação. Dentro desse conjunto, em meado dos anos 90, foi planejado o Complexo Industrial Portuário de Pecém, na parte litorânea ocidental da Região Metropolitana de Fortaleza. Conforme o desejado, ali ficaria um porto moderno, agregado a uma grande área, adredemente preparada para receber variados tipos de indústrias, tendo como âncoras uma siderúrgica e uma refinaria, de onde brotariam dois complexos industriais, um siderúrgico e um petroquímico. Dez anos passados, ainda não se implantaram essas indústrias de base, mas se instalaram todas as condições favoráveis ao grande distrito industrial. O porto, inaugurado nos primeiros anos deste século, por falta ainda das duas grandes indústrias, ele vem atendendo a elevada demanda de cargas de grutas frescas, exportadas em contêineres. Em recente relatório, o IDS (International Development System Inc.da NIPPON KOEL Co., Ltd., junho de 2005), mostra que “o conteúdo dos contêineres para exportação são produtos agrícolas (66%),produtos da indústria leve (18%), e outros produtos industrializados (15%). 70% dos produtos agrícolas são frutas frescas” (p.R-11). Nesse mesmo documento, explicita-se que “são reconhecidos como principais objetivos do desenvolvimento do porto do Pecém: 1.Servir as indústrias a serem instaladas na zona industrial do CIPP, tais como a siderúrgica e refinaria e usinas petroquímicas as quais importarão matéria-prima e produtos intermediários e exportará produtos finais; 2. Servir a agroindústria da hinterlândia do porto do Pecém, exportando seus produtos, principalmente frutas frescas, castanha de caju etc.;  3. Servir a indústria manufatureira da hinterlândia do porto do Pecém, importando matérias-primas ou produtos intermediários e exportando produtos finais, principalmente produtos metalo-metalúrgicos, produtos de indústria leve, tais como têxteis, calçados etc.; 4. Servir os moradores da hinterlândia do porto do Pecém, importando bens de consumo através do porto; 5. Funcionar como centro logístico de transporte intermodal conectando o mar e a terra, manipulando vários produtos tais como produtos petrolíferos e siderúrgicos; 6. funcionar como portal da rede de transportes terrestres internos da região nordeste, inclusive do cerrado e 7. Funcionar como porto-hub local para o transbordo de contêineres.” O Projeto inicial do CIPP não previa que o Porto viesse a atender a demanda da agroindústria do Ceará e Pernambuco, exportando produtos de seus perímetros irrigados, como também atender o público em geral, (objetivo 4) O atendimento ao cerrado relaciona-se com a exportação de soja, fato novo, em face das dificuldades, recentemente discernidas, para exportar a grande produção de soja, havendo, assim, necessidade de “cooperação entre os portos, dividindo entre eles a carga para poderem responder à exportação dos produtos agrícolas da região do cerrado.” (IDS, p. R-13). Em recente trabalho defendido por Francisca Gonçalves Batista, no Mestrado Acadêmico em Geografia da Universidade Estadual do Ceará, por nós orientado  (“Reestruturação socioespacial do Ceará: análise do Projeto do Porto do Pecém”, 2005), a autora relembra a origem e o objetivo básico desse Projeto: “O desejo político de se construir um Distrito Industrial, agregado a uma zona portuária, como viabilizador de atração de empresas para o desenvolvimento do Estado do Ceará, se alocava nos planos de governo de Virgilio Távora (1963/1966), que retoma um projeto idealizado na Assembléia Legislativa, por iniciativa do então deputado Mariano Martins do extinto PSD, em 1955. Iniciativas importantes nesse sentido foram concretizadas por esse líder político, como a expansão da rede hidrelétrica de Paulo Afonso até Fortaleza. Como político ligado também aos grupos industriais, por certo, seu projeto fora absorvido pelos novos governantes dos anos 90.” Todos que leram ou ouviram as declarações dos gestores que conquistaram o poder na segunda metade da década de 1980, bem sabem da influência de Virgílio Távora para os jovens empresários do Centro Industrial do Ceará. Distrito industrial era o carro-chefe dos planejadores dos anos desse governo. O porto, no entanto, desde o século XIX, com a famosa decisão de D. João VI no Brasil, vem contribuindo para abrir perspectiva para o país se ligar ao mundo. É necessário, no entanto, entender que antes dos ancoradouros de embarcações, era imprescindível a produção na terra. A inauguração da “São Paulo Railway” para transportar a grande produção de café precedeu a Lei de 1869 que concedia à iniciativa privada a construção de portos no Brasil. Evidente que maiores facilidades para escoar a produção darão estímulo a novos investimentos. O porto é um conector entre dois canais: a dinâmica das atividades em terra e os grandes mercados. Quanto mais esse conector esteja orientado para os dois canais, em termo de espaço-tempo, mais rápido e seguro seu sucesso, marcado pela preferência de seus usuários. Posição estratégica com relação a rotas dos navios, situação favorável às grandes embarcações e enquadramento da malha viária à sua localização no território são demarcações básicas das exigências espaciais de um porto competitivo. Isso não basta. O tempo é a moeda forte dos negócios. Aqui se fala do tempo dos fluxos. Para atender essa exigência muitos requisitos entram na pauta das instalações e dos serviços portuários: base operacional para reduzir o tempo de estadia das embarcações, sistema de comunicação extremamente eficiente, diligência eficaz com toda o sistema de produção e de transporte terrestre e marítimo englobam alguns pontos fundamentais do tempo de fluidez. Essas observações situam-se nas análises econômicas, como vantagens comparativas e competitivas, fatores de atração dos investimentos nas diversas áreas da produção em massa. Vantagens competitivas muito decorrem da inovação tecnológica e organizacional. Enquanto as vantagens comparativas sobressaem a partir do momento em que o Pecém oferece redução nas taxas para movimentação de mercadorias, rapidez da liberação das mercadorias com a utilização de modernos equipamentos de carga e descarga (guindastes elétricos, esteira, rebocadores). Essas condições estão presentes no Porto de Pecém, confirmadas por Batista (2005):   “O Terminal Portuário do Pecém encontra-se em posição estratégica, possibilitando a conquista de novos mercados, pois está a poucos dias da Europa e Estados Unidos. Esta vantagem permite que o Terminal seja inserido em diversas rotas internacionais. Uma delas possibilita que os navios perfaçam em 06 (seis) dias do terminal cearense até Filadélfia, nos Estados Unidos.  No ano de 2004, atracaram no Pecém 259 embarcações, sendo 224 navios do tipo porta-contêiner, 20 navios de carga geral e 15 de granel líquido. De acordo com a Cearáportos   ( http: //www.cearaportos.ce.gov.br), 73% dos navios que atracaram no Pecém foram de grande porte, com calado superior a 10 metros. Esses representaram 81% de toda a movimentação de carga do período.

Para o movimento exportador em termos de carga, no ano de 2004 (Informativo Cearáportos. Dez/2004-jan/2005. Ano V nº 22. Impresso) contribuíram os produtos siderúrgicos acabados (vergalhão, tarugo, cantoneira, etc), seguidos pelas frutas “in natura”, com destaque para a banana (54.229 ton), o melão (47.928 ton) e a manga (43.401 ton), além da castanha de caju (33.432 ton), sendo um dos principais itens de exportação do Estado. Quanto às importações, destacam-se os produtos siderúrgicos acabados, bobinas de aço (101.085 ton); as chapas de aço e fios máquina (21.544 ton) e o algodão (30.544 ton).

Com isso, percebe-se que o Porto do Pecém está bem estruturado, por apresentar um sistema rodoferroviário de forma estratégica, interligando os territórios produtivos.” Contudo, sua vida e sua dinâmica depende do grau de desempenho da produção de sua hinterlândia interna, vinculada à hinterlândia externa (grandes mercados). Evidente que à medida que esse equipamento equacione a fluidez, eleva-se a dinâmica interna, propiciando um maior volume de investimento local e maior absorção da força-de-trabalho, cuja capacidade dependerá das ações governamentais em implementar um forte programa de qualificação, de educação, a fim de que a população local sai da margem do processo e participe efetivamente para o desenvolvimento desejado.