A DINÂMICA
POPULACIONAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE NATAL
LARA DE MELO BARBOSA[1]
MARLA FRANÇA[2]
Ao longo dos últimos anos tem-se verificado uma
significativa concentração populacional nas metrópoles brasileiras, com
importantes implicações demográficas e socioeconômicas, sem que haja uma
política metropolitana, que busque suprir as carências urbanas, reduzir as
desigualdades sociais e atenuar a segregação residencial, fenômenos esses que
acompanham o processo de aglutinação populacional nas metrópoles. De acordo com
um estudo sobre a Rede Urbana Brasileira (Baeninger & Gonçalves, 2000 apud IPEA/NESUR/IBGE, 1999), no Brasil,
há 13 metrópoles e outras 37 aglomerações urbanas não-metropolitanas. Esse
conjunto metropolitano, atualmente, é composto por 453 municípios que
concentram mais de 70 milhões de pessoas, respondendo, portanto, pela
significativa parcela, aproximadamente, 40% do total da população nacional.
Desde os anos 70, no conjunto dos movimentos populacionais,
os dados revelam a predominância dos deslocamentos populacionais
intrametropolitanos (Brito, 1996; Baeninger, 2003) e os anos 90 configuram-se
como o de consolidação do processo de modificações no padrão de urbanização
brasileiro, passando, segundo Baeninger (1998), “as regiões metropolitanas, em especial suas sedes, perderem posições no
ranking das taxas de crescimento do país”. Esse movimento
intrametropolitano revela que todas as principais sedes das Regiões
Metropolitanas brasileiras perderam significativos efetivos populacionais, em
prol dos outros municípios que as compõem. Tal fato redefiniu os papéis das
áreas metropolitanas e delineou novas características e especificidades para as
mesmas. Nesse sentido, a “expulsão” do excedente populacional dos municípios
sedes para as periferias, ou seja, para os demais municípios das regiões
metropolitanas, confere a essa ocupação uma especificidade que as diferenciam e
que diz respeito a um processo de segregação residencial, uma vez que a
ocupação desses novos espaços tem uma função eminentemente residencial, com os
municípios receptores assumindo características de municípios dormitórios.
Ribeiro (2003) atribui que o aumento da segregação
residencial origina-se dos impactos da globalização e três são os fenômenos
apontados como principais causas desse fenômeno. O primeiro, segundo o autor,
ocorreu em vários países e se refere à liberalização do mercado de terras e da
moradia. Como conseqüência de tal fato, os preços dos imóveis tornaram-se
indiscutivelmente um dos principais fatores para desigualdade de renda na
organização do espaço urbano. Um segundo fator, apontado pelo autor, diz respeito
à privatização dos serviços urbanos, fato que ocasiona uma desigualdade mais
acentuada no acesso aos serviços urbanos, no sentido de que a camada mais
abastada da população é provida por uma oferta de serviços com qualidade,
enquanto que para as populações socialmente menos privilegiadas há escassez de
oferta de serviços, além dos mesmos mostrarem-se, muitas vezes, condições
adversas. Um último fator, apontado pelo autor, como causa da segregação
residencial, reside no fato de que a globalização ocasiona mudanças estruturais
nas transformações da base produtiva das cidades.
Ribeiro (2003) prossegue afirmando que a tendência à
segregação residencial também é reforçada por um outro aspecto, que é o
surgimento de novos segmentos populacionais mais exclusivistas e que temem cada
vez mais as questões da violência urbana. Esses novos segmentos buscam cada vez
mais novas localizações exclusivas na cidade, os denominados “condomínios
fechados”, ocasionando um deslocamento das classes sociais consideradas
medianas socioeconomicamente para outros bairros, diminuindo ainda mais o grau
de mixagem social.
Tendo em consideração a recente concentração populacional no
espaço metropolitano brasileiro, o volume e a composição desse contingente
populacional vivendo nas metrópoles, faz-se necessário investigar a
concentração sociodemográfica nesse espaço, buscando, assim, identificar as
demandas prioritárias da sociedade e estabelecer a forma de melhor atendê-las,
de modo a combater a exclusão social e, por conseqüência, contrapor-se ao
processo de segregação residencial. Isso porque as metrópoles brasileiras
concentram a questão social, uma vez que muitos dos que vivem nessas áreas são
aqueles que vivem múltiplos processos de exclusão social não tendo, por
exemplo, acesso de qualidade aos serviços básicos de saúde, educação,
transporte, lazer e de infra-estrutura.
Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo
analisar as tendências do processo de redistribuição espacial da população
brasileira em âmbito metropolitano, aprofundando análises sobre os processos de
crescimento das populações residentes na
Região Metropolitana de Natal.
As
principais Regiões Metropolitanas do Brasil
Um dos mais expressivos processos de mudanças estruturais da
população brasileira é a transformação do padrão demográfico nacional,
consubstanciado em um declínio intenso das taxas de mortalidade desde os anos
40 e uma posterior redução das taxas de fecundidade, tendo este último processo
iniciado nos anos 70. Essas alterações não somente atenuaram a altas taxas de
crescimento populacional, mas, também, trouxeram importantes desestabilizações
na estrutura etária brasileira. As evidências empíricas mostram, entretanto,
que o processo de redução da fecundidade não se iniciou no mesmo momento entre
os diferentes espaços territoriais brasileiros, assim como não o foi entre os
estratos sociais e não ocorreu com a mesma intensidade em todas as regiões e
classes sociais. Dessa forma, as trajetórias da evolução quantitativa da
população, assim como a sua composição por grupos de idades, entre os distintos
espaços territoriais e grupos sociais assumiram facetas com características
específicas que contribuirão para a diferenciação espacial e temporal no ritmo
evolutivo e nas tendências das populações metropolitanas e dos grupos sociais
que as compõem.
Na Tabela 1 são mostradas as taxas de crescimento
populacional das Regiões Metropolitanas[3]
tanto em termos das capitais estaduais, como dos municípios periféricos que as constituem.
Constata-se que desde os anos 80, as Regiões Metropolitanas sofreram uma
redução significativa em termos de crescimento demográfico, redução essa, em
grande parte, derivada do arrefecimento da intensidade migratória para essas
áreas, bem como, em razão da redução dos níveis de fecundidade. De fato, entre
1991 e 2000, as taxas de fecundidade total declinaram em todas as áreas
consideradas, ainda que em ritmos diferenciados, como mostram os dados da
Tabela 1.
Tabela 1 –
Regiões Metropolitanas Brasileiras: População residente, taxa média de
crescimento anual (%) e Taxa de Fecundidade Total (TFT)
Fonte dos dados básicos: FIBGE, Censos Demográficos 1980, 1991, 2000 e
PNUD (2003)
Em que pese a constatação da
atenuação das taxas médias de crescimento populacional anual, deve-se observar
que, em alguns estados, ainda foi elevado o crescimento no período analisado,
tais como ocorre nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, de Curitiba e
Fortaleza, assim como no Entorno do Distrito Federal. (Tabela 1).
Há que se considerar ainda o crescimento diferenciado dos
municípios centrais, no caso as capitais de cada um dos Estados considerados,
em relação aos demais municípios que compõem as Regiões Metropolitanas. Nesse
sentido, em linhas gerais, observou-se um intenso crescimento das áreas
periféricas e um crescimento mais modesto nos municípios sedes (capitais). Vale
a pena destacar os resultados da região de São Paulo, enquanto que São Paulo
(capital) apresenta taxa muito baixa 0,89 ao ano, entre 1991 e 2000; os
municípios da periferia apresentam taxas superiores a 2,8%. Tomando-se a Região
Metropolitana como um todo, com uma taxa média de 1,67% ao ano. Essa tendência
também pode ser observada em outras regiões Metropolitanas.
O caso da
Região Metropolitana de Natal
O processo de formalização das
Regiões Metropolitanas brasileiras iniciou-se em 1973, quando foram instituídas
as primeiras oito regiões (São Paulo - SP, Belém - PA, Fortaleza - CE, Belo
Horizonte - MG, Porto Alegre - RS, Curitiba - PR, Recife – PE e Salvador - BA).
Em 1997, foi instituída a Região Metropolitana de Natal-RN.
Atualmente, a Região Metropolitana de Natal, com seus 8 municípios, mostrados
no Mapa 1, constitui uma das mais importantes aglomerações urbanas do Nordeste.
Seus 2.522,9 km2 de área abrigavam, de acordo com os resultados do
Censo Demográfico de 1991, quase 1 milhão de habitantes (868.293 habitantes), e
de acordo com os resultados do Censo Demográfico de 2000 o contingente
populacional da Região Metropolitana de Natal já crescera para 1,1 milhão
habitantes (1.097.273 habitantes), sendo que Natal, a capital do Estado do Rio
Grande do Norte, congregava, aproximadamente, 68,2% da população da Região
Metropolitana e 25% do total populacional estadual. Ainda assim, mesmo sendo
tão expressiva a aglomeração populacional em Natal, ela é menor do que aquela
ocorrida em 1980, quando a participação da capital, em relação ao total da
Região Metropolitana, era da ordem de 75%.
Observa-se, conforme dados apresentados na Tabela 2, que o
ritmo de crescimento da população residente na Região Metropolitana de Natal,
em seu conjunto, vem perdendo intensidade, ao longo das últimas décadas. No
período 1980-1991, a taxa de crescimento foi de 3,72% ao ano, passando, na
década seguinte, para um crescimento médio anual da ordem de 2,69%. Visto em
relação à Região Metropolitana como um todo, Natal apresentou uma redução ainda
mais significativa, porquanto a taxa de crescimento populacional de 3,53% ao
ano entre 1981-1991, declinou para 1,83% ao ano, entre os anos de 1991 e 2000.
Essa significativa redução no crescimento populacional da Região Metropolitana
pode se dever, em parte, à ampla redução do crescimento demográfico de Natal e
em ambas as áreas ao acentuado declínio dos níveis da fecundidade.
Em Natal, em 1991, a Taxa de Fecundidade Total, fator
determinante da taxa de crescimento populacional, era de 2,44 filhos por
mulher, passando, em 2000, para 1,99 filhos, ou seja, uma redução superior a
18% em apenas 9 anos, uma redução expressiva principalmente quando se tem em
conta o já relativamente baixo nível da fecundidade vigente nos anos 80 .
Vale destacar que a observada retração na taxa de
crescimento populacional metropolitana e em Natal não foi constatada em todos
os municípios que compõem a região Metropolitana de Natal. Assim, Nízia
Floresta e São Gonçalo do Amarante continuaram a crescer, chegando no período
entre 1980-1991 e 1991-2000 a taxas de 3,60% ao ano e 4,91% ao ano,
respectivamente. O fato de que as taxas de fecundidade vigentes nesses
municípios declinaram de forma expressiva - 31% em Nízia Floresta e 13% em São
Gonçalo do Amarante, no período 1991-2000, apontam que o processo de
crescimento populacional observado esteve fortemente associado aos fluxos
migratórios líquidos que aportaram nos municípios no intervalo intercensitário.
Não se pode também descartar a possibilidade de contribuições advindas de uma
possível estrutura etária feminina redutora do impacto da queda da fecundidade,
na qual um expressivo contingente feminino em idade reprodutiva contrabalança a redução da fecundidade.
Também poderia contribuir para a variação na taxa de crescimento demográfico
desses municípios, tanto positiva quanto negativamente, um possível diferencial
de níveis de fecundidade entre a população imigrante e a nativa. De maneira
similar é importante considerar a evidencia de que, para alguns outros
municípios, ainda que decrescente a taxa de fecundidade, pode-se constatar
elevados patamares de crescimento demográfico, como é o caso do município de
Parnamirim, cuja população cresceu a uma taxa média anual de 7,97%, sinalizando
um possível intenso movimento migratório intercensitário direcionado ao
município.
Tabela 2 – Região Metropolitana de
Natal: População residente, taxa média de crescimento anual (%) e Taxa de
Fecundidade Total (TFT)
Fonte
dos dados básicos: FIBGE, Censos Demográficos 1980, 1991, 2000 e PNUD (2003)
Certamente o movimento imigratório
contribui de forma muito significativa para o crescimento da população da
Região Metropolitana de Natal: as movimentações de população do interior do
Estado e de fora do Estado em direção à Região Metropolitana (93.074
imigrantes) corresponderam a 40,6% do seu crescimento populacional observado
entre 1991 e 2000 (228.980 pessoas)[4].
Estes movimentos imigratórios são os principais contribuintes para o incremento
populacional observado nos municípios metropolitanos de Natal (93,1%), São José
do Mipibu (67,7%), Ceará-Mirim (65,9%), Macaíba (62,1%) e Nísia Floresta
(56,6%). São Gonçalo do Amarante, Extremoz e Parnamirim deveram as maiores
frações de seus incrementos demográficos às migrações intrametropolitanas. O
mais expressivo crescimento em função da imigração intrametropolitana é o de
Parnamirim que obteve um ganho populacional de 20.443 pessoas entre 1991 e
2000, enquanto que em Natal não passou de 7.824 imigrantes no mesmo período,
como mostram os dados da Tabela 3. É amplo este contraste entre Parnamirim e Natal, que recebeu um
contingente populacional significativo de
58.105 imigrantes vindos de outros Estados, e mais ainda a de Natal com o seu entorno, cuja capacidade de
absorção é menor, recebendo 34.969 imigrantes. Nesse sentido, se de um lado
pode-se deduzir que Natal deixou de ser uma região de atração para os
imigrantes intrametropolitanos, ainda assim é o destino primaz da migração intra e interestadual.
Vale destacar que quando se toma
em conta a contribuição da imigração para o crescimento populacional,
Parnamirim e Extremoz são os municípios que mais se beneficiam com a imigração
para o seu crescimento. Assim, enquanto em Extremoz cerca de 35% do crescimento
se deve à imigração intrametropolitana e 26,2% se deve à imigração intra e
interestadual, em Parnamirim estes percentuais são de 30,0 e 33,3%,
respectivamente.
Tabela 3 – Região Metropolitana
de Natal: Imigrantes intra e interestadual
e intrametropolitano, total de imigrantes e participação da imigração no
crescimento da população entre 1991 e 2000.
Fonte dos dados: Caderno Temático. Região Metropolitana de Natal, 2005
Tendo em consideração tais resultados, pode-se concluir que
nas últimas décadas houve um considerável crescimento nas zonas periféricas da Região
Metropolitana de Natal com expansão urbana principalmente em direção a
Parnamirim, Nísia Floresta, São Gonçalo do Amarante e Extremoz. Vários autores
reconhecem como vetor de expansão os lançamentos imobiliários que
experimentaram um importante incremento na década de 90, sintetizado por Nobre
(2001), ao afirmar que “a cidade começava
a se expandir em direção ao município vizinho, Parnamirim”.
Desta forma, percebe-se um fortalecimento do processo de
conurbação urbana que tem como uma das principais causa a busca por opções
residenciais fora da capital - porém próximas em termos espaciais e
socioeconômicos – em áreas contíguas aos bairros cuja especulação gerada pelo
aumento do valor da terra inviabilizou a moradia dos grupos sociais incapazes
de resistir à valorização imobiliária. Assim, famílias de determinados estratos
sociais, por exemplo, que anteriormente se localizavam em Igapó ou ali
escolheriam residir, optaram por morar em São Gonçalo do Amarante tanto pela
localização próxima a Igapó quanto pelo menor preço dos lotes. O mesmo
raciocínio pode ser conferido ao caso de Parnamirim, considerada uma opção mais
acessível para quem gostaria de morar na zona sul de Natal.
Considerações
finais
Os
resultados do Censo Demográfico de 2000 apontam para a continuidade da
tendência de arrefecimento do ritmo de crescimento das metrópoles brasileiras,
especialmente das Região Metropolitanas do Rio de Janeiro (0,97% ao ano), São
Paulo (1,67% ao ano), Porto Alegre (1,76% ao ano) e Salvador (1,78%)
Por
outro lado, os anos 90 consolidaram um marcante processo de periferização da
população residente nas metrópoles, com os centros das metrópoles registrando
taxas de crescimento de suas populações inferiores a 1% ao ano, como são os
casos das capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre,
Belém e Recife permanecendo a tendência de taxas superiores nas periferias
metropolitanas.
A
análise da redistribuição populacional da Região Metropolitana de Natal mostra
a ocorrência do mesmo conjunto de evidências que ocorrem nas demais Regiões
Metropolitanas brasileiras. Destaca-se a redução do crescimento da Região
Metropolitana de Natal, como um todo, que reduziu de 3,72% ao ano, entre 1980 e
1991, para 2,18%, nos anos 90. Por outro lado, identifica-se que ainda que seja
decrescente a taxa de fecundidade, pode-se constatar elevadas cifras de
crescimento em alguns municípios periféricos da Região Metropolitana de Natal
entre 1991 e 2000, como são os casos de Parnamirim (7,97% ao ano), São Gonçalo
do Amarante (4,91%) e Nízia Floresta (3,60%). Tais fatos demonstram o vigor dos
processos de movimentação populacional, em especial os movimentos internos de
redistribuição espacial das populações estaduais, em particular os
deslocamentos intrametropolitanos que partem dos núcleos para as periferias das
regiões metropolitanas.
Referências
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[1] Docente pesquisadora do Departamento de Estatística da UFRN e Coordenadora da Casa de População do Rio Grande do Norte.
[2] Bolsista da Casa de População do Rio Grande do Norte.
[3] Considerou-se, para fins de análise, as Regiões Metropolitanas elencadas no estudo “Caracterização e Tendências da Rede Urbana no Brasil” (IPEA/NESUR/IBGE, 1998)
[4] Consideramos apenas a imigração e não o saldo migratório, o que significa dizer que a análise realizada superestima o impacto da imigração sobre o crescimento populacional, pois não é considerado o movimento de emigração.