REESTRUTURAÇÃO ESPACIAL NO CEARÁ

 

Jair do Amaral Filho

Professor da Universidade Federal do Ceará-UFC

 

 

A abertura das economias e a globalização promoveram uma ruptura nos padrões de competitividade que vigoravam no mundo das empresas e das regiões.  Tal ruptura foi acompanhada por reestruturação produtivas organizacionais orientada por novas estratégias empresariais.  O choque nos preços relativos e a necessidade de recomposição de custos e de competitividade das empresas fizeram com que estas recorressem a dois recursos: inovações tecnológicas e migração de investimentos.  Essas mudanças repercutiram diretamente na vida das regiões, tornando-se mais vulneráveis porém mais ativas no esforço próprio de preservação e busca do desenvolvimento local. 

 

Os estados brasileiros não ficaram fora dessas influências, daí resultando uma grande disputa interestadual alimentada muitas vezes por concessões de incentivos fiscal-financeiro, orientadas por diretrizes de desenvolvimento interno.  Este quadro mostra que uma característica marcante no processo recente de desenvolvimento econômico brasileiro é que parte da política federal de desenvolvimento produtivo regional deslocou-se para os estados da federação.  O governo estadual passou a ter um papel mais importante em seu processo interno de desenvolvimento, seja atraindo ou retendo investimentos ou apoiando e induzindo atividades econômicas, em especial no segmento da indústria de transformação.  As estratégias estaduais que emergiram nessa fase são diversas, e variaram em função da capacidade de percepção das elites e formuladores de políticas públicas locais, em relação à complexidade dos problemas e desafios.

 

Nos últimos quinze anos o governo do Ceará tem perseguido uma estratégia determinada pela necessidade de deslocar o eixo dinâmico da economia, antes concentrado no setor agropecuário e serviços, para os setores da indústria e dos serviços mais sofisticados em agregação de valor.  Não se trata de uma estratégia na qual tenha se demitido o setor agropecuário do processo de desenvolvimento estadual, mas de uma estratégia que procura, ao mesmo tempo, substituir a força desse setor, que entrou em crise, e criar alternativas econômicas dentro do mesmo.  A execução dessa estratégia tem sido possível graças à uma base industrial local já existente (têxtil, confecções, metal-mecânica e alimentos) em combinação com lideranças políticas e empresariais locais.

 

Trata-se portanto de uma estratégia que exigiu, e vem exigindo, um esforço no sentido de construir uma infra-estrutura necessária ao novo processo de desenvolvimento assim como a criação de estímulos à aceleração dos investimentos industriais.  Como se sabe, isto foi precedido de uma ampla reforma do Estado e de um profundo ajuste das contas públicas que possibilitaram a liberação de uma poupança pública que permitiu retomar os investimentos e atrair parcerias de instituições multilaterais internacionais, como o Banco Mundial-BIRD e Banco Interamericano-BID.  Ao mesmo tempo que a continuidade desse esforço enfrenta as dificuldades institucionais e conjunturais nacionais conhecidas ele também vem aproveitando as janelas de oportunidades criadas pelos impactos causados pela abertura econômica e pela globalização sobre a geografia econômica da matriz insumo-produto nacional.  É oportuno lembrar que um dos principais impactos verificados pela globalização é o aumento da mobilidade do capital em níveis nacional e internacional, à procura de regiões criadoras de competitividade, fato que justifica a presença de políticas explícitas que procurem o fortalecimento das estruturas das regiões vulneráveis.

 

Sabe-se que o Ceará oferece um quadro preocupante em matéria de desigualdades social e setorial, que repercute diretamente nas desigualdades entre a capital e o interior, em grande desvantagem para este último.  Essa desvantagem ficou evidente desde que o complexo gado-algodão-cultura de subsistência, há muito carro chefe da economia semi-árida cearense, entrou em colapso em meados da década de 1980.  Com isso, não só a renda foi drasticamente diminuída como também a vida comercial urbana das cidades médias do interior foram reduzidas e perderam dinamismo, aumentando a concentração na Região Metropolitana. A agricultura participa, hoje, com apenas 6% do Produto Interno Bruto-PIB e retém 40% da População Economicamente Ativa-PEA, ao mesmo tempo que a indústria gera 38% do PIB e absorve 14% da PEA.  Dado que a indústria está fortemente concentrada na Região Metropolitana de Fortaleza-RMF, esta região exibe uma Renda Média Mensal de cerca de R$ 260,00 enquanto o Interior registra R$ 115.  Se compararmos os meios rural e urbano vamos observar uma Renda Média Mensal de R$ 74 para o primeiro e R$ 162 para o segundo. 

 

Diante desse quadro o governo estadual vem propondo ações que permitam uma reestruturação espacial no estado, de tal forma que possibilitem um reequilíbrio de forças entre as regiões, especialmente entre a Região Metropolitana de Fortaleza-RMF e o interior.  Um passo importante nessa direção foi dado quando o governo estadual incorporou em sua política de atração de investimentos um mecanismo de desconcentração espacial das atividades econômicas e do emprego e, por conseqüência, da renda.  A Secretaria de Desenvolvimento Econômico, por meio da sua política de incentivos fiscais, já nos anos 1990, passou a oferecer incentivos mais elevados para aquelas empresas que se dispusessem se instalar no interior do estado.  Tal dispositivo passou a ser proporcional à distância da localização industrial em relação a Fortaleza.  Apesar do seu relativo sucesso, essa estratégia não foi suficiente para promover uma desconcentração decisiva, dado que não foi capaz de criar economias de aglomeração importantes fora da RMF, pois acabou por pulverizar os investimentos privados em muitos municípios.

 

As experiências internacionais, em especial nos países federalistas, têm mostrado que a política de desenvolvimento regional deve ser explícita mas têm mostrado também que políticascom esse objetivo deixou de ser um campo simples para ser um campo complexo dentro do universo das políticas públicas.  Os instrumentos unilaterais e verticais deram lugar aos instrumentos multilaterais e transversais.  Por outro lado, não há um modelo único ou uma estratégia modelo de intervenção pública de correção das desigualdades regionais, significando que o que pode ser bom e exitoso para uma região pode não ser para outra.  Somente a aprendizagem pode definir o melhor caminho.  Todavia, dentro desse novo formato é possível recomendar quatro princípios básicos que poderiam pautar uma política de desenvolvimento regional em nível estadul, são eles: o da autonomia, o da cooperação, o da coordenação e o da eqüalização. 

 

Mais recentemente, já no último governo de Tasso Jereissati, mas com mais força ainda, no governo de Lúcio Alcântara, cria-se uma política explícita de correção e de desenvolvimento regional, tendo em sua base aqueles quatro princípios básicos, que estão em conformidade com os princípios que norteiam o pacto federativo brasileiro.  O principal símbolo dessa política foi, e tem sido, a criação da Secretaria de Desenvolvimento Local e Regional-SDLR que tem colocado em prática uma estratégia de fortalecimento de centros urbanos e a criação de uma rede estruturada de cidades médias e pequenas no interior do estado.  Conjugada a essa estratégia, de desenvolvimento urbano, acoplou-se uma outra estratégia, de caráter econômico e institucional, visando o fortalecimento do tecido sócio-econômico dentro da qual o capital humano, o capital social e as micro e pequenas empresas, especialmente organizadas em Arranjos Produtivos Locais-APLs, são os focos dos programas, projetos e ações.  Na primeira estratégia procura-se criar e fortalecer as centralidades urbanas e, na segunda, persegue-se a elevação do nível da competitividade dos individuos e das empresas do interior.  Desta maneira, sugere-se que as políticas públicas adquiram uma orientação voltada para o desenvolvimento regional, sem no entanto desprezar o papel que a RMF tem como motor do crescimento econômico no estado.  Isto significa que o esforço de reestruturação espacial deve-se dar principalmente pela via do fortalecimento das estruturas existentes e emergentes no interior do estado.

 

O aspecto interessante, mas ao mesmo tempo preocupante, é que essa iniciativa do Governo do Ceará acontece dentro de um cenário no qual falta uma política federal de desenvolvimento regional, que pudesse dar mais coerência e integração à política estadual, em relação ao restante do território nacional. A política estadual de desenvolvimento regional, visando a reestruturação espacial, vem sendo executada pelo “Programa de Desenvolvimento Regional do Ceará”, desde 2003, através da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Local e Regional-SDLR.  Constam desse Programa vários projetos, dos quais: (1) Planos de Desenvolvimento Regional-PDRs; (2) Escritórios Regionais-ERs; (3) Consultoria Empresarial; (4) Consultoria Empresarial Rural; (5) Agente Regional de Inovação.  Guardando sua lógica de potencializar e fortalecer os principais pólos do interior do Estado, esse programa concentrou-se, primeiramente, em seis regiões: Cariri (Crato), Baixo Jaguaribe (Limoeiro do Norte); Maciço do Baturité (Baturité); Serra de Ibiapaba (São Benedito); Centro-Sul (Iguatu); Vale do Acaraú (Sobral).

 

Os Planos de Desenvolvimento Regional-PDRs foram montados para cinco regiões: Centro Sul/Vale do Salgado; Vale do Coreaú e Ibiapaba; Maciço do Baturité; Baixo Jaguaribe e Vale do Acaraú. Esses Planos, financiados pela Secretaria de Desenvolvimento Local e Regional-SDLR, foram elaborados por empresas de consultorias licitadas mas com a participação dos agentes e lideranças de cada região, dando assim uma consistência técnica e participativa aos Planos.  O grande benefício de tais Planos foi, antes de tudo, ter possibilitado a mobilização dos atores regionais no sentido dos mesmos identificarem as fragilidades e potencialidades locais e regionais e terem traçado uma visão de futuro a ser seguida.  Outro benefício de grande importância, este voltado para o objetivo da reestruturação espacial, foi o de ter possibilitado a identificação de projetos que sejam capazes de integrar os municípios de cada região e ao mesmo tempo dar centralidade à mesma.  O grande desafio nesse campo está no esforço de transformar esses Planos de Desenvolvimento em uma agenda real e irreversível para os agentes e lideranças regionais assim como para os governos estadual e federal.

 

Os Escritórios Regionais-Ers, instalados nas seis regiões citadas, são instalações enxutas e pequenas ocupadas por um Gerente e um assistente, que têm a função de agentes de desenvolvimento regional.  O principal objetivo desses agentes é o de procurar coordenar e animar as ações endógenas e as ações vindas de fora da região visando a integração municipal e o desenvolvimento da competitividade e centralidade das regiões.  Auxiliando as ações do Gerente há o Conselho de Desenvolvimento Regional-CDR, formado por representantes de instituições públicas e privadas, que tem o papel de identificar e legitimar as intervenções públicas mais convenientes para a região.  Especificamente, os focos dos trabalhos dos Escritórios têm se concentrado em três áreas: institucional, traduzida na articulação e interação com o Conselho de Desenvolvimento Regional, econômica, voltada para a busca de soluções econômicas para os Arranjos Produtivos Locais-APLs, e social, dirigida para a formação e o acúmulo do capital social.  O desejo final desse projeto é fazer com que sejam criadas as condições para que se desenvolva a Agência de Desenvolvimento Regional-ADR, a exemplo do que vem acontecendo com a Região do Maciço do Baturité, para que o desenvolvimento regional ganhe um caráter mais autônomo, na sua condução.

 

O Projeto de Consultoria Empresarial tem o objetivo de atender micro e pequenas empresas das seis regiões citadas, visando, numa primeira fase, detectar os gargalos e problemas de gestão da empresa e, numa segunda fase, solucionar tais problemas.  A primeira fase não implica custo para a empresa mas a segunda fase exige-se uma contrapartida financeira da mesma.  Tal projeto vem sendo executado em parceria com o Sebrae e a Secretaria Estadual do Trabalho e Empreendedorismo-SETE, através do seu programa Ceará Empreendedor, atingindo cerca de 2.014 empresas na primeira fase.  Já na execução da primeira fase observaram-se reações positivas da parte das empresas visitadas, em termos de reorganização e aumento de vendas, dando assim alguns indícios de melhoria da competitividade das empresas.  A mesma versão deste projeto, aplicado na área Rural, ou seja, o Projeto de Consultoria Empresarial Rural, foi executado em duas regiões do Estado, Cariri e Baixo Jaguaribe, visando a melhoria de processos e sistemas de gestão para grupos de produtores rurais nos segmentos de leite, uva, milho híbrido, mel, etc.

 

Por fim, o Projeto Agente Regional de Inovação tem sido implantado, primeiramente na Região do Cariri, com o objetivo de estimular as organizações e, principalmente, as empresas a desenvolver e introduzir inovações de produto, processo e organizacional em suas estruturas, com o objetivo comum de melhorar o seu nível de competitividade.  Além do foco microeconômico do Projeto, o mesmo visa também um foco mesoeconômico baseado na implantação do Fórum de Tecnologia Regional, por onde devem acontecer as reflexões e seleções sobre as principais articulações e intervenções institucionais, entre empresas, universidades e centros de pesquisas e formação.