VIDA NO UNIVERSO
Jaime Fernando Villas da Rocha
(DFT/IF-UERJ)
A discussão sobre vida no
universo está sempre voltada, para o grande público sobre a existência de
civilizações tecnológicas que poderiam estabelecer contato com a nossa própria.
Entretanto, há diversos fatores a considerar na estimativa da possibilidade de
tal ocorrência. Antes de mais nada, é preciso conceituar vida, depois
estabelecer a diferença entre vida simples e vida complexa, vida complexa e
vida animal, vida animal e vida inteligente, vida inteligente e civilizações e,
finalmente, civilizações tecnológicas, para depois levar a cabo uma tal
estimativa. Por outro lado, cada uma destas definições deverá tomar como ponto
de partida a única ocorrência de vida que conhecemos, aquela que se desenvolveu sobre o planeta que
habitamos. Podemos definir um ser
dotado de vida como um sistema complexo termodinamicamente aberto, baseado em
energia eletromagnética organizada (química), capaz, no sentido darwiniano, de
evoluir. Mesmo esta simples definição
já nos defronta com a questão da origem e da capacidade de diversificação. Recentemente, esta questão foi revitalizada
com a descoberta de bactérias muito simples, classificadas genericamente como
extremófilos, organismos que vivem em condições ambientais extremas como
temperaturas muito altas ou muito baixas quando comparadas com as necessárias
para qualquer outro ser vivo, mesmo as bactérias ‘‘convencionais’’, que
enfrentam a absoluta ausência de luz e/ou de oxigênio livre, ou habitam meios
demasiado ácidos ou alcalinos. Não
sabemos se a extrema simplicidade dos extremófilos é devida a serem
representantes mais próximos das formas de vida mais originárias ou se são
exemplos de que a evolução se dá como alteração no tempo. A existência, na
Terra, dos extremófilos, levanta ainda
a hipótese de que possam ocorrer fora da Terra, como no subsolo de
Marte, ou no oceano existente sob a crosta de gelo superficial de Europa.
Portanto vida simples pode até mesmo ser abundante no Universo. Vida complexa,
pluricelular e animal, aquela que é capaz de viabilizar a existência de
civilizações tecnológicas, entretanto, exige um conjunto muito grande de
condições muito finas para que possa
ocorrer. Primeiro, não é desde sempre que o Universo como um todo é um lugar
habitável: seu início muito quente e denso não permitia a existência de
estruturas complexas. Não sabemos ainda se ele poderá continuar a ser um lugar
sempre habitável: as observações atuais indicam uma expansão acelerada que
terminará por dar-se nas escalas das estruturas que hoje permitem a vida; mesmo
que tal não se dê, é provável que os prótons não sejam estáveis, então o
Universo poderá chegar a uma idade em que a matéria macroscópica não será mais
estável; ou, ainda o processo de formação de estrelas provavelmente decai com o
tempo. Chegamos então ao segundo nível de exigência: temos que ter a galáxia
correta: galáxias anãs não são enriquecidas com todos os elementos mais pesados
que o hidrogênio e o hélio (denominados no jargão astronômico de ‘‘metais’’)
por mortes estelares em supernovas na medida necessária para que possam ser
produzidos planetas telúricos com oceanos e atmosfera com gases estufa.
Galáxias com demasiada massa possuem núcleos energeticamente ativos muito
fortes, que as tornam inteiramente inóspitas. Galáxias espirais como a Via
Láctea, com braços espirais ricos em
metais mas com núcleos pouco ativos são minoria em nosso Universo. Mesmo
a Via Láctea não é inteiramente favorável à ocorrência de vida: em suas bordas,
temos as mesmas condições que em uma galáxia anã, baixa ocorrência de metais.
Próximo ao seu núcleo temos grandes concentrações de estrelas com demasiados
eventos explosivos e elevada taxa de radiação. Existe portanto uma faixa de
habitabilidade galática. Nosso Sol, por exemplo, situa-se na privilegiadíssima borda de um braço espiral a um
terço do raio galático de distância do núcleo, em uma posição dinamicamente especial,
a de um ponto de co-rotação, orbitando o núcleo galático com a mesma velocidade
que o braço, o que minimiza grandemente a proximidade de eventos cataclísmicos
como a explosão de supernovas e minimizando ainda a perturbação da Nuvem de
Oort pela passagem de outros astros, o que, de outra forma, poderia ocasionar a
precipitação de grande número cometas no interior do Sistema Solar, minimizando o número de colisões da Terra
com corpos menores, tornando-a mais estável. O terceiro nível de exigência é o
estelar: temos que ter a estrela correta. Estrelas de grande massa vivem alguns
poucos milhões de anos, escala de tempo insuficiente para o desenvolvimento de
vida complexa. Estrelas de baixa massa exigiriam que um planeta telúrico que
tivesse temperaturas superficiais próximas às da água líquida ficasse próximo
demais tornando sua rotação síncrona, fazendo com que o planeta exiba sempre a
mesma face para a estrela, tornando-se inabitável para formas complexas de
vida. Temos que ter ainda o sistema correto estelar. Em primeiro lugar, o
sistema deve ter uma única estrela – a maior parte dos sistemas estelares são
binários ou múltiplos. Em segundo lugar, temos que ter planetas em órbitas
quase circulares. Os gigantes, para permitirem a existência dos telúricos; os
telúricos para permitir a estabilidade climática. A seguir temos que ter a
disposição correta: planetas telúricos na faixa de habitabilidade da estrela –
isto é, na zona de recepção de energia da estrela em que ele possa administrar
para si uma temperatura que o torne capaz de conter oceanos; planetas gigantes
em órbitas mais distanciadas que evitem o bombardeio permanente dos telúricos
por corpos menores, capturando-os. Além de estar em órbita circular a uma
distância adequada, temos que ter o planeta correto, com massa suficiente para
reter uma atmosfera de gás carbônico e oxigênio e oceanos. O planeta deverá ter
também tectônica de placas, de forma a manter o efeito estufa em grau correto e
produzir continentes acima dos oceanos, para que a vida complexa animal possa
diversificar-se e viabilizar a existência de civilizações tecnológicas. Além
disto, o planeta deve ter um satélite grande o suficiente de forma a que este
torne o seu eixo de rotação estável. Com todas estas exigências para a
ocorrência de vida animal complexa, o quadro mais provável é o de que esta seja
um fato muito raro, ou até mesmo único, em todo o Universo.