ASPECTOS DA DINÂMICA DEMOGRÁFICA DO NORDESTE: UMA DISCUSSÃO
PRELIMINAR
IVAN TARGINO*
O objetivo
deste trabalho é identificar e analisar algumas tendências da mobilidade
demográfica no Nordeste brasileiro durante o último período intercensitário
(1991-2000). Os dados que serviram de base para o trabalho foram obtidos junto
à Fundação IBGE (censos demográfico e agropecuário), bem como ao IPEA
(informações sobre o PIB municipal e o IDH). No levantamento das informações,
foram considerados quatro recortes espaciais: a região Nordeste, os Estados, as
microrregiões e os municípios. As informações sobre o crescimento demográfico
do Nordeste e dos Estados foram utilizadas tal como publicadas pelos censos. Já
as referentes aos municípios e às microrregiões, em virtude da criação de
vários municípios, tiveram que sofrer alguns ajustes para incorporar a nova
divisão política dos municípios.
As últimas
décadas têm registrado mudanças significativas na dinâmica populacional do
Nordeste brasileiro. Entre essas mudanças, podem ser destacadas: a) a redução
da taxa de fecundidade e de natalidade; b) a redução das taxas de mortalidade,
particularmente da taxa de mortalidade infantil, influenciando positivamente na
esperança de vida ao nascer; c) o envelhecimento da população regional. Essas
mudanças têm atuado sobre a distribuição etária da população nordestina. Não
obstante a importância dessas mudanças, o trabalho se detém na dinâmica da
mobilidade da população regional, explorando, particularmente, duas dimensões
dessa mobilidade, a saber: a mobilidade campo-cidade e a mobilidade
inter-regional. Os principais resultados obtidos foram:
I – Quanto à dinâmica da mobilidade rural/urbana da
população:
a) Houve uma
intensificação do êxodo rural nordestino durante a década em estudo. Cerca de
80% das microrregiões nordestinas apresentaram decréscimo de sua população
rural[1].
Apenas quatro microrregiões registraram taxas de crescimento de sua população
rural acima da taxa de crescimento vegetativo regional, são áreas de pouca
densidade populacional; a intensificação dos fluxos de origem rural coloca em
discussão um processo de despovoamento de algumas áreas do Nordeste, sobretudo
aquelas situadas na região semi-árida;
b) Essa
tendência deu-se de forma diferenciada, seja entre os estados, seja entre os
estratos de municípios; no caso dos Estados, destaca-se o caso do Maranhão que
de estado absorvedor de migrantes (principalmente rurais) passou a ser expulsor
de população rural em conseqüência do fechamento de sua fronteira de expansão
agrícola;
c) Quanto ao
tamanho dos municípios, à exceção dos situados no Piauí e no Maranhão
(provavelmente em virtude das dificuldades de ajustamento dos dados), houve
decréscimo de população rural em todas as faixas de tamanho de municípios;
d) o estudo
identifica uma tendência geral de crescimento da população urbana regional,
havendo uma correlação forte entre o crescimento da população urbana e o êxodo
rural; o crescimento da população urbana apresentou diferenciações
significativas, quer entre os estados, quer entre os estratos de tamanho das
cidades; aqui, mais uma vez, desponta o Maranhão, onde foram encontradas as
taxas mais elevadas (face reversa do intenso êxodo rural?);destaca-se o forte
crescimento das cidades compreendidas no estrato entre 50 e 100 mil habitantes
e, particularmente, das cidades polarizadas pelas capitais de estado; nos
pequenos núcleos urbanos, ao contrário, observa-se a intensificação dos fluxos
emigratórios;
e) os
diferenciais no ritmo de crescimento das populações urbanas e rurais permitem dizer
que, durante a década em foco, consolidou-se a predominância urbana da
população regional e de sua concentração nas cidades de médio e grande porte.
Não obstante isso, em virtude do elevado contingente ainda existente de
população rural no Nordeste, a tendência de evasão da população rural tende a
prosseguir, motivada basicamente por fatores de expulsão que continuam
presentes na organização do espaço agrário regional.
II – Quanto à mobilidade
inter-regional da população nordestina:
a) O Nordeste
continua sendo o principal pólo de emissão de migrantes inter-regionais[2].
Dos 17 milhões de migrantes inter-regionais recenseados em 2000, 57% eram de
nordestinos. O saldo migratório negativo da região passou de 6.598 mil, em
1991, para 8.652 mil, em 2000; é importante lembrar que, no último período
intercensitário, o estoque de emigrantes nordestinos presentes nas demais
regiões cresceu a uma taxa de 3,02% a.a., enquanto que, entre 1980 e 1991, essa
taxa foi da ordem de 1,89% a.a.;
b) A região
Sudeste permanece sendo o principal pólo de destino dos migrantes nordestinos
(70%). O segundo pólo mais importante de absorção dos emigrantes nordestinos é
a região Centro-Oeste (14,4%), seguido de perto pela região Norte (12,9%);
esses dados mostram que apesar da importância das áreas de expansão de
fronteira agrícola na atração sobre os fluxos emigratórios do Nordeste, elas
podem ser consideradas secundárias quando comparadas à região Sudeste;
c) Na região
Sudeste, as regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro (principalmente
a primeira) são os grandes destinos dos emigrantes nordestinos. Isso denota o
caráter fortemente econômico de determinação dos fluxos migratórios
inter-regionais nas últimas décadas. Importa destacar que a RM de São Paulo
continua a desempenhar esse papel, apesar da crise econômica que aí incide com
maior intensidade, determinando um índice de desemprego bastante elevado;
d) As regiões
metropolitanas situadas no Nordeste (Fortaleza, Recife e Salvador) absorvem,
principalmente, migrantes procedentes dos próprios estados onde se situam e, em
segundo lugar, dos demais estados do Nordeste, podendo ser consideradas como
regiões metropolitanas de polarização intra-regional;
e) Todos os
estados do Nordeste apresentam saldo migratório negativo. Até mesmo o Maranhão,
que, durante as décadas de 60 e 70, era um absorvedor líquido de migrantes,
teve essa situação revertida a partir do fechamento da sua fronteira agrícola
“camponesa”. Os maiores níveis de intensidade migratória (relação entre saldo
migratório e população estadual) são encontrados nos estados da Paraíba
(23,27%); Piauí (18,70%) e Pernambuco (16,56%);
f)
Intensificação dos fluxos migratórios de retorno, fenômeno esse associado à prolongada crise do setor
industrial brasileiro, ao intenso processo de inovação tecnológica e
alterações na organização do trabalho, à relocalização industrial, sobretudo
das empresas com processos produtivos intensivos em trabalho (calçados e
vestuário, por exemplo). O elevado percentual de crianças no estoque de
imigrantes procedentes da região sudeste atesta claramente a importância da
migração de retorno;
g) as
migrações inter-regionais para as regiões metropolitanas apresentam um forte
viés de seletividade. Em média, os emigrantes nordestinos detêm nível de
escolaridade e nível de rendimento mais elevado do que os nordestinos que
permanecem residindo em seus estados de naturalidade.
O trabalho conclui por afirmar o alto nível de
mobilidade espacial da população regional. Essa mobilidade tende a se acentuar,
em decorrência da continuidade do êxodo rural, da migração procedente das
pequenas cidades cuja estrutura econômica é insuficiente para reter a sua
população e da intensificação dos fluxos inter-regionais, sobretudo aqueles que
se destinam ao Sudeste. Por outro lado, os dados analisados permitem também
constatar um processo de esvaziamento populacional, sobretudo em determinadas
zonas situadas na região semi-árida do Nordeste.
[1] Entende-se como população rural, neste trabalho, aquela que reside em áreas rurais tal como definidas pelo IBGE, apesar de se reconhecer que esse critério implica em uma subestimação da população rural. Para uma discussão a esse respeito, veja VEIGA, J.E. Cidades Imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se imagina. Campinas: Editora Autores Associados, 2002.
[2] O critério de definição de migrante inter-regional aqui adotado é a última residência.