Irlys Barreira e Sulamita
Vieira
Boi do sertão -
celebra a tradição interiorana, na rusticidade da decoração
e no cardápio. Lá na roça - Construído em estilo rústico, o lugar tem
luminárias de cipós, mesas de tronco, teto de varas de marmeleiro e paredes
de tijolo aparente. Ambiente aberto, arborizado, com varanda. |
Estes são
anúncios de restaurantes chamados temáticos que mais recentemente passam
a fazer parte do roteiro gastronômico e turístico de Fortaleza. Caracterizam-se
por recuperar e recriar “cenários do sertão”, oferecendo ao público consumo
alimentar especializado. O restaurante boi do sertão, por exemplo, expõe
para seus freqüentadores o que seriam os hábitos alimentares em um cenário
baseado na “vida sertaneja cearense”. Jardins de gramados e árvores circundam
diferentes espaços, ladeados por cercas de varas organizadas como divisórias, a
imitar a divisão dos terrenos, segundo as diversas atividades das fazendas.
Animais domésticos soltos em gramados, distintos pela beleza e raridade dos
existentes em terreiros de casas sertanejas, compõem uma espécie de fauna
selecionada. São animais a lembrar, para os ali presentes, a antiga criação
doméstica, outrora mais naturalmente integrada aos terreiros de fazendas,
constituindo, muitas vezes, parte das refeições cotidianas dos
proprietários-moradores.
A comida
servida no restaurante, cozida em panela de barro, a música sertaneja que se
ouve através de som ambiente, o traje dos garçons com chapéus de palha e blusa
de xadrez representam emblemas de construção da regionalidade. Outras “peças”
fazem parte do cenário. O restaurante, como espaço multivariado de ofertas de
consumo, congrega também o forró do final de semana, com apresentação de
conjuntos e artistas estilizados, além da venda de produtos artesanais. São
práticas que fazem do local um inventário
de hábitos sertanejos apropriados, reelaborados e difundidos no contexto
citadino.
A oferta de restaurantes como expressão de ícones da
“cultura regional” é fato recorrente em diferentes metrópoles. Os restaurantes
trazem a marca da incorporação de costumes, recriando locais que funcionam como
ícones de processos de mistura, incorporação e apresentação do que é
considerado “representativo da região”. A oferta de bens culturais de consumo,
entre os quais se inclui a alimentação, traduz o sentido de uma suposta
identidade regional. É nesse contexto que os restaurantes temáticos
passam a instituir a narrativa de apresentação do “que é nosso”. Além de
restaurantes, casas de artesanato, locais de exposição regional e mercados
centralizam a apresentação do roteiro peculiar que cada cidade constrói como
parte de seu cartão de visita.
Como museu interativo, o restaurante ostenta também
uma espécie de ritual dos hábitos sertanejos e o faz ancorado na mescla de
emblemas do passado e da atualidade. Estes não mais aparentes nos costumes
distantes e dispersos, mas concentrados em um espaço: um “sertão” para ser
visto e consumido. Consumido segundo as regras da racionalidade adaptada aos
freqüentadores que dispõem de pouco tempo. O self service é assim
incorporado ao tempo do cozimento lento do fogão de lenha.
O
conjunto heterogêneo de hábitos, presentes no espaço dos restaurantes temáticos,
sinaliza um hibridismo (Canclini) de costumes, sociabilidades, trabalho e
consumo provenientes de espaços e tempos diferentes. Mais que mistura, focaliza
um fenômeno de apropriação e invenção das tradições (Hobsbawm), que
condensa o disperso, reúne com novas tonalidades diversos fragmentos do mundo
rural, recriando a cultura em formas estereotipadas - inventário de práticas
designadas por “costumes do sertão”.
A pesquisa sobre as imagens do sertão na cidade, que
serve de referência à apresentação deste simpósio, verifica o processo de invenção
das tradições, refletindo sobre o fenômeno da mudança cultural e da
construção do “típico”, em cenários de consumo alimentar no contexto urbano de
Fortaleza e municípios situados na sua região metropolitana. As evocações do
passado (sertão de festa e fartura), as omissões (sertão da seca)
e as reiterações (sertão da comida típica) permitem pensar sobre os
sentidos ou teia de significados que acompanham o que está sendo designado por
imagens do sertão na cidade.