FAUNA CEARENSE DE SUBSTRATO INCONSOLIDADO

 

Inês Xavier Martins

Centro de Ciências da Saúde

Universidade de Fortaleza

 

I. INTRODUÇÃO

            Os organismos de substratos arenosos e lamosos representam uma parcela significante nos trabalhos de levantamento da biota em regiões costeiras.

            As praias arenosas são consideradas como um ambiente de acentuado dinamismo, em função da variabilidade diária das condições ambientais. Este local constitui uma interface entre a terra e o mar, e seus limites nem sempre são muito definidos.

            O ambiente de praias arenosas pode ser considerado parte de um sistema semi-fechado, que inclui um corpo arenoso, o qual se estende desde a linha mais lata da maré, próximo ao, limite duna/praia, até além do ponto de quebra das ondas (McLachlan, 1983).

            Esta região é comumente subdividida em três grandes zonas: supralitoral, local de influência dos respingos marinhos que fica permanentemente emersa; o mesolitoral (ou mediolitoral), o qual corresponde à faixa como periódicas emersões e imersões devido as decidas e subidas das marés;  e infralitoral, parte da praia que permanece sempre submersa, a não ser por raras ocasião de grandes marés onde o limite com o mediolitoral é estendido.

            A região entremarés de uma praia arenosa possui uma biota diversa e adaptada às condições físicas variáveis deste ambiente. Dentre os animais habitantes neste ambiente, os organismos cavadores contribuem de forma significativa tanto como biomassa, quanto na reciclagem de nutrientes nos substratos marinhos. Segundo McLachlan, op cit.), a distribuição e diversidade destes organismos nestas áreas são determinadas por fatores físicos, tais como tamanho de partículas do sedimento e ação das ondas.

            A fauna de praias arenosas está representada principalmente por táxons de invertebrados, especialmente moluscos, crustáceos e poliquetos. A distribuição destes grupos é influenciada pelo tipo de praia (exposta ou protegidas), pela região geográfica (tropical ou temperada), entre outros fatores. Alguns autores destacam que o número de indivíduos bentônicos tende a aumentar à medida que diminui a grau de exposição da praia e a ação das ondas.

            A zonação neste ambiente não se apresenta claramente definido como em regiões rochosas, em função principalmente da ação das ondas que provocam uma desestabilização do local.

            Uma outra característica dos organismos que habitam este ambiente é a migração mareal. Este fenômeno inclui o deslocamento dos animais na faixa entremarés, acompanhando as decidas e subidas da maré, buscando melhores condições de alimentação e/ou abrigo contra predadores. Muitos moluscos e crustáceos possuem esta habilidade biológica.

Os Estuários correspondem a porção final do curso de um rio, ou braço de mar, onde há mistura de água do mar  e doce, sendo esta a principal característica desse ambiente.

Os organismos que habitam esta região são adaptados a várias alterações ambientais diárias, como mudanças no curso d´água e a grande variação de salinidade,  temperatura e pH.

            No Brasil, a maioria dos trabalhos realizados até bem pouco tempo sobre a composição e distribuição espacial dos organismos bentônicos de substratos inconsolidados era quase restrita as regiões sudeste e sul. No Ceará os estudos com a fauna neste ambiente são bem recentes. Martins (1996) realizou um estudo sobre os hábitos alimentares do molusco gastrópode Natica marochiensis, bem como a distribuição de predador e suas principais presas na Praia de Quitéria, município de Icapuí, no litoral leste do estado. Rocha-Barreira et al. (2001) realizaram um levantamento quali-quantitativo da macrafauna bentônica da região entremarés da Praia do Futuro, em Fortaleza. Em 2002, Rocha-Barreira et al. Avaliaram a dinâmica populacional e estrutura etária do molusco bivalve Donax striatus também na Praia do Futuro.

No estado do Ceará, os principais estuários são os dos Rios Ceará, Pacoti, Cocó, Mundaú, Jaguaribe, Timonha e Mal-cozinhado.

 

            Recentemente, foi realizada uma análise da fauna e flora marinha na faixa entremarés na costa cearense. Este subprojeto intitulado “Biota Marinha da Costa Oeste do Ceará”, fez parte do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO), financiado pelo Ministério de Meio Ambiente, o qual teve como objetivo fazer um levantamento da biota marinha compreendida entre a foz do Rio Cauípe e Rio Mundaú.

            Este estudo foi realizado em 2002 e 2003 durante as estações chuvosa e seca de cada ano.

Os dados apresentados a seguir corresponde uma síntese dos resultados a macrofauna de subtratos inconsolidados coletados  nas 6 praias (Cauipe, Pecém, Taíba, Paracuru, Flecheiras e Mundaú) e no estuário do Rio Mundaú durante este projeto. Bem como de material coligido durante expedições realizadas ao longa da costa cearense até o presente momento.

 

ii. Caracterização DE REGIÕES EstudadAs durante o probio

 

1. Barra do Rio Cauípe

Apresenta uma área descoberta com cerca de 70m, com perfil inclinado. O sedimento é composto de areia média por toda extensão, com de conchas vazias de Caecum e fragmentos de bivalves.

2. Praia do Pecém
           

Área descoberta durante a maré baixa entre 100 a 300m. O local possui dos tipos bem distintos de substratos (arenoso ou lamoso) dependendo da região. No ano de 2003 houve um soterramento da zona entremarés o que impossibilitou amostragens da epifauna e infauna no local.

3. Taíba

Área descoberta aproximadamente 100m. O sedimento variou de estação e local; durante o período de estiagem na zona superior foi encontrado areia média a fina, na zona média areia grossa a média, com seixos de quartzo; e durante a estação chuvosa somente areia fina.

4. Paracuru

Durante as marés baixas, cerca de 80m de extensão eram descobertos. Na zona superior o sedimento é de areia fina; no mediolitoral inferior composto por matacões, seixos de quartzo rolados e fragmentos de conchas; e na zona de arrebentação 35% do substrato, composto de silte e argila.

5. Flecheiras

Possui uma área descoberta na maré baixa com cerca de 120m. O sedimento variou de estação e local; no período seco a zona superior foi bem variada; na zona média apresentou areia fina, e na zona inferior areia muito fina a média; na estação chuvosa este se apresentou moderadamente selecionado.

6. Mundaú

Área descoberta cerca de 100m de extensão. O sedimento desde o mediolitoral superior ao inferior encontra-se areia média a muito fina. Zona de arrebentação muito larga e com muitas linhas de quebra das ondas.

7. Estuário de Rio Mundaú

A análise sedimentológica mostrou a presença de areia muito fina a fina, com alto teor de partículas finas (> 85%). A vazão do rio não afeta a granulometria durante a estiagem ou chuvas.

 

 

III. Fauna Encontrada no Estado do Ceará no Substrato Inconsolidado

            Os animais predominantes neste ambiente pertencem principalmente a grupos de invertebrados de Mollusca, Polychaeta, Crustacea e Echinodermata.

 

Filo MOLLUSCA está bem representado pelas classes: Gastropoda e Bivalvia.

Dentre os moluscos encontra-se:

a) Hastula cinerea – Organismo mais abundante na estação seca mediolitoral inferior na praia de Taíba.  Ocorreu durante o período chuvoso em Flecheiras na faixa intermareal e na Zona de arrebentação, onde os moluscos perfizeram cerca de 49% dos indivíduos. Na praia do Pecém encontrada no início do ano.

b)

Olivella minuta - Em Paracuru habita desde a zona entremaré até a zona de arrebentação.  Em Mundaú os moluscos dominaram com 85% do total, sendo esta a espécie mais freqüente. Em Icapuí esta presente em todos os meses do ano, com maior abundância entre julho e dezembro; consumida por N. marochiensis através da última volta da espira.

            c) Turbinella laevigata -

 

Ocorre ao longo de praticamente toda a costa cearense, tanto na faixa entre maré com na zona subtidal. Durante as marés baixas, permanece com a canal sifonal para fora do substrato, sendo de fácil coleta.

            d) Cassis tuberosa - Endêmico do Nordeste, ocorre no estado em muitas praias, principalmente na região do infralitoral em areia ou associados aos recifes. Predador potencial de equinóides; libera ácidos para corroer a carapaça das presas.

            e) Pugilina morio - Bastante comum nos estuários cearense, em especial nos do Rio Ceará e Pacoti.

            f)

 Neritina virginea - Muito comum em todos os estuários cearenses. Utilizada no artesanato regional por ser de fácil coleta e apresentado um enorme polimorfismo na coloração da concha.

            g)

 

Donax striatus -  Praia da Taíba foi espécie mais abundante no mesolitoral e zona de Arrebentação na estação chuvosa. Em Flecheiras 49% dos moluscos eram desta espécie. Mundaú durante o período de estiagem foram observados 1417 indivíduos e no período de chuvas 2532. Na praia de Pecém ocorre em todos os meses, com período provável de recrutamento de março a maio. Icapuí ocorre durante todo ano, tendo pico entre maio (140inds/m2) e agosto, predada por N. marochiensis na região posterior.

            h) Tivela mactroides -

Praia da Taíba apresenta uma grande abundância e riqueza organismos, sendo esta espécies a mais frequente entre os bivalve. Em Icapuí tem uma baixa abundância em todo período (menos de 7 inds/m2), com picos em março em maio no ano de 1994; também predada por naticídeos preferencialmente na margem dorsal.

            i) Gênero StrigillaEspécies encontradas S. pisiformes, S. carnaria e S. miriabilis.

Animais pequenos de coloração branca e rosada; habitantes de águas rasas até 180m de profundidade; enterram-se no substrato até cerca de 10cm. Presente em algumas praias: Em Quitéria, esta espécie ocorreu durante todo ano, com pico máximo em novembro (133 inds/m2). S. pisiformes é presa preferencial de N. marochiensis; sendo a valva direita a mais predada e na região dorsal.

            j)

Gênero Tellina - No Ceará registradas mais comuns: T. lineata, T. punicea, T. sandix, T. nitens, T. alternata. Habitantes de praias arenosas e estuários. Costumam enterrar-se profundamente no substrato. .Encontradas em praticamente todas as praias e estuários.

            l)  

Mulinia cleryana - Espécie comum na zona subtidal, embora possa ser encontrada na faixa entre marés. Presa freqüente de Luidia senegalensis e também de N. marochiensis. Comumente encontra morta na linha-do-deixa da maré.

            m) Anomalocardia brasiliana, Iphigenia brasiliana e

 

Tagelus plebeius – Espécies utilizadas como alimento pela população local. Bastante comuns na região estuarina; formam aglomerados em vários pontos.

 

           

Os representantes da Classe POLYCHAETA habitam desde a faixa entre marés até zonas mais profundas. Neste tipo de substrato principalmente é composto por organismos carnívoros e detritívoros.  No estado do Ceará já foram registradas cerca de 35 espécies. Dentre elas destacam-se em ambientes moles as seguintes espécies:

            a)

 

Scolelepis squamata - Na praia da Taíba esta espécie habita a região do mediolitoral médio com uma freqüência de 85% dos poliquetos. Em Paracuru foi encontrada mediolitoral médio e mediolitoral inferior. N praia de Flecheiras durante o período de estiagem os poliquetos perfizeram um total de 29%, sendo esta espécie a mais representativa. Esta foi observada também na faixa do mediolitoral médio em Mundaú.

            b) Hemipodus olivieri -

Na praia da Taíba esta espécie habita a região do mediolitoral médio com uma frequência de 15% dos poliquetos. Foi observada em Flecheiras durante o período chuvoso no mediolitoral inferior.

            c) Sigambra grubii – Observada no e

 

stuário do Rio Mundaú durante o período de estiagem.

 

            O subfilo CRUSTACEA representa um grupo bastante heterogêneo. Apresenta uma distribuição bastante ampla, tanto com relação as regiões de zonação no ambiente marinho, quanto ao tipo de substrato encontrado. È um táxon de grande importância econômica no estado.

            Na faixa arenosa são encontrados principalmente representantes de Isopoda, Amphipoda e Thalassinidea; nos estuários o grupo demoninate é Decapoda. As principais espécies observadas nos substratos inconsolidados no Ceará são:

            a)

 

Excirolana brasiliensis - Organismo extremamente frequente na praia cearenses. Habitam as 3 regiões do mediolitoral
Animais pequenos de1 a 5 mm e carn
ívoros; de distribuição ampla: costa americana ocidental e oriental, desde a zona temperada a subtropical.

            b)Amphipoda – As principais espécies encontradas são: Jassa morinoi, observada na zona de arrebentação da Praia de Paracuru; Bathyporeiapus bisetosus, um dos crustáceos que dominaram o mediolitoral superior durante o Período de estiagem em Flecheiras; e Orchestoidea braisliensis, observado na faixa do mediolitoral médio da praia de Mundaú.

            c) Ocypode quadrata - Extremamente abundante na região do supralitoral, onde escavam galerias; jovens diurnos e adultos noturnos.

            d) Emerita portoricensis e Lepidopa richmondi - Animais frequentes na faixa do mesolitoral em determinadas épocas do ano em vários locais ao longo da costa; apresenta migração mareal.

            e) Gênero UcaEspécies já coletadas : U. maracoani, U. leptodactyla,  U. rapax, U. thayeri, U. cumulanta, U. vocator, U. burgersi; ocupam vários tipos de substrato na zona entre marés; escavam galerias, são detritívoros, possuem dimorfismo sexual evidente. 

 

 

 

 

 

 

 

            O filo ECHINODERMATA está representada em áreas de substratos arenosos na costa cearense por indivíduos principalmente das classes Echinoidea e Asteroidea. Dentre as espécies maisfrequentes encontram-se:

            a)

Mellita quinquiesperforata - Equinóideo mais freqüente em vários praias arenosas do estado, com  aparecimento dependente da época do ano.  Na praia da Taíba foi observado em abundância na zona de arrebentação. Predada comumente por Cassis tuberosa, o qual usa ácido sulfúrico na elaboração das perfurações.

            b) Mellita sexiperforata e Encope emarginata -  Outras espécies de Echinoidea também registradas para o Ceará.

            c)

Luidia senagalensisOcorre tanto na faixa intermareal como no sublitoral dependendo da região praiana; relativamente grande,  normalmente com 9 braços e de coloração acinzentada. Predador freqüente de moluscos bivalves e gastrópodes infaunais.

            d) Gênero Astropecten

 - Coletado apenas na região subtidal e predominantemente ao largo de Fortaleza. Espécies encontradas: A. cingulatus e A. brasiliensis. Predador também de moluscos bivalves e gastrópodes infaunais.

 

 

BIBLIOGRAFIA

McLachlan, A. Sandy beach ecology; a review. In: McLanchlan, A., Erasmus,T. Sandy Beaches as Ecossitems. Dr. W. Junk Publishers, 1983. P. 321-381.

 

Martins, I.X. Predação de Natica marochiensis (Gmelin, 1791) (Mollusca: Gastropoda: Naticidae) da Praia de Quitéria, municípo de Icapuí – CE. Dissertação de Mestrado em Zoologia apresentada à UFPB, 1996.

 

Rocha-Barreira, C.A.; Monteiro, D.O. & Franklin-Júnior,W. Macrofauna bentônica da faixa intertidal da Praia do Futuro, Fortaleza, Ceará, Brasil. Arq. Ciên. Mar., v. 34, p. 23-38, 2001.

 

Rocha-Barreira, C.A.; Batista, W.F.; Monteiro, D.O. & Franklin-Júnior, W. Aspectos da estrutura populacional de Donax striatus (Linnaeus, 1758) (Mollusca: Donacidae) na Praia do Futuro, Fortaleza – CE. Arq. Ciên. Mar., v. 35, p. 51-55, 2002.