A LÍNGUA PORTUGUESA NA ESCOLA: POR UMA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
Heloisa Maria Moreira Lima Salles
Universidade de Brasília
A despeito dos esforços dos lingüistas no sentido de ressaltar a importância cultural das formas vernáculas, dos usos lingüísticos diversificados, da riqueza, enfim, das línguas naturais, em sua monumental diversidade, ainda existe em nossa sociedade uma visão monolítica e, portanto, equivocada de língua, a qual se reproduz nos domínios da educação formal, como era de se esperar – na medida em que a escola se confunde com a própria sociedade em que se insere.
Nesta exposição, pretendo fazer a leitura das idéias que vêm sendo propostas especialmente pelos lingüistas em uma perspectiva que buscará constituir-se como mais uma voz em favor do despertar da sociedade brasileira para a importância de uma renovação – senão de uma revolução – educacional, em que se configure o esforço no sentido de fazer da escola um espaço de reflexão, de produção de conhecimento, de criação coletiva, de afirmação dos ideais de paz e prosperidade que permanecem latentes no coração do povo brasileiro.
Para tanto, olhando em particular para as questões educacionais relativas ao estudo ou ao ensino da gramática na escola – mediante um recorte que a faz componente curricular –, deparamos com a urgência em desfazer dois mitos – um, que se constituiu remotamente, a que acabamos de nos referir, que é o mito da correção gramatical, em que se assenta a visão monolítica de língua, e o outro, de constituição mais recente, que pode ser visto como o resultado de uma interpretação maniqueísta da reação ao primeiro mito, que conduz à rejeição à gramática e, por extensão, a tudo que lhe diz respeito.
Considerando a repercussão desses mitos no âmbito acadêmico – seja da Educação Básica, seja da Educação Superior –, ressaltamos a importância da educação lingüística na escola, para fazer uso de uma expressão utilizada por Luiz Carlos Travaglia, na obra de 2003, Gramática – ensino plural, a qual propomos reformular, em uma perspectiva mais ampla. Nessa reflexão, valemo-nos ainda da concepção de educação em língua materna, formulada em Bortoni-Ricardo (2004), segundo a qual a tarefa da escola é promover uma educação ‘sensível aos saberes dos educandos, (...) atenta às diferenças entre as culturas que eles representam’ (p. 38).
Com esse entendimento, propomos o desenvolvimento da educação lingüística mediante a articulação de práticas pedagógicas fundamentadas nas contribuições da teoria lingüística.
Partindo do pressuposto de que todo indivíduo, no convívio de uma comunidade lingüística, desenvolve a competência lingüística, a qual se constitui mediante a interação entre um aparato mental inato, a Faculdade de Linguagem, e a ampla diversidade da experiência sensível (conforme formulado no âmbito dos estudos gerativistas liderados por Noam Chomsky), em que se manifesta a notável disposição do ser humano para a aquisição de língua (materna e segunda língua), propomos o desenvolvimento da educação lingüística na escola, pela adoção de práticas pedagógicas voltadas para o estudo científico das línguas.
Por meio da educação lingüística, consideramos ser possível promover a valorização da diversidade lingüística, o interesse pela língua portuguesa em particular, em suas múltiplas manifestações, e pelas línguas do mundo, em geral, além da consciência em relação à importância da linguagem para o desenvolvimento intelectual e psicossocial do ser humano.
Nesse cenário, veremos surgir formas diversas de bilingüismo, de multilingüismo, além de uma atitude favorável ao multiculturalismo e, conseqüentemente, livre do preconceito lingüístico.