POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
PERMANENTE EM SAÚDE: IMPASSES, DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Francisco Rosemiro Guimarães
Ximenes Neto[1]
A construção do
Sistema Nacional de Saúde Brasileiro (o Sistema Único de Saúde- SUS),
historicamente, demandou políticas no campo da gestão, da atenção e do controle
social, com base em seus princípios doutrinários (universalização, eqüidade e
integralidade) e organizativos (regionalização e hierarquização;
descentralização com comando único; participação popular).
Atualmente, o
incremento do SUS, vem demandando necessidades relacionadas à integralidade da
atenção, à formação, regulação e desprecarização do trabalho em saúde. Quanto a
desprecarização, os trabalhadores em saúde “gemem”, “clamam”, por um plano de
cargos, carreiras e salários, o PCCS-SUS, para regularizar sua situação de
trabalho. Quanto à regulação do trabalho, o Ministério da Saúde precisa definir
e assumir seu papel, para evitar transtornos e embates públicos de conselhos
profissionais, por não quererem supostamente “perder” seus espaços de trabalho
para outras categorias, digladiando entre si.
Quanto à
formação dos trabalhadores em saúde muitos são os dilemas. Os cursos de
graduação da área da saúde, não respondem as necessidades do Sistema. Os
profissionais recém-formados não passam por nenhum tipo de qualificação para
entrar no campo de trabalho. A política de educação profissional é frágil,
descontextualizada do processo de trabalho e não responde a necessidades do
trabalho nos territórios, seja na gestão, e exclusivamente, na atenção.
Associado aos
problemas graves da formação e da educação profissional, que refletem na
qualidade, na humanização e na forma de prestar assistência, está o descompasso
da integralidade da atenção, onde o cliente não é visto como um ser integral,
unitário, holístico. A atenção primária em saúde (a Estratégia Saúde da
Família) não consegue agregar seus princípios da longitudinalidade, da
focalização na família e a da orientação comunitária, comprometendo a qualidade
da atenção, por não ocorrer uma ligação (a continuidade) entre os pontos de
atenção à saúde da unidade básica de saúde, para o hospital, a clínica e exames
especializados, etc., e sua contra-referência.
Tais situações
impõem urgência de uma política de educação para trabalhadores em saúde, não
somente no contexto da atenção, mas também, na gestão, formação e no controle
social.
Respondendo a
este contexto, em fevereiro de 2004, o Ministério da Saúde lança a Política
Nacional de Educação Permanente em Saúde, como estratégia do SUS para
“transformação das práticas de formação, de atenção, de gestão, de formulação
de políticas, de participação popular e de controle social no setor saúde”
(BRASIL, 2005a). Esta Política deve ser desenvolvida no território
locorregional, sendo efetivada através de um Colegiado de Gestão, denominado de
Pólo de Educação Permanente em Saúde.
Da publicação da
Política até hoje, já se passaram dezessete meses e muitos são os
questionamentos sobre a eficiência, o desenvolvimento e implantação da mesma.
Contudo, a seguir, iremos, em forma de tópicos apresentar o que consideramos
impasses, desafios e possibilidades da Política de Educação Permanente em Saúde
do SUS.
· In-compreensão
da Política Educação Permanente em Saúde- PEPS, pelos atores, principalmente,
os gestores.
·
Interesses individuais dos atores (stakeholders), tais como: barganha de recursos financeiros pelas
escolas para executarem projetos de cursos; gestores lobistas quanto ao
financiamento de ações de educação permanente que privilegie seus interesses e
dos municípios que são gestores, e não o do quadrilátero; etc.
·
Resistência de estruturas orgânicas do SUS, como as
Coordenações do próprio Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de
Saúde- SES, que controlam financiamento de projetos específicos, a exemplo da
AIDS, tuberculose, hanseníase, tabagismo dentre outros, de não querem
alocar/disponibilizar tais recursos para o estabelecimento de um fundo único,
com o intento de suprir as prioridades estabelecidas pelos Pólos de Educação
Permanente- PEP.
·
As Universidades e Escolas Formadoras apresentam restrições
a determinadas pactuações do Colegiado do PEP, por quererem manter o currículo
dos cursos ofertados nos padrões de suas próprias necessidades, e não
transformá-los às necessidades e prioridades do SUS.
·
O medo de estruturas orgânicas de o PEP estabelecer um
empoderamento coletivo, e conseqüentemente, qualificar e estimular o controle
social, em busca de melhores condições de saúde e redução das práticas
clientelistas.
·
Institucionalização dos PEP pelas SES, como forma de
barganha política e controle tecnocrático das ações, decisões/deliberações e
busca de regulação estatal do PEP, contrariando assim o seu modelo de gestão
participativa colegiada.
·
Polarização da participação do colegiado do PEP por alguns
atores, principalmente, das escolas formadoras e gestores, como forma de
barganha de financiamento e de dominação cognitiva e política.
·
Predomínio do modelo verticalizado de educação para o SUS
· Modelo
político locorregional e municipal dificulta práticas inovadoras de
participação social e tomada de decisão.
·
Inexistência de uma Política de Plano de Cargos, Carreiras e
Salários para o SUS (PCCS-SUS), o que não garante a manutenção de pessoas que
tiverem investimento educacional pelo Pólo em seus cargos, interferindo no
alcance de resultados da PEPS e da efetivação da integralidade.
·
Critérios de definição de prioridades de Educação Permanente
em Saúde- EPS voltado para normas/portarias (tais como a NOAS-SUS, dentre
outras) do Ministério da Saúde, por influencia dos gestores, e não para
necessidades locorregionais.
·
Dificuldade de participação social (de entrar na Roda de
Gestão) de alguns atores, que normalmente relacionam-se somente com seus pares.
·
Inconformação dos gestores municipais e estaduais (CIB) de
não controlarem (ou mesmo manipularem) politicamente os Pólos.
·
Burocratização do financiamento dos projetos aprovados pelo
Colegiado do Pólo, levando a um processo de liberação demorado.
·
Pouca ou nenhuma participação de conselheiros de saúde e de
representantes dos movimentos sociais.
· O novo
Ministro da Saúde- MS e Secretário da SEGETES apoiarem e manterem a Política de
EPS do SUS, e implementarem a política de formação de recursos humanos em
saúde.
·
Integração de todas as fontes de financiamento de educação
para trabalhadores em saúde e qualificação do controle social no MS e nas SES.
·
Conciliar e/ou congregar vontades, prioridades, interesses
políticos, necessidades de saúde e dos atores do “quadrilátero” da locorregião
do Pólo, para a construção de uma PEPS efetiva; uma atenção humanizada; uma
integralidade e o controle social efetivo e pleno; com ações baseadas em um
planejamento participativo, buscando a promoção comunitária locorregional e a
melhoria da qualidade de vida.
·
Melhoria da capacidade de gestão dos municípios.
·
Desenvolvimento do modelo de co-gestão de coletivos.
· A busca de
um efetivo controle social; pois este princípio do SUS e suas práticas vêm se
distanciando na práxis dos atores e dos ideais do Movimento Sanitário. Os
Conselhos de Saúde se tornaram meras instâncias burocráticas do SUS, atuando
cartorialmente na aprovação de pautas oriundas das necessidades do poder
público local e não de sua população adscrita.
·
Alguns atores do quadrilátero devem voltar-se para as
necessidades do SUS-Realidade e não para o seu SUS-Utopia.
·
Que os atores da atenção/assistência e do controle social
criem voz, espaço e participação política para decisão e construção do SUS na
arena dos PEP.
·
Desenvolvimento da Educação Permanente com base nas
realidades e processos de trabalho, vislumbrando, os nós críticos que envolvam
o quadrilátero.
· Maior
participação social dos gestores, formadores, assistencialistas e pessoas dos
movimentos sociais.
·
Maior responsabilidade social em saúde.
·
Destruição de amarras e estruturas orgânicas engessadas nos
diferentes níveis de atenção e nas três esferas de governo.
·
Racionalização “construtivista” do financiamento para
educação em saúde dos trabalhadores.
·
Otimização do financiamento, de pessoas e de tecnologias no
cenário locorregional do PEP.
· Integração
horizontal das necessidades da demanda com as da oferta de EPS.
·
Maior aproveitamento da densidade cognitiva locorregional,
para o desenvolvimento de práticas de educação permanente nos territórios de
saúde.
·
Construção do empowerment
locorregional, devido à participação social que o PEP promove e as discussões
desencadeadas nos diferentes cenários em que a EPS se constrói; além das
deliberações e definição de políticas regionalizadas.
·
Busca da efetivação dos princípios da Integralidade e do
Controle Social.
·
Qualificação do trabalho em saúde e, conseqüentemente, a
implementação da melhoria da qualidade de vida do cidadão brasileiro.
·
Possível redução das desigualdades sociais, das necessidades
de saúde e da precarização do trabalho em saúde.
Considerações...
Atualmente o cenário da Política de Educação Permanente em Saúde- PEPS
no Brasil apresenta uma arena com gladiadores divididos em dois times.
O primeiro time, vestido de uma
pele verde, amarelo, azul e branco, que luta ardorosamente pela construção,
manutenção e efetivação da PEPS, com discussões políticas e democratizante nos
diferentes rincões deste País tropical; com o intuito de resgatar a capacidade
de trabalho coletivo de gestores, cuidadores (assistenciais), formadores e dos
atores do controle social, e a inclusão social do trabalhador em saúde
brasileiro; e com isto, promover a promoção coletiva dos territórios de saúde e
uma busca da melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento da cidadania
plena. Este time luta pelo social, pelas coletividades, pela participação
popular e não pelos interesses políticos individualistas.
O segundo time, vestido de uma
couraça amorfa, busca a finalização da PEPS, por considerarem uma política
ameaçadora das estruturas orgânicas, e possivelmente, dos micropoderes
conservadores constituídos.
Sabe-se, que uma política,
principalmente de saúde, não se constrói só, e nem de forma instantânea. Uma
política leva épocas intensas de discussões, avaliações, implementações,
ajustes... Por exemplo, a NOB-SUS 01/96 e a NOAS-SUS 01/01 estão há anos
publicadas pelo Ministério da Saúde, em vigência, e até hoje buscamos sua
efetivação e regulação pelos Estados e Municípios. No Brasil, quando as
políticas são voltadas para os trabalhares, e Esta, em especial, para os
trabalhadores de saúde, normalmente ocorrem grandes embates e restrições à
mesma.
Nesta discussão fica clara a minha
devoção a PEPS, mas consigo ser imparcial para fazer-lhe uma avaliação, devido
está participando de sua construção desde antes sua publicação, com a
responsabilidade de oferecer-lhe sugestões construtivistas.
Sim, cabe a nós Cidadãos
Brasileiros lutarmos por políticas que reduzam as desigualdades sociais e
regionais, e buscarmos “o” SUS com humanização e qualidade.
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[1] Enfermeiro, Mestrando em Gestão em Saúde pela Escola de Saúde Pública do Ceará, Diretor de Assuntos Profissionais da Associação Brasileira de Enfermagem- ABEN Nacional, Docente do Curso de Graduação de Enfermagem da Universidade Estadual do Vale do Acaraú- UVA e Preceptor de Enfermagem da Residência em Saúde da Família da Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia, Sobral- Ceará, rosemironeto@gmail.com.