AS
CIÊNCIAS HUMANAS NA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CIÊNCIA BRASILEIRA
Fernanda
A. da Fonseca Sobral (UnB)
O trabalho pretende mostrar alguns elementos da política
científica e tecnológica mais recente (de 2000 para cá), procurando evidenciar
como se situam as Ciências Humanas nessa política.
A partir da análise do Plano Estratégico do MCT (2004-2007) dentro
do atual PPA, percebe-se três eixos de ação.O primeiro eixo vincula as
atividades do MCT às prioridades da política industrial, tecnológica e do comércio
exterior nas quais foram identificados quatro setores estratégicos (software,
fármacos e medicamentos, semicondutores e microeletrônica e bens de capital)
juntamente com três áreas de futuro: biotecnologia, a nanotecnologia e a
biomassa.O segundo eixo inclui os objetivos estratégicos nacionais, nos quais
são enfatizados o programa espacial, o programa nuclear, a Amazônia, o Cerrado,
o Pantanal, o Semi-Árido e a plataforma marítima brasileira.O terceiro eixo é o
da inclusão social que apóia programas e ações voltadas para a difusão
científica e tecnológica, como também a criação de centros vocacionais
tecnológicos (CVTs) cujo objetivo é garantir emprego e renda nas regiões mais
pobres do país. Nesse eixo, alguns programas se destacam como o de Tecnologias
Sociais, Arranjos Produtivos Locais, Biodiesel, Tecnologias de Habitação, de
Pesquisa em Saneamento Básico, de Incubadoras em Cooperativas Populares, de
Pesquisa em Saúde, de Desenvolvimento Local, de pesquisa em Segurança Alimentar
e Nutricional e Inclusão Digital.
Sendo assim, pode-se perceber que algumas
prioridades estratégicas do PPA anterior (2000-2003) permanecem no plano atual
como biotecnologia, saúde, programa espacial, nuclear, sociedade da informação
que têm uma importância estratégica para o país. Ao lado disso, apesar das
restrições orçamentárias e do contingenciamento de recursos dos fundos
setoriais, percebe-se um esforço de priorizar as questões sociais enquanto
temas de estudo e enquanto perspectivas de solução aos problemas sociais.
Em
trabalho ainda em andamento, realizado para a SBPC, foi realizado um mapeamento
de fontes nacionais e internacionais de financiamento à ciência e tecnologia e
de ações e ou programas de ciência e tecnologia em órgãos do governo federal,
agências reguladoras, empresas estatais, fundações estaduais de pesquisa e outras
instituições como o SEBRAE.
Essas fontes de financiamento,
programas e ou ações foram agrupadas por grandes temas mais freqüentes, tais
como: Tecnologias da Informação, Biotecnologia, Biodiversidade e Biosegurança,
Ecologia e Meio Ambiente, Energia, Agronegócios e Agricultura,Amazônia,
Petróleo, Aeroespacial, Programas de C&T para o Desenvolvimento Econômico
e Programas de C&T para o
Desenvolvimento Social.
Entre esses temas, talvez aquele que
se refere à Tecnologia da Informação seja dos mais presentes, pois além de ter
um Fundo Setorial específico (CT-Info), há uma série de programas no Instituto
Nacional de Tecnologia da Informação (Casa Civil), no MCT, em institutos
ligados ao MCT como o Centro de Pesquisas Renato Archer (CENPRA) e o IBICT
(Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia), no MEC, no
Ministério da Fazenda e ainda programas interministeriais como Sociedade da
Informação e Inclusão Digital. O Banco do Brasil também desenvolve um programa
de inclusão digital e a FAPESP apóia um programa de Tecnologia de Informação no
Desenvolvimento da Internet.
No que se refere às fontes de
financiamento de C&T para o desenvolvimento econômico, há o Fundo Setorial
Verde e Amarelo que pretende a cooperação entre universidades e empresas e
outros fundos de bancos oficiais como o PROEX (Programa de Financiamento às
Exportações) do Banco do Brasil, FNO (Fundo Constitucional de Financiamento do
Norte) do Banco da Amazônia e PMPEC (Programa de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas) do Banco do Nordeste. Pode-se também perceber uma série de programas
em desenvolvimento no MCT, na FINEP, no MDIC (Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior), na FAP-DF, na FAPESP e no SEBRAE.
Quanto a programas de C&T para o Desenvolvimento Social,
embora não haja um Fundo Setorial voltado para esse tema, há uma série de
programas e projetos desenvolvidos pelo MCT, pelo Ministério das Cidades,
Ministério da Cultura (Fundação Casa Rui Barbosa), Embrapa, Ibama, Fundação
Banco do Brasil, e, em menor proporção pelo SEBRAE, que podem ser objeto de estudo
das Ciências Humanas porém, na sua maioria, com uma dimensão de aplicabilidade.
Deve-se observar também que,
recentemente, foram publicados novos editais dos institutos do milênio, com
demanda espontânea e induzida. Entre as demandas induzidas estão fármacos e
produtos naturais; desenvolvimento e produção de novas vacinas, produtos
imunobiológicos com fins terapêuticos e diagnósticos; terapia gênica;
telemedicina; vetores de patógenos e animais nos ecótopos amazônico,
pantaneiro, do semi-árido e do cerrado; melhoramento animal e vegetal,
tradicional e transgênico; Amazônia: fauna e flora, produtos do extrativismo,
sua industrialização e comercialização; Ecossistemas (Amazônia, Pantanal e
Semi-árido); Biodiversidade Amazônica; Recursos do Mar; Aeronáutica e
Aeroespacial; Energia Nuclear; Fontes alternativas de Energia. Nanotecnologia;
Micro e Nanoeletrônica; Desenvolvimento de Softwares; e a grande novidade é a
inclusão de temas mais próximos às Ciências Sociais como Violência e Segurança
Pública, Estratificação Social e Desigualdade e Democracia e Cidadania.
Assim, os novos programas do MCT
como os Institutos do Milênio ou Tecnologias Sociais, expressam uma maior
preocupação com os temas sociais e com a questão da aplicabilidade e da
interdisciplinaridade do conhecimento. Cada vez mais se pensa em tecnologias,
contudo, também na sua dimensão social, além da econômica. Porém, ainda que
todos os Fundos Setoriais e Institutos do Milênio (que são definidos por temas
e não por áreas de conhecimento) possam apoiar projetos de pesquisas nas áreas
de Ciências Humanas, a possibilidade de um Fundo Setorial ou de programas
especiais com temáticas sociais é de grande relevância.
Mas há uma outra vertente da
política científica e tecnológica que se dá através de editais de fomento à
pesquisa do CNPq, que são menos temáticos e não necessariamente de cunho
aplicado. São os Editais Universais e os Editais de Ciências Humanas, Sociais e
Sociais Aplicadas, que têm sido uma fonte de financiamento das pesquisas na
área de Ciências Humanas, embora elas possam ser também financiadas nos outros
editais.
A análise dos editais de fomento do
CNPq de 2000 a 2004 permite verificar que os editais universais, que apóiam
todas as áreas de conhecimento, dispunham de uma maior proporção de recursos
aprovados nos anos de 2000 e 2001 (81% e 59% dos valores totais aprovados) que
foi se reduzindo ao longo dos anos (38% e 48% em 2003 e 2004), à medida que
foram surgindo outros editais induzidos, temáticos e mais aplicados alguns
vinculados aos Fundos Setoriais ou editais mais relacionados a determinadas
áreas. No entanto, há um crescimento da proporção dos valores aprovados dentro
do próprio edital, passando de 11% em 2000 a 21% em 2004. Já os Editais de
Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, que representavam um avanço no
financiamento da pesquisa dessas áreas, no cômputo geral do fomento do CNPq,
tiveram apenas 2% dos valores aprovados em 2003 e 2004.
Passando à uma análise mais
específica das grandes áreas nos editais universais constata-se que as Ciências
Humanas tiveram 16%, 31% e 23% dos seus projetos aprovados na área, crescendo
bastante em 2004 atingindo 53% em 2004. Porém, no total das áreas não acontece
esse mesmo crescimento, pois oscila entre 7% e 9% de aprovação de projetos e
entre 8% e 5% em relação aos valores totais aprovados, cabendo observar que as
menores porcentagens de valores aprovados pelas Ciências Humanas nos Editais
Universais aconteceram nos anos 2003 e 2004 quando foram lançados os Editais de
Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas.Entre as Ciências Humanas que tiveram
projetos e valores aprovados nos Editais Universais, destaca-se a Educação
tanto em proporção de projetos como de valores aprovados. Por outro lado, os
menores índices estão com a Teologia e Filosofia. Entre as Ciências Sociais, a
Ciência Política é a que tem menores proporções e a Sociologia, as maiores. Porém,
analisando-se todas as grandes áreas nos Editais Universais, a menor proporção
de projetos aprovados em relação ao total se verificou nas áreas de
Lingüística, Letras e Artes. Já as maiores proporções foram constatadas nas
Ciências Exatas e da Terra em 2000 e 2004 e nas Ciências Biológicas em 2001 e
2003.
Quando se passa a analisar os dados
referentes aos Editais específicos de Ciências Humanas, Sociais e Sociais
Aplicadas evidencia-se que várias disciplinas não pertencentes à grande área
tiveram seus projetos negados tais como Ecologia, Educação Física, Medicina,
Geociências, Ciência da Computação, etc, expressando as dificuldades da
interdisciplinaridade nesse tipo de fomento. Em 2003, os projetos das áreas de
Museologia e Economia Doméstica foram totalmente aprovados, embora apenas 13%
dos recursos tenham sido concedidos. Em 2004, um único projeto da área de
Ciências foi aprovado com 85% dos recursos solicitados. Porém, tanto num caso
como no outro, os projetos e os valores aprovados representam menos da 1% no
total do edital.Também em 2003 e 2004, foi a Psicologia que teve a maior
proporção de projetos aprovados no total do edital de Ciências Humanas, Sociais
e Sociais Aplicadas (16% e 13%), embora no que se refere a valores, a Educação
(15% e 16%) tenha tido uma posição superior à da Psicologia (11%).No que se
refere às Ciências Sociais, especificamente a Sociologia teve 7% dos seus
projetos aprovados e 8% dos valores no total do edital. A Antropologia situou
entre 4% e 5% tanto nos projetos como nos valores aprovados e a Ciência Política
entre 5% e 3%, a mesma tendência já apresentada nos Editais Universais.
Pode-se então concluir que os temas
sociais, objetos privilegiados de estudos das Ciências Humanas, têm sido
considerados pela política científica e tecnológica recente, tanto através de
programas e ações específicas do MCT como através dos editais universais e de
ciências humanas, sociais e sociais aplicadas. No entanto, os projetos
financiados e, sobretudo os valores financiados, ainda são reduzidos em relação
à demanda do campo científico. Percebe-se uma pulverização dos recursos, como
também uma certa fragmentação das ações. Mas a visão panorâmica dessa política
permite afirmar o desenvolvimento de um “modelo misto de produção do
conhecimento” (Sobral e Trigueiro) no qual a produção do conhecimento pode
atender às necessidades do campo científico, isto é, à lógica de acumulação do
conhecimento, mas também às prioridades do campo social e econômico, sem
esquecer que a autonomia da ciência não é incompatível com os objetivos econômicos
e sociais do país.