RISCOS NATURAIS E ANTÓPICOS NA ZONA COSTEIRA

 

Fábio Perdigão Vasconcelos

Universidade Estadual do Ceará – UECE

Mestrado Acadêmico em Geografia

perdigão@uece.br

 

Introdução

            Segundo dados da ONU através da UNESCO aproximadamente 2/3 da população mundial vive atualmente a menos de 50 Km do mar. Essa faixa de terra litorânea correspondente a menos de 2% do território terrestre abriga uma população de um pouco mais de 4 bilhões de pessoas, agrupadas em sua maioria em centros urbanos de médio e grande porte.

             Essa população litorânea disputa um mesmo espaço geográfico para as mais diversas atividades e finalidades, entre elas, a habitação, a indústria, o comércio, o transporte, a agricultura, a pesca, o lazer e o turismo. Torna-se natural que, em um espaço restrito pelo adensamento populacional, grupos distintos disputem uma mesma área para atividades diferentes, muitas vezes conflitantes e até mesmo antagônicas. A ocupação desse espaço concorrido está entre as principais causas de riscos ambientais na zona costeira.

Os litorais são, naturalmente, frágeis devido a sua complexa dinâmica ambiental na qual os elementos atuantes como os ventos, as correntes, as ondas e as marés têm parâmetros de atuação variáveis, que na maioria das vezes estão em equilíbrio. A ocupação humana de forma desordenada dessas regiões ocasiona o rompimento do equilíbrio dinâmico reinante, com conseqüências e impactos sempre negativos ao ambiente costeiro.

Associados aos riscos antrópicos estão os riscos naturais, caracterizados por forças endógenas e exógenas da zona costeira, como terremotos, deslizamentos de terra e cataclismos atmosféricos que causam transformações rápidas e potentes nessas regiões.

Riscos Naturais

            Os riscos ambientais naturais na zona costeira estão ligados principalmente a fatores geológicos, climáticos e à dinâmica costeira. Os geológicos são devidos em primeiro lugar aos terremotos de causas ligadas a falhas geológicas ou à acomodação de camadas, ou deslizamento de terreno que podem modificar a configuração do litoral. Alguns desses fenômenos, quando ocorrem em áreas submersas, trazem riscos potencialmente elevados de gerarem ondas de grande energia e de alto poder destrutivo, como os Tsunamis ocorridos no sudeste asiático em episódios relativamente freqüentes.

Os riscos devidos a fatores climáticos estão associados a eventos de curta ou de longa duração. Tempestades, furacões, tormentas e ressacas são de curta duração, com efeitos devastadores em função da potência de sua força geradora. Os de longa duração,  mais importantes, estão ligados ao eustatismo climático, produto de períodos intercalados de glaciações e interglaciações que alteram o nível médio dos oceanos, provocando transgressões e regressões marinhas. Essas variações são responsáveis pelas feições atuais da zona costeira.

Atualmente estamos em um período de transgressão marinha, com elevação média do nível do mar da ordem de 30 cm no último século. Sem esquecer que nesse caso, mesmo se tratando de um fenômeno de grande magnitude em que os processos de ocorrência não estão bem explicados pela ciência, temos cada vez mais a convicção de que os fatores antrópicos estão contribuindo para acelerar a velocidade de elevação do nível médio dos oceanos no globo terrestre.

A poluição atmosférica através do aumento do teor de CO2 de 245 ppm em 1850 para 350 ppm atualmente é, provavelmente, o maior responsável pelo aumento da temperatura média global em 0,7° C no mesmo período. Temperaturas mais elevadas têm como conseqüência o aumento do degelo das camadas polares e em conseqüência um aumento na velocidade de elevação do nível dos mares.

Os riscos associados à dinâmica costeira se fazem sentir pelo modelamento do litoral em função da ação das correntes, ondas, marés e pela atuação dos ventos que constroem ou destroem ambientes litorâneos, como praias, dunas e falésias.

As correntes de deriva litorânea são responsáveis pela manutenção do equilíbrio dinâmico das praias; verdadeiros rios de areia se locomovem suavemente na planície costeira. Os ventos são naturalmente impulsionadores de sedimentos para edificação de dunas, utilizando estoques sedimentares das zonas de estirâncio e de berma das praias. As ondas associadas às variações de marés são responsáveis pelo trabalhamento das formas litorâneas notadamente das falésias, ambientes em processo natural de recuo pela erosão.

Riscos antrópicos

A corrida da população em busca do litoral a partir da metade do século XX provoca processos e fenômenos de grande impacto no ambiente natural e na própria população. O processo de superpopulação no litoral é conseqüência da ocupação desordenada do espaço costeiro por fluxos migratórios de pessoas não identificadas com a tradição e os costumes da zona litorânea. Essa superpopulação produz grandes centros urbanos localizados à beira mar. São cidades com forte densidade demográfica dotadas de um metabolismo próprio: consomem água, alimento e energia não produzidas localmente. E produzem dejetos como lixo e esgoto que devem ser retirados do próprio local. Os fluxos de matéria e energia e a produção de dejetos são responsáveis por transformações do espaço geográfico característico das cidades.

A zona costeira, alvo preferencial das grandes cidades, tem sua dinâmica ambiental fortemente perturbada pela ocupação antrópica. Os campos de dunas são ocupados, a vegetação pioneira é totalmente devastada, as margens dos rios são ocupadas, e a poluição do solo e dos recursos hídricos é uma constante neste novo ambiente litorâneo.

As atividades antrópicas exigem a construção de obras costeiras como portos e marinas que alteram profundamente o equilíbrio dos processos do transporte de sedimentos na zona litorânea. É comum encontrar nos grandes centros urbanos, praias completamente erodidas e obras de contenção das ondas como enrocamentos e espigões para proteger a cidade da energia das ondas.

A migração populacional ocorre também em direção aos pequenos núcleos de pescadores, que tornam-se alvo das populações economicamente mais ricas que buscam esses lugares para instalação de segundas residências. Esse fenômeno é um processo mundial que teve início nas primeiras décadas do século XX e se consolidou após a Segunda Grande Guerra. No Brasil, tornou-se quase natural a partir das décadas de 1960 e 1970. Esse processo de antropização provoca um primeiro impacto, ou seja, o fenômeno de descaracterização do litoral através da não-litoralização das populações exógenas que não adquirem os hábitos espontâneos tradicionais do local no que diz respeito à pesca, à maricultura, ao artesanato e à culinária. Vale ressaltar que essa população “invasora” detém o capital e a riqueza e  o crescimento demográfico passa a interferir impondo ao local seus costumes estrangeiros. Temos então o início de um segundo impacto antrópico, ou seja, uma deslitoralização da população endógena e nativa. A principal forma desse impacto faz-se sentir pela mudança de profissões locais: os filhos de pescadores já não querem mais pescar, preferindo o trabalho de vigia, caseiro ou jardineiro nas grandes mansões que ali foram edificadas. As filhas de rendeiras e bordadeiras e demais artesãs preferem o trabalho de doméstica, babá ou faxineira. Esse quadro se agrava profundamente quando o lugar litorâneo passa de lugar de veraneio a lugar de turismo. A oferta de empregos como garçom, copeira, arrumadeira, cozinheira, em equipamentos turísticos, afasta ainda mais a população local de sua vocação marítima. Não somos contrários ao desenvolvimento econômico dessas pequenas localidades litorâneas; mas também não somos favoráveis a um modelo de ocupação que descaracteriza a cultura e a tradição da população costeira.

Algumas experiências de desenvolvimento com respeito à identidade local estão em marcha em algumas praias do litoral do Estado do Ceará, como é o caso da Prainha do Canto Verde, das praias de Batoque e Redonda. Nessas localidades foi possível instalar um modelo de desenvolvimento do turismo que muito se aproxima do utópico desenvolvimento sustentável.

A deslitoralização da população representa uma grande perda para os costumes e tradições populares. No caso do Estado do Ceará, observa-se com freqüência a diminuição da oferta de produtos da pesca artesanal e uma massificação do comércio local com produtos pouco representativos do trabalho artesanal. Observa-se muitas vezes a presença de produtos importados de países como Taiwan, Coréia e China em meio a produtos locais.

Outra atividade que oferece grande risco à estabilidade bioambiental da zona costeira é o avanço da carcinicultura, principalmente no nordeste brasileiro. Essa atividade produz riqueza econômica, gera emprego e renda, mas não tem conciliado a alta produtividade com a preservação ambiental. A utilização indiscriminada de áreas de mangue e de zonas inundáveis, como os denominados ‘apicuns’, além de ilegais, tem provocado forte impacto pela ameaça à estabilidade das espécies costeiras, quando diminuem sensivelmente áreas de berçário de diversas espécies de peixes, moluscos e crustáceos. Outro grave impacto é o acúmulo de um excedente de matéria orgânica nos tanques de produção de camarão, tornando a água superfertilizada e adubada, que no momento da despesca é lançada sem nenhum tratamento nos cursos d’água. O lançamento desses resíduos orgânicos desencadeia processos bioquímicos que consomem o oxigênio dissolvido na água para a decomposição da matéria orgânica, provocando redução ou morte dos organismos aquáticos dos rios e riachos que recebem esses poluentes.

A riqueza da carcinicultura tem provocado a pobreza dos pescadores artesanais das zonas estuarinas do litoral do nordeste brasileiro. Outro impacto do uso excessivo de áreas para a carcinicultura é a redução da biodiversidade das águas marinhas com prejuízo para a pesca litorânea. O que representa mais um prejuízo causado pela ocupação antrópica da zona costeira.