A ATENÇÃO
AO ALUNO QUE SE DESTACA POR UM POTENCIAL INTELECTUAL SUPERIOR
EUNICE M. L. SORIANO DE
ALENCAR
Universidade Católica de
Brasília, Brasília, DF
Observa-se,
no cenário internacional, um interesse crescente em atender de forma
diferenciada os alunos que se destacam por um desempenho acadêmico ou potencial
intelectual superior. Em países de distintos continentes, propostas
educacionais vêm sendo implementadas, paralelamente à disseminação de
informações relevantes a respeito de altas habilidades e condições que
favorecem o seu reconhecimento, desenvolvimento e expressão. As propostas, em
prática, refletem políticas educacionais que oferecem orientações para a ação,
proporcionando o apoio à educação do superdotado
Entre os
fatores que têm contribuindo para uma atenção crescente ao aluno que se destaca
por um potencial superior, poder-se-ia citar o reconhecimento que vem ocorrendo
em distintos países, tanto do oriente quanto do ocidente, das vantagens para a
sociedade que possibilita aos estudantes mais capazes e talentosos a realização
de suas potencialidades. Wu (2000), por exemplo, destaca que o interesse por
esta área em Taiwan, surgiu do reconhecimento de que uma ilha com poucos
recursos naturais, como é o caso daquele país, necessita desenvolver de forma
intensa os seus recursos humanos e, entre estes, devem receber uma atenção
diferenciada aqueles alunos que se sobressaem pelo potencial intelectual
superior, com maiores chances de contribuir para o desenvolvimento daquele
país. Também Gallagher (2000), ao justificar o interesse continuado pela
educação do superdotado nos Estados Unidos, faz referência a um documento do
Departamento de Educação desse país – America
2000 – no qual é apontada a necessidade de um largo contingente de
indivíduos altamente talentosos, para que os Estados Unidos possam manter a sua
liderança na indústria, educação superior, ciências, entre outras áreas, no
presente século.
Um outro
fator que tem também contribuído de forma significativa para ampliar o
interesse pelo superdotado é a maior comunicação entre educadores e
especialistas de diferentes países, que vêm se organizando em distintas
associações, como o Conselho Mundial para o Superdotado e Talentoso, Eurotalent,
Conselho Europeu para Alta
Habilidade, e no Brasil, o Conselho Brasileiro para Superdotação, criado
recentemente. Esses conselhos vêm desempenhando o papel fundamental de alertar
as autoridades educacionais da necessidade de políticas direcionadas à educação
do superdotado, além de contribuir em programas de formação de professores e
para a ampliação de possibilidades de atenção diferenciada ao aluno que se
destaca por um potencial superior.
No Brasil,
os superdotados constituem um grupo que é pouco compreendido e neglicenciado.
Há poucos programas direcionados para atender suas necessidades e favorecer o
seu desenvolvimento. Da mesma forma que a instituição escolar não está
devidamente preparada para maximizar o potencial de aprendizagem e
adaptabilidade de alunos que apresentam um atraso no seu desenvolvimento, o
mesmo ocorre com relação àqueles que se destacam por um potencial superior, que
apresentam inteligência ou criatividade excepcionalmente elevadas. Observa-se
inclusive resistência à implementação de um atendimento diferenciado ao
superdotado, fruto de uma série de idéias falsas sobre o mesmo.
Uma dessas
idéias é a supervalorização de fatores genéticos, colocando-se em segundo plano
o papel do ambiente para o desenvolvimento de habilidades e competências. Tal
idéia seria responsável pela consideração do superdotado como um privilegiado,
que apresentaria recursos intelectuais inatos superiores, considerando-se
injusto e anti-democrático oferecer-lhe mais privilégios sob a forma de
participação em programas educacionais especiais, nos quais os demais alunos
seriam excluídos. Observa-se também resistência a propostas de implementação de
programas especiais para o superdotado, com o argumento de que seria um absurdo
investir nesta área, quando se tem um contingente significativo de analfabetos
e portadores de necessidades educacionais especiais, nas áreas visual, auditiva
ou física, que permanecem sem um atendimento especializado. Estas e outras
idéias estão profundamente enraizadas no pensamento popular, fruto de preconceito
e tradição, interferindo e dificultando a implantação de programas educacionais
para o talento intelectual. Nota-se que o mesmo não ocorre nas áreas musical,
artística ou de esportes, nas quais se considera perfeitamente adequado
propiciar a talentos artísticos ou em esportes, como futebol ou voleibol,
oportunidades para desenvolvimento e aprimoramento de habilidades necessárias a
um desempenho de alto nível.
No Brasil,
especialmente nas duas últimas décadas, vários documentos do Governo Federal
têm apresentado as políticas referentes à educação do aluno superdotado e
talentoso. Um deles, “A Hora do Superdotado. Uma Proposta do Conselho Federal
de Educação”, foi publicado em 1987. Mais recentemente, em 1995, a Secretaria
de Educação Especial do Ministério da Educação publicou novo documento,
apresentando as políticas educacionais ao nível federal e diretrizes para a
educação do aluno superdotado e talentoso, tendo, no mesmo sido introduzido o
termo “altas habilidades”, que passou também a ser utilizado para se referir ao
aluno superdotado (Secretaria de Educação Especial, Ministério da Educação,
1995). Entretanto, conforme apontam Alencar (1993) e Alencar e Fleith (2001),
constata-se uma profunda distância entre a política educacional proposta pelo
Ministério da Educação e a prática no país. Esta distância pode ser explicada
pelas idéias preconcebidas a respeito do superdotado, uso inadequado de
recursos, valores e atitudes negativas em relação a programas especiais, a par
de falta de competência e compromisso daqueles responsáveis pela implementação
de políticas educacionais.
É
relevante apontar que o termo “superdotado” deixa a desejar e pode sido
criticado, especialmente em função do prefixo “super”, que gera uma expectativa
de desempenho ou rendimento acadêmico excepcionalmente alto. Entretanto, mesmo
em países, como os Estados Unidos, em que o termo utilizado é gifted e não supergifted, o mesmo tem sido rejeitado por muitos educadores, os
quais preferem os termos “talento” ou “crianças/jovens com um desempenho
excepcional”, entre outros, de forma similar ao que vem ocorrendo em países
europeus, nos quais “alta habilidade” ou “aluno altamente capaz” vêm sendo
adotados nos documentos oficiais relativos às políticas educacionais voltadas
para a educação do aluno que se destaca por um potencial intelectual superior.
É
importante divulgar no país o que vem ocorrendo no cenário internacional, no
que diz respeito à educação do aluno com altas habilidades, especialmente entre
aqueles responsáveis pela implementação de políticas educacionais. Neste
sentido, apresento as tendências atuais, identificadas com base na participação
em congressos e na análise de publicações na área, incluindo livros e
periódicos, como Gifted Education
International e Gifted Child
Quarterly:
(a) Expansão da clientela atendida.
Classes e
escolas especiais, programas de verão – especialmente em universidades, nas
quais são oferecidos cursos em áreas diversas, competições e olimpíadas,
programas de enriquecimento sob a forma de atividades extra-curriculares na
escola ou fora dela, programas para talentos específicos supervisionados por
mentores, são algumas das propostas educacionais para o superdotado em vigor em
diferentes países, para crianças e jovens desde a pré-escola até o ensino
superior.
(b) Investimento
na formação de professores.
Para
atender de forma adequada o aluno com altas habilidades, além de apresentar um
conjunto de atributos desejáveis ao docente, como versatilidade de interesses,
criatividade, experiência de ensino e alto nível de preparação, também
indispensável é uma formação voltada para esta clientela específica.
(c) Implementação
de uma confluência de abordagens, que permitam uma aprendizagem acelerada e
experiências de enriquecimento em áreas diversas.
Entre as modalidades de programas
mais utilizadas, destacam-se a aceleração e enriquecimento. A primeira
caracteriza-se por possibilitar ao aluno cumprir o programa escolar em menos
tempo ou iniciar mais cedo o seu programa escolar. Por outro lado, o
enriquecimento pode ser implementado pela inclusão de novas unidades de estudo,
investigação mais ampla a respeito dos tópicos previstos no currículo,
utilizando o aluno um maior número de fontes de informação, ou desenvolvimento
de projetos originais a respeito de tópicos de interesse do aluno, sob a
orientação do professor. O enriquecimento pode ser levado a efeito tanto na
própria sala de aula como por meio de atividades extra-curriculares.
(d) Reconhecimento
crescente de que as necessidades do superdotado passam pelas áreas cognitiva,
afetiva e social, a serem levadas em conta nas propostas educacionais.
Considera-se que, em programas
para alunos superdotados, deve-se promover um ambiente que tanto favoreça o seu
ajustamento emocional, como atenda as suas necessidades sociais. Isto vem
refletindo nas metas propostas em programas em vigor, cujos objetivos
extrapolam a área cognitiva.
(e) Reconhecimento
da relevância de se preparar o aluno para a produção do conhecimento por meio
de práticas que envolvam o pensamento crítico e criativo, paralelamente ao
cultivo de um conjunto de traços de personalidade, como persistência,
autoconfiança e independência de pensamento, indispensáveis a uma melhor
expressão do potencial superior.
É necessário divulgar entre
educadores o enorme desperdício de talento e potencial humano em nosso país,
decorrente das possibilidades limitadas oferecidas ao desenvolvimento e
expressão da inteligência, criatividade e talento, de expressivo contingente de
estudantes, especialmente daqueles de famílias de baixo poder aquisitivo. É
inegável que uma boa educação para todos não significa uma educação idêntica
para todos. Por esta razão, deve o professor estar atento no sentido de
propiciar uma educação de boa qualidade, levando em conta as diferenças
individuais e encorajando o desenvolvimento de talentos, competências e
habilidades diversas.
Alencar, E. M. L. S. (1993). Brazilian policies and the education of the gifted. Trabalho apresentado na X Conferência Internacional
do Conselho Mundial para o Superdotado e Talentoso. Toronto, Canadá.
Alencar, E. M. L. S. & Fleith, D. S. (2001). Superdotados: determinantes, educação e ajustamento. São Paulo: EPU.
Gallagher, J. J. (2000). Changing
paradigms for gifted education in the United States. Em K. A. Heller, F. J.
Monks, R. J. Sternberg & R. F. Subotnik (Eds.), International handbook of giftedness and talent (2nd
ed., pp. 581-694). Oxford: Elsevier.
Secretaria de Educação Especial. Ministério da Educação (1995). Diretrizes gerais para o atendimento
educacional aos alunos portadores de altas habilidades/superdotação e talentos. Brasília; MEC/SEESP.
Wu, W. T. (1993). Gifted policies in Taiwan. Gifted Education international, 14, 59-65.