ATENDIMENTO E ACOMPANHAMENTO AO SUPERDOTADO E SUA FAMÍLIA: A
EXPERIÊNCIA DO DISTRITO FEDERAL
DENISE DE
SOUZA FLEITH
Universidade
de Brasília, Brasília, DF
No cenário internacional, maior consciência da necessidade
de se investir em programas para os alunos que apresentam talentos especiais se
fez notar nas últimas décadas. No Brasil, novos programas para alunos
superdotados surgiram e outros foram substancialmente reformulados. Em 1975,
teve início o Programa de Atendimento ao Aluno Superdotado e Talentoso da
Secretaria de Educação do Distrito Federal. O objetivo deste programa é
oferecer oportunidades para o desenvolvimento do potencial e habilidades dos
alunos identificados, promover o seu desenvolvimento social e ajustamento
escolar, expor o aluno a experiências, materiais e informações que extrapolam o
currículo regular e apresentar ao aluno conteúdos acadêmicos mais avançados e
desafiadores. Há cerca de cinco anos atrás, este programa foi reformulado de
forma a se manter sintonizado com as novas definições de superdotação e
propostas de práticas psicoeducacionais de atendimento ao aluno superdotado.
Neste sentido, o referencial teórico adotado pelo programa na definição de
superdotação passou a ser o Modelo dos Três Anéis proposto por Renzulli (1978,
1986, 1988). Este modelo oferece uma visão de superdotação como resultado da
interação de três fatores: habilidade acima da média, envolvimento com a tarefa
e criatividade. Habilidade acima da média envolve tanto habilidades gerais como
processamento de informações, integração de experiências que resultam em
respostas adaptativas e apropriadas a novas situações e capacidade de
pensamento abstrato (ex.: pensamento espacial, memória e fluência de palavras),
quanto habilidades específicas, que consistem na capacidade de adquirir
conhecimento e habilidade para atuar em uma ou mais atividades de uma área
especializada (química, matemática, fotografia e escultura, por exemplo).
O segundo
anel, envolvimento com a tarefa, diz respeito à motivação envolvida na execução
da atividade ou resolução de um problema.
Assim, o indivíduo envolvido com a tarefa pode ser descrito como
perseverante, dedicado, autoconfiante, esforçado e trabalhador. O terceiro
anel, criatividade, envolve fluência, flexibilidade e originalidade de
pensamento, abertura a novas experiências, curiosidade, sensibilidade a
detalhes e ausência de medo em correr riscos. Renzulli (1986) defende a idéia
de que deve haver uma mudança no enfoque das definições de superdotação de “ser
ou não ser superdotado” para “desenvolver comportamentos de superdotação”.
Assim, a visão de superdotação como um fenômeno inato e cristalizado deve ser
substituído por uma visão mais dinâmica e flexível, levando-se em consideração
a importância da interação entre indivíduo e ambiente no desenvolvimento de
comportamentos de superdotação (Fleith, 1999). É importante assinalar que este
modelo vem ao encontro das diretrizes para a educação do superdotado e
talentoso recomendadas pelo Ministério da Educação.
O Programa de Atendimento
ao Aluno Superdotado e Talentoso da Secretaria de Educação do Distrito Federal
atende, atualmente, cerca de 900 alunos da educação infantil ao ensino médio
oriundos de escolas públicas e particulares. Eles freqüentam a sala de recursos
de uma a duas vezes por semana, durante 4 horas diárias, em horário contrário
ao de sala de aula regular. Trata-se de um programa de enriquecimento
curricular implementado em diversas regiões administrativas do Distrito
Federal. Um ou dois professores treinados na área são responsáveis pelo
planejamento e condução das atividades com os alunos (Magalhães, 2001). Estas
atividades são implementadas com base no Modelo de Enriquecimento Escolar e
incluem três tipos de enriquecimento (Renzulli, 1994; Renzulli & Reis,
1997).
O Enriquecimento
do Tipo I consiste em atividades exploratórias gerais que vão expor os alunos a
novos e interessantes tópicos, idéias e campos do conhecimento que normalmente
não fazem parte do currículo regular, mas que são do interesse deles. Este tipo
de enriquecimento é implementado através de uma variedade de procedimentos,
tais como palestras, excursões, demonstrações, exposições, mini-cursos, visitas
e do uso de diferentes materiais audiovisuais como filmes, programas de
televisão, internet, slides etc. No Enriquecimento do Tipo II são utilizados
métodos, materiais e técnicas instrucionais que contribuem no desenvolvimento
de níveis superiores de processos de pensamento (analisar, sintetizar e
avaliar), de habilidades criativas e críticas, nas habilidades de pesquisa (por
exemplo, como conduzir uma entrevista, analisar dados e elaborar um relatório),
de busca de referências bibliográficas e processos relacionados ao
desenvolvimento pessoal e social (habilidades de liderança, comunicação e
autoconceito positivo). O objetivo
deste tipo de enriquecimento é desenvolver nos alunos habilidades de “como
fazer”, de modo a instrumentá-los a investigar problemas reais usando
metodologias adequadas à área de conhecimento de interesse dos alunos. O
Enriquecimento do Tipo III consiste de atividades nas quais os estudantes se
tornam investigadores de problemas reais, usando metodologias apropriadas Tais
atividades proporcionam aos estudantes oportunidades de aprofundamento em uma
área do interesse e desenvolvimento de produtos autênticos. Os estudantes se
tornam produtores de conhecimento ao invés de meros consumidores da informação
existente.
Em
síntese, estas atividades visam fornecer aos jovens oportunidades máximas de
auto-realização por meio do desenvolvimento e expressão de áreas de desempenho
onde o potencial superior pode estar presente, considerando interesses,
habilidades e estilos de aprendizagem e expressão. Para implementação do modelo
de enriquecimento escolar, os professores do programa participam de cursos de
capacitação e aperfeiçoamento ministrados por professores da Universidade de
Brasília.
O encaminhamento de alunos
ao programa da Secretaria de Educação do Distrito Federal ocorre após a realização
de uma avaliação psicológica. Crianças ou adolescentes que parecem apresentar
um potencial superior são indicados para avaliação geralmente pela escola ou
família. A avaliação é realizada por psicólogos especializados na área de
superdotação. Busca-se utilizar múltiplos critérios no processo de
identificação e avaliação de alunos superdotados e talentosos, considerando-se
informações obtidas das fontes as mais variadas, incluindo tanto a própria
criança, como seus professores, pais e colegas. Esta avaliação envolve
aplicação de instrumentos psicométricos, como testes de inteligência, de
habilidade psicomotora, de personalidade, entre outros, atividades de
criatividade, jogos, entrevistas de anamnese e devolutiva com os pais. São
necessárias cerca de oito sessões de avaliação. O psicólogo, ainda, orienta,
esclarece e informa aos pais sobre a definição, características e traços mais
freqüentemente associados a superdotação. Na maioria das vezes, o psicólogo
visita a escola do aluno e mantém contato com o professor do ensino regular.
Com base nos resultados da avaliação, o aluno pode ser encaminhado, ou não,
para o Programa da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Algumas
avaliações não são conclusivas. Por isso, o aluno é encaminhado ao programa,
participa das atividades propostas, porém fica sob observação durante 2 a 3
meses. Após este período, psicólogos e professores decidem, após estudo do
caso, se o aluno deve permanecer ou não no programa. Todo este processo é
explicado antecipadamente aos pais. É importante salientar que os psicólogos
responsáveis pela avaliação desses alunos recebem orientação de especialistas
do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.
Observou-se,
ainda, a necessidade de envolver a família no processo de desenvolvimento
cognitivo e afetivo do superdotado. Geralmente
os pais se sentem confusos com relação ao papel que devem desempenhar a fim de
estimular as habilidades de seus filhos em função da (a) ausência de informação
acerca das características e necessidades do superdotado, (b) falta de
apoio da sociedade aos serviços de identificação e estimulação dessa clientela,
(c) falta de informações sobre recursos, programas e serviços disponíveis para
o superdotado, (d) recursos
financeiros limitados para implementação de serviços para superdotados, (e)
hostilidade encoberta por parte da sociedade àqueles que apresentam um
potencial superior, (f) expectativas conflitantes com relação ao desempenho do
filho (Colangelo & Assouline, 2000;
Silverman, 1993). Assim, com o objetivo de oferecer aos pais um espaço para
discussão de informações sobre superdotação, troca de experiências e orientação
de estratégias a serem implementadas no contexto familiar foi implantado, em
2002, o Serviço de Atendimento Psicoeducacional a Pais de Alunos Superdotados e
Talentosos (Fleith & Guimarães, no prelo). Este serviço é fruto de
uma parceria entre a Secretaria de Educação e o Instituto de Psicologia da
Universidade de Brasília. Nove
encontros são realizados com os pais e os tópicos discutidos são mitos sobre
superdotação, desenvolvimento sócio-emocional do superdotado, a família do
superdotado, a importância dos limites, estimulação da criatividade e do
autoconceito. A metodologia utilizada neste serviço envolve leitura e
discussão de textos, relato de experiências, dinâmicas de grupo, grupo de
discussão, estratégias psicoeducacionais e discussão de vídeos. É organizado, ainda, um ciclo de palestras
para pais sobre assuntos relacionados a superdotação e áreas afins. Cerca de 35
famílias já participaram dos encontros e 90 assistiram às palestras.
Apesar do
interesse crescente pelo fenômeno da superdotação, nota-se que, na sociedade
brasileira, ainda é limitado o conhecimento acerca das características e
necessidades do aluno superdotado, dando margem ao florescimento de mitos sobre
esse aluno. Como conseqüência, são poucos os programas e serviços disponíveis
para essa clientela e muitos os casos de alunos superdotados diagnosticados
inadequadamente (Alencar & Fleith, 2001). Por isso, é fundamental que psicólogos e educadores recebam uma boa
formação na área que lhes permita estabelecer diagnósticos diferenciais,
encaminhar os alunos a serviços apropriados e implementar práticas educacionais
compatíveis com as necessidades do aluno superdotado. Para isso, é essencial
que as definições e referencias teóricos que orientam a prática do psicólogo e
educador sejam revistas continuamente à luz das pesquisas desenvolvidas na
área. Finalmente, uma parceria entre família e escola é desejável com vistas a
otimizar o potencial superior apresentado por estes alunos.
Referências
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