DESENVOLVIMENTO DA APICULTURA COM ABELHAS AFRICANIZADAS NO BRASIL E SUA EXPANSÃO NO NORDESTE

 

Prof. Dr. Lionel Segui Gonçalves-

FFCLRP-USP - Departamento de Biologia

Ribeirão Preto-SP -Br.asil

(lsgoncal@usp.br)

 

Prof. Dr. David De Jong

FMRP-USP – Departamento de Genética

(ddjong@fmrp.usp.br)

 

Passados quase cinqüenta anos da introdução das abelhas africanas no Brasil, ocorrida em 1956, constata-se que houve, nesse período, até os dias atuais, uma significativa mudança para melhor na situação da apicultura brasileira, tanto visto do ponto de vida social como econômico e tecnológico. No entanto, apesar do grande progresso que notamos nos dias de hoje, é interessante lembrarmos que a apicultura brasileira passou por importantes fases,  difíceis e polêmicas, caracterizadas por impactos negativos e positivos, que se intercalaram ao longo dos anos. Nesse sentido podemos dividir a historia da apicultura brasileira basicamente  em três etapas distintas, a saber: a primeira etapa ou “período de implantação”, que corresponde ao período entre 1839 a 1955 e que ,portanto,  antecede a chegada das abelhas africanas (Apis mellifera scutellata) ao Brasil em 1956. Esta  primeira fase  corresponde ao início da exploração da apicultura brasileira pelos colonizadores e é alicerçada nas tecnologias européias, em especial alemã, destacando-se sua influência principalmente no sSul do Brasil onde se instalaram várias famílias de alemães. Nesse período as atividades apícolas eram ainda de pouca expressão no cenário agrícola nacional e as pessoas desenvolviam a apicultura mais como hobby ou como uma atividade secundária que, aos poucos, se expandiu para o Sudeste brasileiro e demais regiões. No entanto, a produção de mel do Brasil na década de 50 , que oscilava ao redor de 5 mil toneladas/ano,  era muito pequena na década de 50 comparada com a produção de países vizinhos como a Argentina, apesar do do excelente clima tropical brasileiro e da  e rica excelente flora apícola do Brasil ser, fatoresem propícios à  exploração da apicultura. Tal fato chamou a atenção de algumas autoridades brasileiras, tendo o geneticista Prof. Warwick E. Kerr sido convidado para analisar o problema com o objetivo de se aumentar a produção nacional de mel. Assim, após uma revisão bibliográfica  na literatura sobre a produtividade de várias raças de abelhas,  o Prof. Kerr dirigiu-se à África em 1956 e, após constatar a alta produtividade das abelhas africanas (Apis mellifera scutellata), decidiu introduziríi-lasr no Brasil as abelhas africanas Apis mellifera scutellata, tendo programado  com o objetivo de se fazer uma seleção para reduzir a agressividade daquelas abelhas, porém mantendo a sua produtividade. Iniciou-se , iniciando-se então a segunda etapa da história da apicultura brasileira,, que vai de 1956 até  aproximadamente 1970. Devido a retirada acidental por um apicultor  das telas excluidoras de rainhas da frente das colmeiascolméias, ocorreu a liberação acidental das abelhas africanas que estavam em quarentena em uma cultura de eucalipto no Horto de  Camacuan, Município de Rio Claro-SP. Com isso  iniciou-se o cruzamento dessas abelhas com as abelhas européias (Apis mellifera mellifera, Apis mellifera ligustica, Apis mellifera carnica ) que já haviam sido introduzidas anteriormente no Brasil, iniciando-se assim o “período de  africanização” dos apiários e das colônias selvagens que se encontravam na natureza.. Esta segunda etapa ficou caracterizada principalmente pela série de acidentes ocorridos devido a elevada agressividade das abelhas africanas. A total falta de conhecimento da biologia e comportamento das abelhas africanas, bem como a inexistência de métodos apropriados de manejo dessas abelhas, foram as causas principais da maioria dos acidentes provocados. e que foram amplamente noticiados pela mídia. Esses fatos causaram um impacto extremamente negativo na população, surgindo então o termo "abelha assassina" ou  Kkiller Bbee” criado pela mídia , causando e que causou sérios danos à apicultura.  .Nesta etapa muitos apicultores abandonaram suas atividades apícolas e a falta de conhecimento do manejo dessa abelha causou um verdadeiro “caos na apicultura brasileira”. Nesse período a dependência brasileira de material apícola importado era absoluta, desde a importação de colméias caixas a centrífugas e demais implementos apícolas. O associativismo era quase inexistente, tendo o período culminado com a criação da CBA - Confederação Brasileira de Apicultura ,que,, em 1970,,  realizou o 1o. Congresso Brasileiro de Apicultura em Florianópolis-SC,  com o objetivo de para se discutir os sérios problemas da apicultura nacional e em especial como controlar  face a chegada dessa nova abelha até então desconhecida pelos apicultores brasileiros. Assim, aA partir de 1970 iniciava-se a terceira etapa da história da apicultura brasileira que classificamos como, o “período de recuperação e expansão da apicultura brasileira". Esta fase  “.que se constituiu numo grande desafio apícola para os pesquisadores, técnicos e apicultores brasileiros. Nesse período período introduzimosfoi introduzida por nós a terminologia “Abelha Africanizada” para o poli-híbrido resultante do cruzamento das abelhas africanas com as européias introduzidas anteriormente, devido ao domínio genético das características das abelha africanas (Apis mellifera scutellata) e com o objetivo de substituir a imprópria  denominação imprópria  de “killer bee” ou “abelha assassina" in troduzido pela midiamídia. .N Nessa fase uma uma série de ações de apoio à apicultura (cursos intensivos de capacitação, cursos de pós graduação, pesquisas, teses, seminários, congressos, criação de crédito apícola etc.) foram desencadeadas em universidades, e  alguns óórgãos governamentais e associações apícolas, eventos esses que  , lideradas pelos pesquisadores especialistas em abelhas, por técnicos apícolas e apicultores proporcionaram grandes mudanças na apicultura brasileira, porém desta vez originando impactos positivos. Este último período corresponde a adaptação propriamente dita do apicultor às abelhas africanizadas, ao desenvolvimento de novas metodologias de manejo e, aquisição e sedimentação de novos conhecimentos sobre a biologia e comportamento dessas abelhas, fatos que gradativamente proporcionaram  o domínio dessa abelha e a. Inicia-se nessa terceira fase a grande  recuperação e expansão da nossa apicultura em vários eEstados e regiões do país. , principalmente no nordeste brasileiro que até então não tinha nenhuma participação na produção de produtos apícolas. Devido a tendência enxameatória e conseqüente Com a migração das abelhas africanizadas em direção ao norte e nordeste do país, alguns eEstados nordestinos ( Bahia, Piauí, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, etc.) como a Bahia, Piauí, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe etc. passaram a se interessar pela apicultura,, dando origem a havendo um significativo aumento do número de apicultores e de colônias de abelhas africanizadas nessa região. No entanto, ess Infelizmente, Ddevido a forte tendência enxameatória das abelhas africanizadas , a expansão da apicultura em direção ao norte e nordeste deu-se de maneira muito rápida e desordenada na maioria dos eEstados, principalmente no nordeste do país, face a alta taxa de enxameação das abelhas africanizadas e as condições climáticas e tipo de vegetação da região que eram propícias à apicultura nordestinos, fato que ocorre até os dias de hoje. Assim, apesar da Embora a apicultura no nordeste do país ternha  crescido muito nesses últimos dez anos ela continua desordenada  e os apicultores continuam carentes de assistência técnica. Embora muita coisa ainda precisa ser feita para corrigir esse crescimento desordenado, da apicultura no nordeste, felizmente  No entanto, constatamos que  existem algumas iniciativas de instituições governamentais apoiando a apicultura do nordeste brasileiro, como é o caso d a Embrapa, ,  Sebrae, nacional, Pronaf, Banco do Brasil, Banco do Nordeste etc. Estas instituições vem apoiando programas de corrigir esse crescimento desordenado da apicultura no nordeste e de incentivo ao uso de práticas apícolas adequadas que propiciem a produção de produtos apícolas de alta qualidade para atender as exigências do mercado nacional e internacional. OUm exêemploexemplo mais marcante  No entanto, graças a significativa política de incentivo apícola do Sebrae nacional e em especial  é o programa de incentivo à apicultura do Sebrae do Rio Grande do Norte. , este Estado que,Ssomente nos últimos três anos (2003 a 2005), o Sebrae-RN capacitou e vem dando prosseguimento na orientação e apoio tecnológico a mais de três mil3.000 apicultores. Nesse período fForam criadas que já fundaram  25 associações e, 32 casas de mel, sendo quee os apicultores capacitados que manipulam mais de 50 mil colméias e já havendo muitos dos quais  já atingiram apicultores com médias de produção de 50 kg por colméia, , fato que demonstra o grande potencial apícola do Estado e da região nordeste brasileiro. É interessante ser comentado também que  AaAté o ano de 2000, o nordeste brasileiro não aparecia nas estatísticas brasileiras de exportação de mel, sendo que aa região Sul do Brasil era responsável por aproximadamente 80% do mel exportado. Facedas exportações de mel do Brasil, não figurando o nordeste brasileiro como produtor apícola, portanto sem exportações ao problema sofrido pelos chineses, no final da década de 90de 2001-2004, com o bloqueio do das exportações de mel deles no mercado mundial, devido ao uso dea contaminação com o antibiotico cloranfenicol considerado cancerígeno, houve falta de mel no mercado e vários outros países passaram a participar do mercado internacional de mel, inclusive o Brasil. Assim, n. Nos últimos três anos o Brasil despontou como um importante exportador mundial de mel, principalmente de mel orgânico, que é totalmente isento de impurezas e de contaminações por resíduos químicos. etc. Nesse sentido destacamos aqui a produção de mel  do sendo que o nordeste brasileiro (principalmente Piauí e Ceará ) que vem gradativamente aumentando ano a ano sua contribuição, sendo que no e no ano de 2004 foi responsável por aproximadamente 30% do total de mel exportado pelo país,.destacando-se como principais produtores os Estados do Piauí, Ceará e Bahia. . Este fato, associado a outras estatísticas recentes relatando aumento do número de colônias, número de apicultores e de associações nos vários estados nordestinos, estes fatos na região mostram claramente o grande potencial apícola da região. Paralelamente a nordestina. isso é tambémesse fato é É merecedor também de destaque no nordeste e em especial o surgimento de outra atividade apícola que também vem  crescendo, representada pelosno Rio Grande do Norte o grande   aumento de contratos de colônias de abelhas para polinização de melão no Rio Grande do Norte. Embora já haja no nordeste brasileiro uma boa valorização e reconhecimento da importância das abelhas para a  polinização do melão, que resulta em melhoria da qualidade do fruto e aumento da quantidade de produção,. Sabemos que a a procura de colônias de abelhas apenas para fins de polinização no Brasil ainda é muito insipiente comparadao com outros países como os Estados Unidos onde o aluguel de uma colônia de abelhas na Califórnia, para polinização de amêndoa, chega a oscilar entre 50 e 100 dolaresdólares por colméia. , sendo movimentado anualmente mais de um milhão de colméias apenas para essa finalidadeeste cultivo. No Brasil as principais culturas de interesse econômico que se utilizam de polinização por abelhas para aumento da qualidade e produção de frutos são as culturas de laranja, melão, côcocôco, berinjela, e maçã. etc,  porém apenas no nordeste brasileiro ,em especial no Rio Grande do Norte é que vem ocorrendo, de maneira mais profissional, a interação entre agricultores e apicultores mediante a contratação de colônias para fins exclusivos de polinização. No Estado de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul já existem algumas interações entre produtores de laranja e maçã e apicultores para o uso de abelhas para polinização de laranja e maçã. No entanto,, porém nessas culturas são utilizados muitos existe o grande problema causado pelo elevado uso de agrotóxicos e produtos inseticidas que colocam em risco a vida das abelhas, havendo alto risco a necessidade de muito controle para se evitar de perdas de colônias. Com o grande crescimento e expansão das atividades apícolas no país outros problemas surgiram nesse terceiro período da historia de nossa apicultura, principalmente doenças como por exêmploexemplo, a introdução em nosso país, ao redor de 1972, v via Paraguai, da terrível praga mundial, a varroatose,  causada pelo ácaro Varroa destructor e, em 19990, a introdução clandestina de mel em Candelaria-RS, contendo esporos do Paenibacillus. larvae, causador da uma das mais importantes doenças das abelhas, a  Cria Pútrida Americana. Felizmente até hoje não se registrou nenhuma colônia de abelhas africanizadas com essaa doença, provavelmente possivelmente devido a resistência das abelhas africanizadas a essa terrível praga, em especial graças ao seu elevado comportamento higiênico que lhe permite se livrar das doenças de crias e de parasitas. sem o uso de produtos químicos. PortantoEm adição aos problemas já mencionados,, devido a imensa expansão desordenada da nossa apicultura e a valorização dos materiais apícolas e dos produtos das abelhas ( mel, geléia real, cera etc.) após  1970 aumentaram também as ocorrências de roubos nos apiários, registrando-se não apenas roubos de favos de mel como também de colméeias e até de apiários inteiros. Tudo isso decorreia de uma falta de controle sanitário para impedir a entrada de doenças no país,  bem como a falta de organização do associativismo apícola por não existir no país uma política apícola nacional. No entanto, apesar desses novos problemas, neste último período a apicultura brasileira continuaou reagindo positivamente, e ,pouco a pouco, vem se recuperando. Hoje já sentimos muitos impactos positivos ou benefícios advindos da introdução das abelhas Aafricanas no Brasil. Tornou-se notória a crescente contribuição na indústria apícola e a enorme criatividade brasileira na elaboração de equipamentos apícolas que proporcionou ao país a sua autonomia tecnológica. Paralelamente a isso a produção de mel no país aumentou  5 a 10 vezes nos últimos dez anos, atingindo hoje a produção anual ao redor de 50 mil toneladas de mel, número não oficial que representa uma sub-estimativa da produção nacional. O O  aumento daA quantidade e variabilidade dos produtos apícolas nacionais, bem como a melhoria de apresentação e da qualidade dos produtos também vem sendo incrementados a cada ano.foi notório nesse último período. Sabemos hoje, também,  que as abelhas africanizadas se tornaram resistentes ou tolerantes à varroatose, considerada hoje como uma das mais temíveis pragas apícolas mundiais e que tem dizimado anualmente milhares de colônias em vários países.  porém, noNo Brasil o grau de infestação das colméias com varroatose  é muito baixa, oscilando hoje entre 3 e 5% , não se constituindo em sério problema para o apicultor. Por outro lado, graças a uma orientação dada pelos pesquisadores da USP e outras instituições de pesquisa brasileiras ao Ministério da Agricultura , felizmente nunca foi realizado no país um programa de controle desta praga com o uso de acaricidas. no país. Com isso, Assim, temos hoje um mel de excelente qualidade, de grande aceitação no mercado nacional e internacional, isento de resíduos químicos., de grande aceitação no mercado nacional e internacional, inclusive com a produção de mel orgânico.  Nesse aspecto é digno de menção a contribuição do nordeste brasileiro na produção e exportação de mel nos últimos cinco a oito anos. É importante ser comentado que o mercado mundial de mel sofreu uma grande transformação na década de 90 após o embargo dos produtos apícolas vindos do maior produtor mundial de mel, a China. Isto ocorreu devido ao uso ,pelos chineses, do antibiótico cloranfenicol que é um produto cancerígeno e ,portanto, amplamente condenado no mercado comum europeu e demais mercados internacionais de mel. Com isso países que não se destacavam como exportadores de mel, face a falta de produtos no mercado mundial, passaram a colocar seus produtos. Um dos países que se destacou nesse sentido foi o Brasil e hoje o país já desponta como um importante exportador de mel, principalmente de mel orgânico que apresenta maior valor no mercado nacional e internacional pelas suas características de pureza e ausência de resíduos químicos. . Portanto, face as grandes mudanças tecnológicas, e aono domínio do manejo das abelhas africanizadas ocorridas neste quase meio século de apicultura no Brasil, ao aumento da resistência das abelhas a doenças de crias e aos parasitas, bem como ao apoio que vem sendo dado à apicultura por instituições brasileiras como oa Sebrae, Embrapa, CNPq, Fapesp, etc. é possível prever-se um futuro muito promissor da apicultura brasileira, podendo ser afirmado que, num futuro muito próximo, o país poderá se tornar num dos mais  e em especial da apicultura nordestina face as condições ideais de flora apícola típica daquela região que, em grande parte, é totalmente  isenta de agrotóxicos, sendo nossa opinião que o Brasil se tornará em breve num dos mais importantes  produtores mundiais de mel orgânico e de outros produtos apícolas, além do importante benefício da apicultura no aumento da produção de frutas, grãos e sementes graças unicamente a polinização pelas abelhcomo importantes produtores mundiaisl de produtos apícolas de qualidade, em especial de mel orgânico,  como também  importante atividade na produçãode outros alimentos, como de frutos, grãos, e sementes e frutos através da atividade polinizadora das abelhas africanizadas.- ( Maio/2005).as.