POLÍTICAS
PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO DE SUPERDOTADOS NO BRASIL
Não se pode negar o ganho real que efetivamente foi
alcançado com a última Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no que
tange aos alunos com superdotados. Todavia, não se pode deixar de assinalar que
não é de hoje que a Política Nacional na área da superdotação vem se
caracterizando pela descontinuidade e pela fragmentação de suas ações, assim
como, a bem dizer sobre os atuais modos
de promoção das políticas públicas inclusivas para os alunos com deficiências,
condutas típicas de síndromes neurológicas, psicológicas e psiquiátricas e
altas habilidades/superdotação, materializadas na forma de editais de
concorrência, ainda não será agora que os alunos superdotados terão garantidos
os direitos expressos na LDB.
Um breve relato sobre a trajetória das políticas públicas para
alunos superdotados no Brasil mostra que a educação destes alunos pode ser
caracterizada pelo contraditório contraste entre a continuidade e a
descontinuidade de iniciativas governamentais e não governamentais registradas
desde 1924, quando foram realizadas as primeiras validações de testes de
inteligência americanos em Recife e no antigo Distrito Federal. (ALENCAR, 2001;
DELOU, 2001)
O atendimento aos alunos superdotados tem sido realizado
conforme as prioridades estabelecidas pelas políticas públicas definidas,
oriundas da legislação brasileira. O primeiro registro feito foi em 1929,
quando a Reforma do Ensino Primário, Profissional e Normal do Estado do Rio de
Janeiro[2]
previu o atendimento educacional dos super-normais.[3]
O primeiro registro federal ocorreu em 1961, quando a Lei
4024 dedicou os Artigos 8º e 9º à educação dos excepcionais, palavra cunhada por Helena Antipoff para referir-se
aos deficientes mentais, aos que tinham problemas de conduta e aos
superdotados.
Nesta época houve a grande expansão dos atendimentos da
Educação Especial, ampliando-se na década de 70 e refletindo no papel que as
instituições escolares e especializadas passaram a exercer nas políticas de
Educação Especial no Brasil. Nas escolas, a situação era muito difícil, porque a
“repetência, o analfabetismo e as precárias condições das instituições
escolares e de trabalho dos professores constituíam-se em núcleos nevrálgicos.”
(BUENO, 1993, p. 106; 2005)
Em 1967, o Ministério de Educação e Cultura criou uma
comissão para estabelecer critérios de identificação e atendimento aos
superdotados. Contudo, a chegada dos alunos das classes populares às escolas
públicas e o deslocamento dos alunos da classe média destas escolas para as
escolas particulares, o crescente número de matrículas tanto na rede privada
quanto na rede pública, na escola regular como na escola especial e a
recomendação de atendimento especializado na nova lei de ensino a ser
promulgada em 1971, levaram à criação dos Serviços de Educação Especial nas
âmbitos Federal, Estaduais e Municipais.
Em agosto de 1971, foi promulgada a Lei 5692, prevendo
explicitamente no Artigo 9º, o tratamento
especializado aos alunos que apresentassem deficiências físicas ou mentais,
os que estivessem atrasados consideravelmente quanto à idade regular de
matrícula e os superdotados, deixando que as normas de funcionamento do tratamento fossem fixadas pelos
respectivos Conselhos de Educação, federal, estaduais e municipais. (LEI 5692,
1971)
Neste ano foi criado o Projeto Prioritário n.º 35,[4]
que estabeleceu a educação de superdotados área prioritária da Educação
Especial, incluindo-a no Plano Setorial de Educação e Cultura, previsto para o
período de 1972 a 1974, fixando “uma política de ação do MEC com relação ao
superdotado.” (NOVAES, 1979, p. 38).
Pela primeira vez, foram definidos princípios doutrinários
da Educação Especial para alunos superdotados, a partir do conceito que
considerava crianças superdotadas e talentosas as que apresentassem notável
desempenho e/ou elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos,
isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica
específica; pensamento criador ou produtivo; capacidade de liderança; talento
especial para artes visuais, dramáticas e musicais; capacidade psicomotora. A
identificação dos superdotados deveria ser realizada com vistas ao atendimento
educacional desde os níveis pré-escolares, utilizando-se de procedimentos
escolares variados e combinados. Alunos superdotados deveriam freqüentar
classes comuns sempre que o professor de classe tivesse condições de trabalhar
com programas ou atividades diferentes, em grupos diversificados, e dispusesse
de orientação e materiais adequados, que possibilitasse a oferta de tratamento
especial aos alunos. Previu a possibilidade de criação de classes especiais em
escolas comuns, recomendando a realização do máximo possível de atividades em
conjunto com os demais alunos. A criação das classes especiais deveria ficar
atrelada à existência de condições para a realização do atendimento necessário
ao aluno.
O atendimento escolar de alunos superdotados preconizado em
1971, correspondia ao que é defendido, hoje, na Europa e nos Estados Unidos em
termos de educação de superdotados e no Brasil pretende-se alcançar através dos
princípios da educação inclusiva.
As classes especiais para superdotados não foram unanimidade
no Brasil e, das três experiências oficiais realizadas, uma foi logo modificada[5]
e, as outras duas, acabaram.
O PP 35/71 ousava por uma proposta de visão integral do atendimento
aos superdotados. Enfatizando aspectos de formação global da personalidade do
aluno, suas potencialidades e demais condições e não apenas os talentos já
demonstrados, o atendimento aos alunos superdotados deveriam visar a pessoa, a
formação do cidadão, a formação harmoniosa de sua personalidade. (apud. CENESP,
1976)
Às modalidades de atendimento educacional recomendadas em
1971, acrescentou-se a monitoria, já que a programação de enriquecimento
curricular, a aceleração de estudos ou as duas modalidades conjugadas, não
diferiam das apresentadas em 1931.
A aceleração de estudos era uma alternativa que poderia ser
aplicada integral ou parcialmente, sendo o aluno acelerado em uma ou mais
disciplinas, o que poderia levá-lo à integralização das disciplinas de um ano
inteiro. Neste caso, se os alunos superdotados terminassem o I Grau antes da
idade normal, poderiam freqüentar simultaneamente escolas de II Grau que
tivessem matrículas por disciplina.
Constatou-se que foi no II Grau que a prática da aceleração
de estudos tornou-se mais comum. Vários alunos aprovados em vestibulares de
universidades particulares, oriundos de famílias com maior poder aquisitivo e
acesso às informações especializadas, tiveram acesso aos mandatos de segurança
que garantiram o direito de freqüência às aulas enquanto, simultaneamente,
freqüentavam ou concluíam o II Grau.
Desde esta época, então, várias iniciativas públicas e
privadas de atendimento escolar aos alunos superdotados foram registradas nos
estados do Rio de Janeiro, Pará, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo,
São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. Algumas delas
acabaram, foram reformuladas ou assumiram caráter de Centro de Referência como
as desenvolvidas em Minas Gerais Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Distrito
Federal.
Em 1994, não só o atendimento aos superdotados foi agregado
à Declaração de Salamanca, como pretendeu-se ressignificar o conceito. Todavia
o resultado foram a mudança de termos de superdotados para altas habilidades e a exclusão da conjunção alternativa ou que possibilitava aos alunos com
fracasso escolar serem identificados por suas altas potencialidades. (apud.
DELOU, 1996)
Assim,
não parece surpresa que a lei que estabelece as atuais diretrizes e bases da
educação nacional, a Lei N.º 9394/1996, trate das questões da Educação Especial
em um capítulo próprio, o Capítulo V, como inclua os alunos superdotados em seu
texto legislativo, de modo claro e explícito, mostrando o caráter inclusivo
desta Lei. (LDB, 1996, Art. 58)
Se
antes estava previsto tratamento
especializado, hoje, a nova LDB prevê ações pedagógicas aplicáveis a alunos que
demonstrem alta capacidade de desempenho escolar. Assim, também a Resolução N.º
2 de 2001, do CNE/CEB,[6]
que institui as Diretrizes Nacionais da Educação Especial para a Educação
Básica, conceitua os educandos com necessidades educacionais especiais, entre
eles os que apresentem “altas habilidades/superdotação” durante o processo
educacional. Ao contrário do que consideram as atuais teorias sobre
inteligência, altas habilidades/superdotação foi definido como “grande
facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos,
procedimento e atitudes.” (Art. 5º, III)
No
Art. 59, da LDB, foram previstos currículos, métodos, recursos educativos e
organizações específicos (I); aceleração para concluir em menor tempo o
programa escolar (II); professores especializados (III); educação especial para
o trabalho (IV) e acesso igualitário aos programas sociais (V).
Mas,
esta LDB se diferencia quando prevê para a educação básica novas modalidades de
organização escolar (Art. 23); classificação em série ou etapa
independentemente da escolarização anterior ou avanço de séries (Art. 24, II c;
V c); e para o ensino superior, a abreviação dos cursos para os alunos com
extraordinário aproveitamento nos estudos. (Art. 47, § 2º)
Todas
as questões previstas para o atendimento especializado dos alunos superdotados
na LDB foram regulamentadas na Resolução N.º 2 de 2001, do CNE/CEB, mas a
questão da aceleração dos estudos ainda ficou para os estados e municípios.
Aceleração
de estudos não significa aligeiramento escolar por redução de conteúdos ao
currículo mínimo ou resumo do livro didático. Indicada quando a avaliação de aprendizagem
realizada pela e na escola evidencia que o aluno demonstra competências,
habilidades e conhecimentos em níveis de desenvolvimento real, para além do
evidenciado pelos seus pares em nível escolar, a aceleração de estudos tem como
objetivos: 1) ajustar o ritmo de ensino às potencialidades dos estudantes, a
fim do desenvolvimento de um trabalho ético racional, 2) fornecer um nível
apropriado de desafio escolar a fim de evitar o tédio oriundo da repetição das
aprendizagens e 3) reduzir o período de tempo necessário para o estudante
completar a escolarização tradicional, incluindo-se a entrada precoce na escola
ou na universidade.
Contudo,
existem resistências à implantação das políticas públicas para alunos
superdotados no Brasil. Nove anos depois de sua promulgação, percebe-se que a
garantia dos direitos nesta área não depende apenas de Lei, de Resolução ou de
Políticas Públicas Nacionais.
As
políticas públicas para a educação de superdotados no Brasil estão incluídas no
conjunto das políticas públicas em Educação Especial. Hoje, elas são expressas
em editais de concorrência e podem ser tratadas como mercadoria a ser disputada
pelos que tomam conhecimento pelo site do MEC e consigam atender aos inúmeros
critérios definidos para a seleção dos projetos apresentados, sejam eles para
ensino, pesquisa, extensão, obras de adaptação física ou compra de
equipamentos, a despeito da falta de verbas que atendam à demanda de todos.
Não
temos professores especialistas em educação de superdotados em todas as universidades
públicas do país. Como linha de pesquisa da Educação Especial, a educação de
superdotados não é considerada relevante nos programas de pós-graduação stricto
sensu.
Logo,
conclui-se que as políticas públicas para a educação dos superdotados no Brasil,
assim como as políticas públicas de Educação Especial, precisam ser
ressignificadas. Professores, alunos e sociedade não mudam por decreto ou por
qualquer pressão externa. É preciso conhecer as experiências bem sucedidas na
educação básica e no ensino superior, otimizar a formação
crítico-reflexiva, incentivar práticas
pedagógicas especializadas para que a mudança baseada na igualdade de
oportunidades gere uma sociedade mais justa e cidadã.
REFERENCIAIS
BIBLIOGRÁFICOS
ALENCAR, Eunice Maria L. Soriano & FLEITH,
Denise Souza. Superdotados;
determinantes, educação e ajustamento. 2. ed. São Paulo: Editora Pedagógica
e Universitária, 2001. v. 1. 188 p.
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Lei 5692, 1971. Disponível em 23 de maio de 2005 no site http: //www.mec.gov.br/legis/default.shtm
BRASIL. CENTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL. Educação Especial: superdotados - manual.
Rio de Janeiro, 1976.
BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394, 1996. Disponível em 23 de
maio de 2005, no site http: //www.mec.gov.br/seed/tvescola/ftp/leis/lein9394.doc
BUENO, José Geraldo Silveira. Educação Especial Brasileira – Integração/Segregação do Aluno
Diferente. São Paulo, EDUC/PUC-SP, 1993, 2005.
DELOU, Cristina Maria Carvalho. Sucesso e fracasso escolar de alunos considerados superdotados: um
estudo sobre a trajetória escolar de alunos que receberam atendimento em salas
de recursos de escolas da rede pública de ensino. (Tese de Doutorado). São
Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História e Filosofia da
Educação. Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP. 2001.
__________________________. Política Nacional de
Educação Especial aplicada ao aluno de Altas Habilidades. Cadernos de Santa
Maria. Santa Maria/RS, Universidade Federal de Santa Maria, 1996.
NOVAES, Maria Helena. Desenvolvimento psicológico do superdotado. São Paulo: Atlas. 1979.
VIGOTSKI, Lev. A
formação social da mente. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
[2] O Estado do Rio de Janeiro, aqui citado corresponde ao atual Estado do Rio de Janeiro sem o município do Rio de Janeiro, cuja capital na época era Niterói. Em 1929, o atual município do Rio de Janeiro era o, então, Distrito Federal. Note-se que a legislação era estadual e não federal.
[3] Termo utilizado na época por Leoni Kaseff, Assistente Técnico da Universidade do Rio de Janeiro e catedrático do Liceu Nilo Peçanha e que foi utilizado no texto legislativo.
[4] Aqui será
denominado PP 35/71.
[5] A primeira foi a do Centro Educacional Objetivo, localizado em São Paulo, e as demais foram As experiências desenvolvidas na Fundação José Carvalho, localizada em Pojuca, Bahia e na Fundação AVIBRÁS, em São José dos Campos, São Paulo.
[6] Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação.