POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO DE SUPERDOTADOS NO BRASIL

 

 

CRISTINA M. C. DELOU[1]

Doutora em Educação

Universidade Federal Fluminense

 

Não se pode negar o ganho real que efetivamente foi alcançado com a última Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no que tange aos alunos com superdotados. Todavia, não se pode deixar de assinalar que não é de hoje que a Política Nacional na área da superdotação vem se caracterizando pela descontinuidade e pela fragmentação de suas ações, assim como, a bem  dizer sobre os atuais modos de promoção das políticas públicas inclusivas para os alunos com deficiências, condutas típicas de síndromes neurológicas, psicológicas e psiquiátricas e altas habilidades/superdotação, materializadas na forma de editais de concorrência, ainda não será agora que os alunos superdotados terão garantidos os direitos expressos na LDB.

Um breve relato sobre a trajetória das políticas públicas para alunos superdotados no Brasil mostra que a educação destes alunos pode ser caracterizada pelo contraditório contraste entre a continuidade e a descontinuidade de iniciativas governamentais e não governamentais registradas desde 1924, quando foram realizadas as primeiras validações de testes de inteligência americanos em Recife e no antigo Distrito Federal. (ALENCAR, 2001; DELOU, 2001)

O atendimento aos alunos superdotados tem sido realizado conforme as prioridades estabelecidas pelas políticas públicas definidas, oriundas da legislação brasileira. O primeiro registro feito foi em 1929, quando a Reforma do Ensino Primário, Profissional e Normal do Estado do Rio de Janeiro[2] previu o atendimento educacional dos super-normais.[3]

O primeiro registro federal ocorreu em 1961, quando a Lei 4024 dedicou os Artigos 8º e 9º à educação dos excepcionais, palavra cunhada por Helena Antipoff para referir-se aos deficientes mentais, aos que tinham problemas de conduta e aos superdotados.

Nesta época houve a grande expansão dos atendimentos da Educação Especial, ampliando-se na década de 70 e refletindo no papel que as instituições escolares e especializadas passaram a exercer nas políticas de Educação Especial no Brasil. Nas escolas, a situação era muito difícil, porque a “repetência, o analfabetismo e as precárias condições das instituições escolares e de trabalho dos professores constituíam-se em núcleos nevrálgicos.” (BUENO, 1993, p. 106; 2005)

Em 1967, o Ministério de Educação e Cultura criou uma comissão para estabelecer critérios de identificação e atendimento aos superdotados. Contudo, a chegada dos alunos das classes populares às escolas públicas e o deslocamento dos alunos da classe média destas escolas para as escolas particulares, o crescente número de matrículas tanto na rede privada quanto na rede pública, na escola regular como na escola especial e a recomendação de atendimento especializado na nova lei de ensino a ser promulgada em 1971, levaram à criação dos Serviços de Educação Especial nas âmbitos Federal, Estaduais e Municipais.

Em agosto de 1971, foi promulgada a Lei 5692, prevendo explicitamente no Artigo 9º, o tratamento especializado aos alunos que apresentassem deficiências físicas ou mentais, os que estivessem atrasados consideravelmente quanto à idade regular de matrícula e os superdotados, deixando que as normas de funcionamento do tratamento fossem fixadas pelos respectivos Conselhos de Educação, federal, estaduais e municipais. (LEI 5692, 1971)

Neste ano foi criado o Projeto Prioritário n.º 35,[4] que estabeleceu a educação de superdotados área prioritária da Educação Especial, incluindo-a no Plano Setorial de Educação e Cultura, previsto para o período de 1972 a 1974, fixando “uma política de ação do MEC com relação ao superdotado.” (NOVAES, 1979, p. 38).

Pela primeira vez, foram definidos princípios doutrinários da Educação Especial para alunos superdotados, a partir do conceito que considerava crianças superdotadas e talentosas as que apresentassem notável desempenho e/ou elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica específica; pensamento criador ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para artes visuais, dramáticas e musicais; capacidade psicomotora. A identificação dos superdotados deveria ser realizada com vistas ao atendimento educacional desde os níveis pré-escolares, utilizando-se de procedimentos escolares variados e combinados. Alunos superdotados deveriam freqüentar classes comuns sempre que o professor de classe tivesse condições de trabalhar com programas ou atividades diferentes, em grupos diversificados, e dispusesse de orientação e materiais adequados, que possibilitasse a oferta de tratamento especial aos alunos. Previu a possibilidade de criação de classes especiais em escolas comuns, recomendando a realização do máximo possível de atividades em conjunto com os demais alunos. A criação das classes especiais deveria ficar atrelada à existência de condições para a realização do atendimento necessário ao aluno.

O atendimento escolar de alunos superdotados preconizado em 1971, correspondia ao que é defendido, hoje, na Europa e nos Estados Unidos em termos de educação de superdotados e no Brasil pretende-se alcançar através dos princípios da educação inclusiva.

As classes especiais para superdotados não foram unanimidade no Brasil e, das três experiências oficiais realizadas, uma foi logo modificada[5] e, as outras duas, acabaram.

O PP 35/71 ousava por uma proposta de visão integral do atendimento aos superdotados. Enfatizando aspectos de formação global da personalidade do aluno, suas potencialidades e demais condições e não apenas os talentos já demonstrados, o atendimento aos alunos superdotados deveriam visar a pessoa, a formação do cidadão, a formação harmoniosa de sua personalidade. (apud. CENESP, 1976)

Às modalidades de atendimento educacional recomendadas em 1971, acrescentou-se a monitoria, já que a programação de enriquecimento curricular, a aceleração de estudos ou as duas modalidades conjugadas, não diferiam das apresentadas em 1931.

A aceleração de estudos era uma alternativa que poderia ser aplicada integral ou parcialmente, sendo o aluno acelerado em uma ou mais disciplinas, o que poderia levá-lo à integralização das disciplinas de um ano inteiro. Neste caso, se os alunos superdotados terminassem o I Grau antes da idade normal, poderiam freqüentar simultaneamente escolas de II Grau que tivessem matrículas por disciplina.

Constatou-se que foi no II Grau que a prática da aceleração de estudos tornou-se mais comum. Vários alunos aprovados em vestibulares de universidades particulares, oriundos de famílias com maior poder aquisitivo e acesso às informações especializadas, tiveram acesso aos mandatos de segurança que garantiram o direito de freqüência às aulas enquanto, simultaneamente, freqüentavam ou concluíam o II Grau.

Desde esta época, então, várias iniciativas públicas e privadas de atendimento escolar aos alunos superdotados foram registradas nos estados do Rio de Janeiro, Pará, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. Algumas delas acabaram, foram reformuladas ou assumiram caráter de Centro de Referência como as desenvolvidas em Minas Gerais Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. 

Em 1994, não só o atendimento aos superdotados foi agregado à Declaração de Salamanca, como pretendeu-se ressignificar o conceito. Todavia o resultado foram a mudança de termos de superdotados para altas habilidades e a exclusão da conjunção alternativa ou que possibilitava aos alunos com fracasso escolar serem identificados por suas altas potencialidades.  (apud. DELOU, 1996)

Assim, não parece surpresa que a lei que estabelece as atuais diretrizes e bases da educação nacional, a Lei N.º 9394/1996, trate das questões da Educação Especial em um capítulo próprio, o Capítulo V, como inclua os alunos superdotados em seu texto legislativo, de modo claro e explícito, mostrando o caráter inclusivo desta Lei. (LDB, 1996, Art. 58)

Se antes estava previsto tratamento especializado, hoje, a nova LDB prevê ações pedagógicas aplicáveis a alunos que demonstrem alta capacidade de desempenho escolar. Assim, também a Resolução N.º 2 de 2001, do CNE/CEB,[6] que institui as Diretrizes Nacionais da Educação Especial para a Educação Básica, conceitua os educandos com necessidades educacionais especiais, entre eles os que apresentem “altas habilidades/superdotação” durante o processo educacional. Ao contrário do que consideram as atuais teorias sobre inteligência, altas habilidades/superdotação foi definido como “grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimento e atitudes.” (Art. 5º, III)

No Art. 59, da LDB, foram previstos currículos, métodos, recursos educativos e organizações específicos (I); aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar (II); professores especializados (III); educação especial para o trabalho (IV) e acesso igualitário aos programas sociais (V).

Mas, esta LDB se diferencia quando prevê para a educação básica novas modalidades de organização escolar (Art. 23); classificação em série ou etapa independentemente da escolarização anterior ou avanço de séries (Art. 24, II c; V c); e para o ensino superior, a abreviação dos cursos para os alunos com extraordinário aproveitamento nos estudos. (Art. 47, § 2º)

Todas as questões previstas para o atendimento especializado dos alunos superdotados na LDB foram regulamentadas na Resolução N.º 2 de 2001, do CNE/CEB, mas a questão da aceleração dos estudos ainda ficou para os estados e municípios.

Aceleração de estudos não significa aligeiramento escolar por redução de conteúdos ao currículo mínimo ou resumo do livro didático. Indicada quando a avaliação de aprendizagem realizada pela e na escola evidencia que o aluno demonstra competências, habilidades e conhecimentos em níveis de desenvolvimento real, para além do evidenciado pelos seus pares em nível escolar, a aceleração de estudos tem como objetivos: 1) ajustar o ritmo de ensino às potencialidades dos estudantes, a fim do desenvolvimento de um trabalho ético racional, 2) fornecer um nível apropriado de desafio escolar a fim de evitar o tédio oriundo da repetição das aprendizagens e 3) reduzir o período de tempo necessário para o estudante completar a escolarização tradicional, incluindo-se a entrada precoce na escola ou na universidade.

Contudo, existem resistências à implantação das políticas públicas para alunos superdotados no Brasil. Nove anos depois de sua promulgação, percebe-se que a garantia dos direitos nesta área não depende apenas de Lei, de Resolução ou de Políticas Públicas Nacionais.

As políticas públicas para a educação de superdotados no Brasil estão incluídas no conjunto das políticas públicas em Educação Especial. Hoje, elas são expressas em editais de concorrência e podem ser tratadas como mercadoria a ser disputada pelos que tomam conhecimento pelo site do MEC e consigam atender aos inúmeros critérios definidos para a seleção dos projetos apresentados, sejam eles para ensino, pesquisa, extensão, obras de adaptação física ou compra de equipamentos, a despeito da falta de verbas que atendam à demanda de todos.

Não temos professores especialistas em educação de superdotados em todas as universidades públicas do país. Como linha de pesquisa da Educação Especial, a educação de superdotados não é considerada relevante nos programas de pós-graduação stricto sensu.

Logo, conclui-se que as políticas públicas para a educação dos superdotados no Brasil, assim como as políticas públicas de Educação Especial, precisam ser ressignificadas. Professores, alunos e sociedade não mudam por decreto ou por qualquer pressão externa. É preciso conhecer as experiências bem sucedidas na educação básica e no ensino superior, otimizar a formação crítico-reflexiva,  incentivar práticas pedagógicas especializadas para que a mudança baseada na igualdade de oportunidades gere uma sociedade mais justa e cidadã.

 

REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

ALENCAR, Eunice Maria L. Soriano & FLEITH, Denise Souza. Superdotados; determinantes, educação e ajustamento. 2. ed. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 2001. v. 1. 188 p.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Lei 5692, 1971. Disponível em 23 de maio de 2005 no site http: //www.mec.gov.br/legis/default.shtm

BRASIL. CENTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL. Educação Especial: superdotados - manual. Rio de Janeiro, 1976.

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394, 1996. Disponível em 23 de maio de 2005, no site http: //www.mec.gov.br/seed/tvescola/ftp/leis/lein9394.doc

BUENO, José Geraldo Silveira. Educação Especial Brasileira – Integração/Segregação do Aluno Diferente. São Paulo, EDUC/PUC-SP, 1993, 2005.

DELOU, Cristina Maria Carvalho. Sucesso e fracasso escolar de alunos considerados superdotados: um estudo sobre a trajetória escolar de alunos que receberam atendimento em salas de recursos de escolas da rede pública de ensino. (Tese de Doutorado). São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História e Filosofia da Educação. Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP. 2001.

__________________________. Política Nacional de Educação Especial aplicada ao aluno de Altas Habilidades. Cadernos de Santa Maria. Santa Maria/RS, Universidade Federal de Santa Maria, 1996.

NOVAES, Maria Helena. Desenvolvimento psicológico do superdotado. São Paulo: Atlas. 1979.

VIGOTSKI, Lev. A formação social da mente. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

 



[1] Professora Adjunta da Faculdade de Educação; Vice-Presidente do Conselho Brasileiro de Superdotação – ConBraSD.

[2] O Estado do Rio de Janeiro, aqui citado corresponde ao atual Estado do Rio de Janeiro sem o município do Rio de Janeiro, cuja capital na época era Niterói. Em 1929, o atual município do Rio de Janeiro era o, então, Distrito Federal. Note-se que a legislação era estadual e não federal.

[3] Termo utilizado na época por Leoni Kaseff, Assistente Técnico da Universidade do Rio de Janeiro e catedrático do Liceu Nilo Peçanha e que foi utilizado no texto legislativo.

[4] Aqui será denominado PP 35/71.

[5] A  primeira foi a do Centro Educacional Objetivo, localizado em São Paulo, e as demais  foram As experiências desenvolvidas na Fundação José Carvalho, localizada em Pojuca, Bahia e na Fundação AVIBRÁS, em São José dos Campos, São Paulo.

[6] Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.