CAÇADORES DE DINOSSAUROS -

AS DESCOBERTAS NO BRASIL

 

Alexander W. A. Kellner*

Dept. Geologia e Paleontologia

Museu Nacional/UFRJ

 

            Não existe nenhum outro grupo de animais extintos que consiga capturar mais a atenção do público leigo - e, conseqüentemente, de toda a sociedade - que os dinossauros. Em algum momento todas as pessoas tiveram (e grande parte mantém) interesse em descobertas relacionadas a estes répteis.

            Desde que, em 1842, o pesquisador inglês Richard Owen criou o termo DINOSAURIA (do grego - répteis "terríveis") para classificar algumas formas de grandes répteis extintos conhecidas até aquela data - como Megalosaurus (animal carnívoro) e Iguanodon (forma herbívora) - já foram encontradas mais de 1000 espécies. Os restos destes animais são descobertos em todos os continentes e nas partes mais distintas do globo. Os achados são procedentes de rochas sedimentares que se formaram entre 230 e 65 milhões de anos e fazem parte do tempo geológico conhecido como a Era Mesozóica. A maioria dos dinossauros se extinguiu e apenas um grupo sobreviveu até os dias de hoje: as aves. O fato de que estes "animais emplumados" vistos diariamente sejam considerados dinossauros modificados, é apenas mais um dos pontos que ilustra os avanços alcançados pelos paleontólogos.

            Apesar de sempre terem tido grande destaque por parte dos cientistas e da população em geral, pode ser evidenciado uma expansão da pesquisa dos dinossauros nesta última década. De certa forma, este aumento se acentuou após a exibição de documentários e filmes como, por exemplo, a série iniciada por Jurassic Park, que revigoraram o interesse das pessoas nestes animais. Houve um aumento de verbas destinada à pesquisa dos fósseis, que se refletiu não apenas na expansão do conhecimento sobre dinossauros, mas numa ampliação das informações referentes aos vários organismos que viveram no passado e o seu habitat.

            Entre os países que tem experimentado este crescimento da pesquisa sobre fósseis está o Brasil. Com extensão continental e diversos afloramentos mesozóicos, o país possui um grande potencial para novas descobertas. Seguindo a tendência mundial, o interesse da sociedade brasileira pelos seus depósitos paleontológicos também tem aumentado de forma contínua. Além dos motivos para este crescimento já mencionados destaca-se, no caso do Brasil, a "descoberta" realizada pela mídia brasileira das pesquisas em andamento no próprio país. Entre os fatores que contribuíram para esta "descoberta" estão as exposições de fósseis, com um destaque para a mostra NO TEMPO DOS DINOSSAUROS. Realizada em 1999 pelo Museu Nacional/UFRJ e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), com financiamento da PETROBRAS, esta exposição foi uma das mostras científicas temporárias mais visitadas já organizadas no território nacional. Coincidentemente, das 11 espécies de dinossauros descobertas no país até este momento, 7 foram noticiadas a partir de 1999.

            De uma maneira geral, os dinossauros são divididos em dois grandes grupos: Ornithischia e Saurischia. Os ornitísquios são formas de dinossauros tipicamente herbívoras com ampla distribuição particularmente na Laurásia (supercontinente que no passado era formado por Europa, América do Norte e Ásia). Curiosamente estes dinossauros são relativamente escassos no Gondwana (supercontinente constituído por América do Sul, África, Antártica e Oceania). No Brasil não há nenhuma espécie conhecida até agora e o registro deste grupo se limita a pegadas encontradas na Bacia de Sousa, Paraíba (Cretáceo). Recentemente foi mencionada a existência de restos de dinossauros ornitísquios em rochas do Triássico do Rio Grande do Sul (Formação Caturrita), que potencialmente podem representar uma das mais primitivas formas deste grupo descobertas até o momento.

            Os dinossauros membros de Saurischia são divididos em Sauropodomorpha e Theropoda. Uma das formas mais interessantes de sauropodomorfos encontrada no território nacional é Saturnalia tupiniquim, brevemente noticiado em 1999. Procedente de depósitos triássicos do Rio Grande do Sul, esta espécie é representada por três esqueletos parciais (que encontram-se em preparação) e aparentemente ocupa uma posição bem basal na evolução deste grupo.

            A maior parte dos integrantes dos Sauropodomorpha são classificados como prossaurópodes ou saurópodes. O único registro confirmado de prossaurópode no Brasil é Unaysaurus tolentinoi, descrito recentemente (2004) a partir de um esqueleto bem completo (com crânio) procedente de depósitos triássicos (novamente) do Rio Grande do Sul. Os prossaurópodes eram animais herbívoros com uma dentição particular que já tinham sido registrados em diversas partes do mundo. Nunca é demais relembrar que, durante o Triássico (230 milhões de anos atrás), quando indivíduos de Unaysaurus tolentinoi viviam em nosso país, todos os continentes estavam reunidos no supercontinente chamado Pangea, o que possibilitava a estes dinossauros - e outros animais - se dispersar para diferentes partes do globo.

             Dentro dos dinossauros saurísquios, um dos principais grupos são os Sauropoda, composto apenas por formas herbívoras. Caracterizados por possuírem um corpo volumoso, crânio pequeno, pescoço e cauda bem longos, restos de saurópodes são freqüentemente encontrados no Brasil. Os mais comuns são os titanossaurídeos, reconhecidos pela articulação particular presente nas vértebras caudais. Apesar de serem abundantes nos depósitos fósseis do país, apenas duas espécies foram descritas, ambas preservadas em rochas formadas há aproximadamente 80-70 milhões de anos (Cretáceo Superior). A primeira é "Antarctosaurus" brasiliensis (trabalho publicado em 1971) com base em uma vértebra dorsal, um úmero e um fêmur. Como todos os elementos são incompletos e a sua própria associação não está segura, "Antarcosaurus" brasiliensis é muito difícil de ser diagnosticado, sendo tido como uma forma indeterminada. Já Gondwanatitan faustoi, descrito em 1999, se baseia em uma coluna vertebral quase completa, com restos de membros anteriores e posteriores. Trata-se de um saurópode relativamente pequeno, atingindo aproximadamente 8 metros de comprimento. Alem destes foi descrito Amazonsaurus maranhensis com base em algumas vértebras e ossos da bacia encontrados em rochas com aproximadamente 110 milhões de anos (Cretáceo Inferior) do Maranhão. Apesar de incompleto, este dinossauro se destaca uma vez que confirma a ocorrência de um representante de Diplodocoidea (dinossauros encontrados na América do Norte, África e Argentina), possibilidade que já tinha sido levantada em pesquisas anteriores a partir de ocorrências de vértebras isoladas em depósitos da Ilha do Cajual (Cretáceo) do Maranhão.

            O último grupo de dinossauros representado no Brasil é o Theropoda. Formado quase que exclusivamente por formas carnívoras, são encontrados dentre os terópodes alguns dos dinossauros mais famosos do mundo como o Tyrannosaurus rex, procedente de depósitos dos Estados Unidos. Apesar de pouco conhecido por parte do público leigo, um dos mais antigos registros de terópodes a nível mundial vem do Brasil, outra vez de sedimentos triássicos do Rio Grande do Sul. Trata-se de Staurikosaurus pricei, coletado em 1936 (rochas da Formação Santa Maria) e publicado em 1970. Além de sua antiguidade, esta espécie possui o título de primeiro dinossauro do Brasil a ser descrito. Mais um dinossauro encontrado no Rio Grande do Sul é Guaibasaurus candelarai, também tido como um terópode, sendo que esta classificação tem sido questionada recentemente. De qualquer forma, estes dinossauros escavados em rochas triássicas do sul do país levantam a possibilidade do Brasil, juntamente com a Argentina (que também tem diversas formas primitivas descobertas em depósitos similares aos brasileiros), a ser o "berço" dos dinossauros.

            Outra região do Brasil onde dinossauros terópodes são encontrados, ainda que raramente, é a Bacia do Araripe, no Nordeste do país (Ceará, Pernambuco e Piauí). Procedentes de camadas formadas há aproximadamente 110 milhões de anos (Formação Santana, Cretáceo Inferior), foram reportadas destes depósitos as espécies Irritator challengeri e Angaturama limai, ambas descritas em 1996 a partir de restos cranianos. Estas duas formas pertencem ao grupo chamado Spinosauridae, que são formas raras e bizarras com o focinho bem alongado e possuindo uma dentição semelhante a dos crocodilomorfos modernos. Os espinossaurídeos são encontrados, sobretudo, na África e o fato deles terem sido descobertos no Brasil indica que no passado havia uma fauna dinossauriana comum entre a América do Sul e a África, quando estes continentes estivavam unidos.

            Estes mesmos depósitos da Bacia do Araripe forneceram o dinossauro que talvez possa ser considerado o mais famoso do Brasil: Santanaraptor placidus. Descrito em 1999, esta espécie é conhecida apenas por um esqueleto parcial que tem uma das maiores raridades já reportados em um animal fóssil: parte do couro, juntamente com fibras musculares e vasos sanguíneos petrificados e preservados em três dimensões. Tal tipo de preservação é única para dinossauros a nível mundial, tendo sido verificada até a presente data apenas no material brasileiro.

            Por último, foi descrito em 2002 o maior predador terrestre que viveu em tempos passados no Brasil: Pycnonemosaurus nevesi. Baseado em vértebras, dentes e ossos de um membro posterior e da bacia de um único indivíduo encontrado no Mato Grosso, em rochas com aproximadamente 80 milhões de anos (Cretáceo Superior), Pycnonemosaurus atingia um tamanho de 7-8 metros de comprimento, fazendo dele o maior terópode descoberto até a presente data no Brasil. Seus parentes mais próximos foram encontrados na Argentina e na África, reforçando a hipótese da existência, em diferentes tempos, de faunas de dinossauros comuns vivendo na América do Sul e no continente africano.

            Como pode se visto no resumido levantamento apresentado acima, três são as principais áreas onde dinossauros têm sido encontrados no país: sedimentos triássicos do Rio Grande do Sul (formações Santa Maria e Caturrita), depósitos da Formação Santana na Bacia do Araripe (Cretáceo Inferior) e estratos que compreendem diversas unidades estratigráficas do Grupo Bauru (Cretáceo Superior) dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso. Existem outras, como afloramentos no Maranhão (p.ex., Ilha do Cajual) onde fósseis são encontrados, contribuindo para um melhor conhecimento de animais extintos. Mesmo assim, apesar destas áreas serem extensas, a maior parte dos restos de dinossauros descritos até o momento foram encontrados isolados em locais que não representam sítios paleontológicos onde escavações possam ser realizadas de forma contínua. Uma das poucas exceções é a região de Peirópolis, próximo a cidade de Uberaba (Minas Gerais), onde existe um programa de escavação desenvolvido pela prefeitura local, que tem produzido de maneira regular restos de vertebrados fósseis, incluindo dinossauros.

            Apesar do expressivo aumento da pesquisa sobre dinossauros realizada nos últimos anos (envolvendo, também, ovos fossilizados, pegadas e aspectos tafonômicos), pode ser constatado que as descobertas do Brasil ainda não são condizentes com o seu potencial, particularmente quando comparados, em termos absolutos, com outros países como China, Estados Unidos, Canadá e Europa. Para mudar este quadro é necessário um maior investimento para a atividade de campo, possibilitando a diversos grupos de pesquisa, de forma conjunta ou independente, de realizar trabalhos de exploração para o encontro de novas localidades onde fósseis possam ser coletados. Apenas um esforço contínuo neste sentido poderá preencher a lacuna de conhecimento existente acerca dos dinossauros (e de outros organismos extintos) nesta extensa área do planeta que hoje chamamos de Brasil.

            Por último, é importante que haja a compreensão por parte da sociedade que a pesquisa de fósseis esta se tornando cada vez mais sofisticada para fazer frente às perguntas igualmente mais complexas que os fósseis estão ajudando a responder. Nada mais enganoso do que o estereotipo do pesquisador de "dinossauros" como alguém sentado em seu escritório à frente de "ossos empoeirados". Laboratórios bem equipados para preparação de exemplares, microscópio eletrônico de varredura, tomografia computadorizada e laboratórios visando encontrar biomoléculas em material fóssil são cada vez mais comuns em países onde a pesquisa paleontológica pode ser considerada de ponta. Apenas investimentos por parte do setor público e da sociedade em geral, poderá fazer com que também o Brasil passe a fazer parte da elite científica nesta extraordinária área de pesquisa, que é a evolução da vida no nosso planeta.

 

*Membro da Academia Brasileira de Ciências; bolsista do CNPq e do programa Cientistas do Nosso Estado, FAPERJ.