POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO LAZER E DO ESPORTE

 

Silvia Cristina Franco Amaral

 

O termo política pública somente pode ser entendido ao fazermos uma incursão pelo significado dado à política. A política, nos diversos enfoques que pode ter, seja como ciência ou arte, teoria ou prática, no senso comum ou na linguagem dos especialistas, refere-se ao exercício de alguma forma de poder, com suas múltiplas conseqüências. Contudo, relacionar a palavra política apenas ligada ao exercício do poder não designa a totalidade de sua abrangência. É necessário, refletir sobre o que é exercer poder. Em poucas palavras, poderíamos relacionar este exercício a um processo pelo qual um grupo de pessoas, cujas opiniões ou interesses são a princípio divergentes, toma decisões coletivas que se tornam regras obrigatórias para o grupo e se executam de comum acordo. Perante esta definição rápida de política, poderemos concluir que no mundo moderno o cenário principal deste exercício seja o Estado, já que este é a autoridade mais compreensiva que podemos encontrar e, certamente, a instituição com maior capacidade de influenciar através da persuasão ou da negociação, ou de estabelecer mecanismos de tomada de decisão final. Assim, muitos analistas relacionam a definição de política à ação do Estado.  Segundo Ribeiro (1998, p. 25) “em toda a sociedade há mecanismos estabelecidos, através dos quais as decisões públicas são formuladas e efetivadas. Na linguagem comum, diríamos que toda sociedade tem alguma espécie de governo (...)”.O Estado moderno, desde sua concepção, tem servido a interesses de determinada classe social. Na sua criação esteve fortemente ligado ao liberalismo político, ou seja, de intervir na sociedade a fim de garantir limitações, por exemplo, da autoridade dos patrões sobre os empregados, em relação às práticas de manipulação predatória do mercado. A este tipo de ação do Estado moderno denominou-se de políticas públicas. Historicamente as políticas públicas, em especial aquelas ligadas a dimensão social, foram planejadas e executadas como concessão de um Estado paternalista, que através delas exercia o controle sobre a classe trabalhadora e, em raras ocasiões, foram fruto de lutas de categorias sociais por seus direitos. Ainda podemos concluir que por ser nosso País uma nação com moldes federativos, no qual há autonomia política e ideológica entre suas unidades, as políticas públicas, às vezes, assumiram uma determinada direção ideológica na esfera nacional e outra nas esferas estadual e municipal. Estas orientações resultaram em diferentes modelos de gestão pública que tem por base ideologias como a liberal, a neo-liberal, a social democrata e/ou um modelo híbrido, que congrega formas distintas de democracia (representativa e participativa) e, que hoje, parecem conviver em consenso ou em conflito direcionando a aplicação dos recursos, a concepção e aplicação de programas e sua avaliação. As políticas públicas e sociais tem sido garantidas  por lei e atendido direitos a saúde, educação, habitação, entre outras. Contudo, quando nos referimos ao lazer e ao esporte, embora constatemos que tais políticas tenham sido estabelecidas em diferentes períodos da história política brasileira, foi somente a partir de Constituição de 1988, que estes campos foram contemplados como direitos sociais. Assim, pensar e implementar políticas públicas para o desenvolvimento do lazer e do esporte necessariamente implica perceber que tais direitos, muitas vezes, foram usados como benesses concedidas por algum governante ao povo ou usados para o controle da classe trabalhadora e, também, enfrentar as tensões causadas pela adoção de diferentes modelos ideológicos de Estado, nas diferentes esferas de nossa nação, que nem sempre são transparentes ao controle popular. Como há diferentes concepções, obviamente as concessões orçamentárias, as legislações pertinentes ao setor e o próprio estabelecimento  e acompanhamento de programas seguem critérios que estão pautados mais em acordos políticos partidários, do que o atendimento a parcelas da sociedade civil que precisariam ter acesso a esses bens, que em última análise lhes pertencem.  Além disso, salvo algumas iniciativas isoladas de algumas municipalidades e tentativas na esfera estadual e municipal, o controle e avaliação dos programas são precários. Este acompanhamento deveria ser realizado desde sua implementação, passando pela dotação orçamentária (e as leis que a sustentam) até uma avaliação de impacto social destas políticas. Outro ponto de fundamental importância, para quem vai se debruçar sobre os estudos de políticas públicas de lazer e de esporte no Brasil ou mesmo administrá-las é a consciência de que o delineamento teórico que irá sustentar a ação deveria ter papel determinante nas mesmas, entretanto, o que temos constatado é que há uma lacuna entre o que se escreve e o que se coloca em prática.  Por fim, outro aspecto prioritário a ser atacado é a forma como a gestão é efetivada entre os diferentes setores. O lazer e o esporte tem sido tratados como campos “siameses”. Muitas vezes, as ações de lazer ficam restritas a manifestação da cultura esportiva, pautada pelo padrão do alto rendimento. Desta forma, são oferecidas a população (obviamente a uma parcela ínfima da mesma) programas de iniciação esportiva daqueles esportes tidos como tradicionais ou as verbas são usadas para que o município,  estado ou, mesmo o País, (e alguns poucos privilegiados) representem-no em competições cada vez mais “profissionais”. Pouco tem se pensado e feito neste campo para uma efetiva mudança, como por exemplo, o enfrentamento dos obstáculos que impedem a efetivação de uma gestão matricial (ações transversais ou inter-setoriais) relacionadas ao lazer e ao esporte.Certamente, mudanças substanciais seriam implementadas caso diferentes setores planejassem e efetivassem práticas multidisciplinares nestes e, em outros campos. Por fim, podemos afirmar que o campo do lazer e do esporte ainda carece do desenvolvimento de estudos comparativos sobre os diferentes modelos de gestão, dos investimentos públicos e sua aplicação, dos impactos sociais destas políticas, da coerência entre discurso e ação, da dimensão da representação individual do lazer e o impacto que pode ter sobre a construção coletiva destas políticas. Assim como, são precários e incipientes os diálogos entre quem administra e quem produz conhecimento (agências de pesquisa, universidades). Os primeiros por justificarem em seus discursos que o “tempo da política não pode e não é o mesmo do meio acadêmico e da pesquisa”, pois os mandatos para um governo são curtos e não permitem planejamentos em longo prazo e os segundos, porque ao criticarem tais políticas não são bem recebidos pelos governantes que desejam que a avaliação de suas ações seja exclusivamente propaganda partidária e não uma prática efetiva de avaliação que enseje mudanças.

 


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004