POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA O DESENVOLVIMENTO DO LAZER E DO ESPORTE
O termo política pública somente pode ser entendido ao
fazermos uma incursão pelo significado dado à política. A política, nos
diversos enfoques que pode ter, seja como ciência ou arte, teoria ou prática,
no senso comum ou na linguagem dos especialistas, refere-se ao exercício de
alguma forma de poder, com suas múltiplas conseqüências. Contudo, relacionar a
palavra política apenas ligada ao exercício do poder não designa a totalidade
de sua abrangência. É necessário, refletir sobre
o que é exercer poder. Em poucas palavras, poderíamos relacionar este exercício
a um processo pelo qual um grupo de pessoas, cujas opiniões ou interesses são a
princípio divergentes, toma decisões coletivas que se tornam regras
obrigatórias para o grupo e se executam de comum acordo. Perante esta definição
rápida de política, poderemos concluir que no mundo moderno o cenário principal
deste exercício seja o Estado, já que este é a autoridade mais compreensiva que
podemos encontrar e, certamente, a instituição com maior capacidade de
influenciar através da persuasão ou da negociação, ou de estabelecer mecanismos
de tomada de decisão final. Assim, muitos analistas relacionam a definição de
política à ação do Estado. Segundo Ribeiro
(1998, p. 25) “em toda a sociedade há mecanismos estabelecidos, através dos
quais as decisões públicas são formuladas e efetivadas. Na linguagem comum,
diríamos que toda sociedade tem alguma espécie de governo (...)”.O Estado
moderno, desde sua concepção, tem servido a interesses de determinada classe
social. Na sua criação esteve fortemente ligado ao liberalismo político, ou
seja, de intervir na sociedade a fim de garantir limitações, por exemplo, da
autoridade dos patrões sobre os empregados, em relação às práticas de
manipulação predatória do mercado. A este tipo de ação do Estado moderno
denominou-se de políticas públicas. Historicamente as políticas públicas, em
especial aquelas ligadas a dimensão social, foram
planejadas e executadas como concessão de um Estado paternalista, que através
delas exercia o controle sobre a classe trabalhadora e, em raras ocasiões,
foram fruto de lutas de categorias sociais por seus direitos. Ainda podemos
concluir que por ser nosso País uma nação com moldes federativos, no qual há
autonomia política e ideológica entre suas unidades, as políticas públicas, às
vezes, assumiram uma determinada direção ideológica na esfera nacional e outra
nas esferas estadual e municipal. Estas orientações resultaram em diferentes
modelos de gestão pública que tem por base ideologias como a liberal, a neo-liberal, a social democrata e/ou
um modelo híbrido, que congrega formas distintas de democracia (representativa
e participativa) e, que hoje, parecem conviver em consenso ou em conflito direcionando
a aplicação dos recursos, a concepção e aplicação de programas e sua avaliação.
As políticas públicas e sociais tem sido garantidas por lei e atendido direitos a saúde,
educação, habitação, entre outras. Contudo, quando nos referimos ao lazer e ao
esporte, embora constatemos que tais políticas tenham sido estabelecidas em
diferentes períodos da história política brasileira, foi somente a partir de
Constituição de 1988, que estes campos foram contemplados como direitos
sociais. Assim, pensar e implementar políticas públicas para o desenvolvimento
do lazer e do esporte necessariamente implica perceber que tais direitos,
muitas vezes, foram usados como benesses concedidas por algum governante ao
povo ou usados para o controle da classe trabalhadora e, também, enfrentar as
tensões causadas pela adoção de diferentes modelos ideológicos de Estado, nas
diferentes esferas de nossa nação, que nem sempre são transparentes ao controle
popular. Como há diferentes concepções, obviamente as concessões orçamentárias,
as legislações pertinentes ao setor e o próprio estabelecimento e acompanhamento de programas seguem
critérios que estão pautados mais em acordos políticos partidários, do que o
atendimento a parcelas da sociedade civil que precisariam ter acesso a esses
bens, que em última análise lhes pertencem.
Além disso, salvo algumas iniciativas isoladas de algumas
municipalidades e tentativas na esfera estadual e municipal, o controle e
avaliação dos programas são precários. Este acompanhamento deveria ser realizado
desde sua implementação, passando pela dotação orçamentária (e as leis que a
sustentam) até uma avaliação de impacto social destas políticas. Outro ponto de
fundamental importância, para quem vai se debruçar sobre os estudos de
políticas públicas de lazer e de esporte no Brasil ou mesmo administrá-las é a
consciência de que o delineamento teórico que irá sustentar a ação deveria ter
papel determinante nas mesmas, entretanto, o que temos constatado é que há uma
lacuna entre o que se escreve e o que se coloca em prática. Por fim, outro aspecto prioritário a ser
atacado é a forma como a gestão é efetivada entre os diferentes setores. O
lazer e o esporte tem sido tratados como campos “siameses”. Muitas vezes, as
ações de lazer ficam restritas a manifestação da cultura esportiva, pautada
pelo padrão do alto rendimento. Desta forma, são oferecidas a
população (obviamente a uma parcela ínfima da mesma) programas de iniciação
esportiva daqueles esportes tidos como tradicionais ou as verbas são usadas
para que o município, estado ou, mesmo o
País, (e alguns poucos privilegiados) representem-no em competições cada vez
mais “profissionais”. Pouco tem se pensado e feito neste campo para uma efetiva
mudança, como por exemplo, o enfrentamento dos obstáculos que impedem a
efetivação de uma gestão matricial (ações transversais ou inter-setoriais)
relacionadas ao lazer e ao esporte.Certamente, mudanças substanciais seriam
implementadas caso diferentes setores planejassem e efetivassem práticas
multidisciplinares nestes e, em outros campos. Por fim, podemos afirmar que o
campo do lazer e do esporte ainda carece do desenvolvimento de estudos
comparativos sobre os diferentes modelos de gestão, dos investimentos públicos
e sua aplicação, dos impactos sociais destas políticas, da coerência entre
discurso e ação, da dimensão da representação individual do lazer e o impacto
que pode ter sobre a construção coletiva destas políticas. Assim como, são
precários e incipientes os diálogos entre quem administra e quem produz
conhecimento (agências de pesquisa, universidades). Os primeiros por
justificarem em seus discursos que o “tempo da política não pode e não é o
mesmo do meio acadêmico e da pesquisa”, pois os mandatos para um governo são
curtos e não permitem planejamentos em longo prazo e os segundos, porque ao
criticarem tais políticas não são bem recebidos pelos governantes que desejam
que a avaliação de suas ações seja exclusivamente propaganda partidária e não
uma prática efetiva de avaliação que enseje mudanças.
Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004 |