Maria
Lucia Maciel (IFCS/UFRJ)
Sarita
Albagli (IBICT)
Partindo do princípio de que no mundo atual a produção/distribuição de conhecimento e a redução das desigualdades sociais são mutuamente indispensáveis, o conhecimento é tratado como fator estratégico para o desenvolvimento social e econômico. Novas possibilidades e desafios de desenvolvimento como processo de mudança social emergem das transformações imateriais que se operam tanto na produção material quanto na produção dos intangíveis.
Nosso objetivo mais geral, o de
entender como essas transformações se desdobram, se alteram e se especificam no
caso brasileiro, nos leva a examinar a legitimidade e o alcance da noção de que
vivemos numa "sociedade da informação" ou "do
conhecimento", e a investigar como políticas e estratégias de
desenvolvimento poderiam inserir-se no cruzamento de processos de globalização
da informação e da produção com iniciativas de desenvolvimento local
("glocalização").
Partimos de alguns pressupostos
metodológicos básicos:
1. Dada a própria natureza do
objeto e dos objetivos, a transdisciplinaridade é indispensável para captar seu
alcance e suas especificidades.
2. Parte-se da premissa de que
toda atividade econômica é uma questão política: é tarefa das ciências sociais
realizar uma análise relevante da riqueza das nações, de sua produção e –
sobretudo – de sua distribuição.
3. Dado que a revolução
científico-tecnológica situa a informação e o conhecimento no centro desses
processos econômicos, sociais e políticos, a produção e a distribuição da
informação e do conhecimento, assim como o papel que exercem no plano da
institucionalidade política e das práticas sociais, devem estar entre os
objetos privilegiados da ciência social contemporânea.
As atuais mudanças
técnico-econômicas ditas “globalizantes” têm sido acompanhadas da valorização
das diferenças sócio-territoriais, bem como do papel da informação e do
conhecimento no desenvolvimento local. Por isso, torna-se necessária uma
avaliação do papel da informação, do conhecimento e do aprendizado coletivo na
articulação social de sistemas locais de inovação. Com este objetivo,
discutem-se os limites e possibilidades da elaboração de um quadro
teórico-metodológico visando captar, compreender e, eventalmente, medir fluxos
locais de conhecimento, incluindo na discussão o questionamento de conceitos
como “inteligência coletiva” e “capital social”.
O entendimento dessas complexas relações
coloca novos desafios nos campos conceitual e metodológico, demandando
instrumentos capazes de verificar e avaliar os processos e a intensidade de
circulação de informação e conhecimento, bem como seu papel para o dinamismo
sócio-econômico local. Tais instrumentos tornam-se ainda mais relevantes na
medida em que podem subsidiar a formulação de políticas e estratégias de ação
mais adequadas a contextos específicos.
Nos últimos anos, a literatura
especializada vem apontando as limitações de indicadores de conhecimento e de
inovação tradicionalmente utilizados, tais como gastos em P&D, patentes,
número de inovações e dados relativos à educação formal (diplomas e
certificados). Alguns consideram inclusive que a escolha desses indicadores (e
não de outros) resulta menos de uma reflexão metodológica sobre sua pertinência
e mais daquilo que há disponível em termos de dados e informações
(Yoguel,1998). Tais unidades de medida, embora fundamentais, não são
consideradas hoje suficientes para uma avaliação dos esforços e resultados dos
processos de aprendizado e de geração e uso de conhecimentos, já que refletem
basicamente os aspectos formais da inovação e do aprendizado. A principal
dificuldade reside justamente em captar e avaliar o conhecimento tácito e o aprendizado
gerados de maneira não intencional.
De fato, a dimensão cognitiva do
desenvolvimento local coloca importantes desafios conceituais, metodológicos e
políticos, particularmente no caso do Brasil. Procuramos, neste trabalho,
indicar algumas pistas nessa direção, particularmente:
a) A necessidade de aprimorar
instrumentos teórico-metodológicos que permitam verificar e avaliar a
intensidade, os requisitos, os obstáculos e os resultados da geração e difusão
de informações e conhecimentos, no âmbito das diversas formas de interação no
território; bem como que possibilitem avaliar o papel desses processos no
fortalecimento de uma “inteligência local”, traduzida no incremento da
capacidade inovativa e das possibilidades de desenvolvimento sustentável local
b) A relevância de desenvolver
instrumentos que permitam melhor estabelecer os nexos entre territorialidade,
capital social e difusão de conhecimentos.
c) A importância de ampliar o
escopo e a abrangência de análise, para além dos indivíduos e organizações
tomados individualmente, considerando suas interações e focando nos
condicionantes e resultados dos fluxos de conhecimento entre os mesmos, no
âmbito de contextos territoriais específicos.
Do ponto de vista das políticas,
coloca-se finalmente a centralidade de reconhecer e capitalizar os
conhecimentos específicos de cada território. No caso do Brasil, trata-se de
valorizar a sociedade multicultural que somos, expressa na nossa diversidade
regional, aproveitando das potencialidades que essa diversidade traz em termos
da ampliação da nossa capacidade de inovação e desenvolvimento local.
Este trabalho – que apresenta
resultados parciais de pesquisa ainda em andamento - pretende contribuir para o
desenvolvimento desse arcabouço teórico-metodológico. Em uma primeira parte, a
partir de uma revisão da literatura de abrangência multidisciplinar, e do
confronto entre correntes diversas, considera-se como as características e
relações sócio-culturais e institucionais, moldadas no ambiente local, influem
na geração e no compartilhamento de conhecimentos (especialmente os tácitos) e
na capacidade de inovação local, com ênfase no papel da territorialidade e do
capital social. Em uma segunda parte, discutem-se possibilidades e limites de
se desenvolverem e aplicarem instrumentos capazes de captar, qualificar e,
eventualmente, quantificar esses fatores sócio-institucionais determinantes da
difusão de conhecimentos.
Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004 |