A
universidade nasceu na idade média contrapondo-se, hora à Igreja, hora ao
Estado, lutando sempre pela liberdade de decidir os seus destinos. Mas
sobretudo, buscava a sua autonomia diante dos poderes constituídos, por vezes
até mesmo radicalizando na direção do assembleísmo universitário
dominado mais por estudantes do que por professores. A universidade
contemporânea não se diferencia, na essência, da Universidade de Bolonha, Paris
e Oxford em seus primórdios. Quer autonomia, financiamento e, por vezes, também
radicaliza em suas decisões, inclusive, na escolha de seus reitores com a
participação assembleísta de estudantes, professores e funcionários.
No caso
brasileiro, a autonomia já está até consagrada na constituição federal de 1988,
que estipula, em seu artigo 207, que “as universidades gozam de autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
Já se passaram quase 16 anos e a autonomia ainda não saiu da constituição
cidadã, como bem a apelidou o saudoso Ulysses Guimarães.
Não é pois, por acaso, que o Partido dos Trabalhadores incorporou à
proposta de governo do então candidato Lula a defesa da autonomia da
universidade pública brasileira como uma de suas principais bandeiras. Ao se
reunir com reitores da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições
Federais de Ensino Superior (Andifes) na Universidade de Brasília, ainda como
candidato em 2002, Lula cunhou a frase que conseguiu arrancar reações irritadas
do presidente Fernando Henrique e foi manchete na imprensa no dia seguinte:
“Será preciso um presidente sem diploma para dar jeito na universidade
brasileira”.
Uma escola
do tamanho do Brasil. O nome é sugestivo e ousado, como deve ser e foi a
proposta de Lula para a educação brasileira. Especificamente, para a educação
superior, são apresentados seis “compromissos básicos”, que reproduzimos do
mesmo documento (páginas 27-8):
“Assim, os compromissos básicos do nosso governo com a
educação superior são:
a) a promoção da autonomia universitária e da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão nos termos constitucionais
(Artigo 207 da CF);
b) o reconhecimento do papel
estratégico das universidades, em especial as do setor público, para o
desenvolvimento econômico e social do país;
c) a consolidação das instituições
públicas como referência para o conjunto das IES do país;
d) a expansão significativa da oferta
de vagas no ensino superior, em especial no setor público e em cursos noturnos;
e) a ampliação do financiamento
público ao setor público, revisão e ampliação do crédito educativo e criação de
programa de bolsas universitárias, com recursos não vinculados
constitucionalmente à educação;
f) a defesa dos princípios
constitucionais da gratuidade do ensino superior público (artigo 206, IV, da
CF);
g) o envolvimento das IES, em
especial as do setor público, com a qualificação profissional dos professores
para a educação básica, em cursos que garantam formação de alta qualidade
acadêmico-científica e pedagógica e associem ensino, pesquisa e extensão.”
Não
quedam, portanto, dúvidas, ao menos no caso das instituições federais de ensino
superior (IFES). Basta que o governo coloque em prática a autonomia
universitária preconizada na constituição federal e reafirmada como compromisso
básico do candidato Lula, em 2002, com a educação superior brasileira, cabendo
ao Ministério da Educação a apresentação de proposta compatibilizando o
conceito de autonomia universitária com a identificação de fontes estáveis de
financiamento de manutenção e expansão do ensino superior.
Entre a
auto-aplicabilidade da autonomia constitucional defendida pelo Sindicato
Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), a
proposta de Lei Orgânica formulada pela Andifes e as contribuições apresentadas
pela Federação de Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades Brasileiras
(Fasubra), União Nacional dos Estudantes (UNE) e outras entidades da sociedade
civil, o governo federal comprometeu-se a apresentar sua proposta ao Congresso
Nacional ao final de 2004, após debate e audiências junto à sociedade
organizada, para posterior análise e apreciação pelo Parlamento.
Passados
16 anos da promulgação da Constituição Federal e dois anos depois de iniciado o
governo Lula, está viva a esperança de que a “pisada no acelerador e a virada à
esquerda” encomendadas pelo recém empossado presidente ao MEC, se materializem
com a autonomia universitária.
Paulo Speller é
reitor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004 |