ESCRAVOS LIBERTOS: AS FRONTEIRAS DO JURÍDICO NA
CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
Neuza Benedita da Silva Zattar (UNEMAT)
Esta pesquisa tem como objeto de investigação a
mudança da condição jurídica do escravo de objeto de direito (a quem é negado o
direito ao dizer) à pessoa livre (pessoa física reconhecida juridicamente)
sustentada pelo instrumento da alforria e se inscreve no campo teórico da
Semântica Histórica da Enunciação que se define como a disciplina que trata “a
questão da significação ao mesmo tempo como lingüística, histórica e relativa
ao sujeito que enuncia" (Guimarães,1995:85).
Nessa perspectiva, procuro
compreender o fenômeno lingüístico-histórico da alforria que garante a mudança
da condição jurídica do escravo como também o seu direito ao dizer, se
considerarmos que na condição de forro ou liberto, o escravo, constitucionalmente,
ao lado dos ingênuos, constitui a classe dos cidadãos brasileiros.
Procuro ver também como os
sentidos produzidos pelos diferentes discursos que cruzam as enunciações, a
partir do confronto de posições-sujeito na discursividade
do jurídico, do proprietário, do Império e da Igreja, constroem os processos de designação e de constituição
dos nomes próprios que nos recortes analisados configuram um divisor entre os
que determinam o acontecimento e enunciam e aqueles que nele se inscrevem
afetados por essa determinação e são tratados como não pessoa.
Nas enunciações que incluem
os senhores de engenho, a Igreja e o
jurídico, o escravo se constitui em sujeito religioso e em sujeito civil mas
não chega a ocupar uma posição de sujeito que enuncia. E nesses acontecimentos
enunciativos o seu dizer mantém-se tutelado pelas instituições que o regem.
Na condição de liberto ou
forro, fica assegurado ao escravo o direito ao dizer que se sustenta não só
pelo instrumento da alforria, mas também pela mudança nos funcionamentos da
linguagem, especificamente, nos processos de designação no interdiscurso e na
mudança histórica das formas de enunciação.
No entanto, contrariando a
hipótese de que o escravo não tem acesso ao dizer, no processo de apelação
civil ele assume um lugar de enunciação determinado pelo jurídico, irrompendo o
silêncio tutelar do seu dizer. E o funcionamento discursivo desse processo
mostra que as premissas estabilizadas na interdiscursividade da sociedade
colonial-imperial brasileira, de que o escravo não enuncia nos acontecimentos
enunciativos de que participa, não se sustentam e mostram um paradoxo nas
relações jurídico-administrativas escravocratas, que se configura como o lugar de resistência do
escravo enquanto sujeito histórico.
Palavras-chave:
Semântica Histórica da Enunciação; designação; nomes próprios; objeto de
direito; sujeito de enunciação; exclusão social.
Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004 |