APLICAÇÕES DAS FONTES DE RADIAÇÃO IONIZANTE EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

 

Mario Bernardo-Filho

UERJ

 

1- Introdução

O diagnóstico de doenças tem sido consideravelmente favorecido pela análise de imagens. Estas podem ser obtidas através do uso de variados agentes físicos, como (i) as ondas mecânicas, o ultrasom para a ultrassonografia, (ii) as radiações eletromagnéticas não ionizantes, como na ressonância nuclear magnética (RNM), onde são utilizadas as ondas de radiofreqüências e (iii) as radiações ionizantes, os raios X e a radiação gama, que são utilizados respectivamente na radiologia e na medicina nuclear (cintilografia). As imagens obtidas através da RNM e dos raios X são largamente difundidas entre os profissionais que as utilizam também para acompanhar o resultado de um tratamento medicamentoso e/ou um processo de reabilitação como em procedimentos fisioterapêuticos. As imagens de RNM vêem recebendo cada vez mais atenção dos profissionais de saúde, pois utilizam radiação não ionizante, enquanto que no caso dos raios X é possível identificar uma dose de radiação, que do ponto de vista de radioproteção deve ser muito bem justificada. A imagem radiológica será de grande relevância quando podem ser detectadas modificações anatômicas que levam à alteração do padrão de contraste natural do tecido a ser avaliado.

 

2- A imagem cintilográfica em Ciências da Saúde

Apesar da grande importância, os exames cintilográficos ainda não são amplamente difundidos entre os diversos profissionais que atuam em Ciências da Saúde. A medicina nuclear emprega radionuclídeos que formam um complexo com uma molécula ou estrutura celular e se distribui no organismo no qual foi administrado. Essa distribuição depende da forma química na qual se apresenta e esse complexo denomina-se radiofármaco. Em medicina nuclear, aproximadamente 95% dos radiofármacos são usados para fins de diagnóstico e são selecionados na dependência do órgão (alvo) que será avaliado. Os radiofármacos, em sua maioria, são adicionados em pequenas quantidades, e devem ser estéreis, livres de pirógenos, e precisam ser submetidos a controle de qualidade que assegurem o emprego dos mesmos em seres humanos. A diferença entre um traçador radioativo e um radiofármaco reside no fato de que o primeiro não pode ser administrado em humanos, devido à falta de controles adequados como o de esterilidade e apirogenicidade. Esses radiofármacos preparados e submetidos a controles de qualidade na radiofarmácia serão utilizados em procedimentos clínicos em medicina nuclear auxiliando as diversas especialidades médicas e também podem permitir que os profissionais que trabalham na reabilitação possam acompanhar a resposta do paciente ao procedimento a que esteja sendo submetido. Como a imagem obtida na medicina nuclear depende da biodisponibilidade do radiofármaco em um tecido e está intimamente associada com o metabolismo local essa imagem é considerada como metabólica. Mais ainda, devido a esse fato, alterações metabólicas localizadas já poderão ser identificadas, antes de modificações anatômicas, dando origem a uma imagem precoce de uma afecção orgânica.

Apesar da disponibilidade de inúmeros isótopos radioativos apenas um número limitado deles apresenta características que favorecem o emprego na preparação de radiofármacos. Em relação aos procedimentos de medicina nuclear com a aquisição de imagens cintilográficas, têm-se o SPECT (single photon emission computed tomography) e o PET (tomografia por emissão de pósitronspositron emission tomography). No primeiro, são utilizados os emissores de radiação gama e os que decaem por captura eletrônica e no segundo, aqueles que emitem radiação beta positiva (pósitron). O tecnécio-99m (Tc-99m) e o flúor-18 são os radionuclídeos mais utilizados no SPECT e PET, respectivamente. Apesar da grande importância, o PET ainda não é um procedimento de rotina, estando limitado a algumas instituições no Estado de São Paulo, onde o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, produz o F-18. No Estado do Rio de Janeiro, o Instituto de Engenharia Nuclear, da CNEN já está também disponibilizando esse radionuclídeo.

            A preparação de radiofármacos envolve três etapas básicas: produção do radionuclídeo, obtenção do componente não radioativo (molécula ou estrutura celular) e a reação do radionuclídeo com o elemento não radioativo. Todas essas etapas passam por controles de qualidade específicos finalizando com a administração do radiofármaco no paciente e a aquisição, quantificação e interpretação de imagens na maioria das vezes. Isso estabelece interfaces entre profissionais diversos e o envolvimento de médicos, fisioterapeutas, químicos, biólogos, farmacêuticos, físicos, engenheiros, matemáticos e outros é fundamental para que a medicina nuclear continue sendo uma especialidade não invasiva e que pequenas doses de radiações sejam recebidas pelo paciente, quando comparadas, de modo geral,  para exames similares realizados na radiologia.

 

3- A biodisponibilidade de radiofármacos e a interação medicamentosa

            Aspectos teóricos e práticos de interação de drogas terapêuticas com radiofármacos têm sido estudados por muitos pesquisadores e têm gerado resultados conflitantes na literatura especializada. Isto deve-se ao fato de que uma droga terapêutica pode atuar no sistema biológico promovendo efeitos diretos e/ou indiretos sobre os radiofármacos como apresentados na figura 1.

 

Figura 1: Ações de uma droga medicamentosa em relação aos radiofármacos

 

 

     natureza do                 meio bioquímico no qual                        alvos preferenciais

    radiofármaco                o radiofármaco está exposto            de ligação dos radiofármacos

 

 

 

 

 

 


                                                           Biodisponibilidade

de

                                                             radiofármacos

 

 

 

 

 


       estruturas que normalmente não                                 capacidade do radiofármaco        

             seriam alvos para os                                                      de se ligar aos

                 radiofármacos                                                         elementos sanguíneos

 

 

Assim, a biodispobibilidade de um radiofármaco pode ser alterada em um organismo submetido a um tratamento com uma droga. Por isso, mais atenção tem sido dada aos diagnósticos com compostos farmacológicos marcados com isótopos radioativos, de modo que os resultados obtidos não sejam inadequados, o que acarretaria uma má interpretação dos exames, devido a um comportamento não esperado, apresentado pelo radiofármaco. Do mesmo modo, os processos de marcação de radiofármacos contendo hemácias ou leucócitos marcados também pode ser comprometida devido a presença de substâncias químicas diversas presentes no sangue de pacientes.

 

4- A pesquisa com radiofármacos e a interação medicamentosa

Em nossos projetos tem-se estudado a influência de drogas medicamentosas e extratos de vegetais na biodistribuição de radiofármacos marcados com Tc-99m. Nesses experimentos animais têm sido tratados com mitomicina C ou vincristina ou com dieta contendo extrato de chuchu, couve-flor ou Ginkgo biloba. A seguir radiofármacos diversos têm sido administrados aos animais, constatando-se por exemplo que a mitomicina-C altera a biodistribuição do Tc-99m-MDP (ácido metilenodifôsfonico), aumentando a captação radioativa no timo, baço, ovário, útero, coração, pulmão, rim, estômago e pâncreas. Foi observado que o Tc-99m-DTPA (ácido dietilenotriaminopentacético) tem a sua biodistribuição alterada devido à ação da vincristina. Esta droga quimioterápica promovendo o aumento da captação radioativa deste radiofármaco no útero, ovário, baço, timo, linfonodos (inguinal e mesentérico), rim, pulmão, fígado, estômago, coração e osso. Extrato de chuchu e da menta também têm alterado a biodistribuição de radiofármaco, como demonstrado em ratos, nos quais a fixação do pertecnetato de sódio é modificada, com efeitos na quantidade de radioatividade fixada na tireóide.

A marcação de hemácias com Tc-99m tem sido alterada por extratos vegetais, como os de espinheira-santa, carqueja, Fucus vesiculosus, menta e guaraná, com importantes diminuições da radioatividade incorporada a esses elementos sanguíneos.

 

5- Conclusão

Devido a importância das imagens obtidas em medicina nuclear, seja por SPECT seja por PET, o conhecimento da possibilidade da interação medicamentosa com radiofármacos é fundamental, uma vez que, sendo desconhecida, pode acarretar diagnósticos equivocados de doenças com graves conseqüências ao acompanhamento do paciente. Além, existindo a necessidade de repetição do exame, isso irá determinar um aumento de dose de radiação para o paciente e para os profissionais envolvidos. Uma das maneiras de se otimizar a condição de interação medicamentosa é a integração dos vários profissionais envolvidos com o desenvolvimento de modelos que permitam identificar a possibilidade desse fenômeno.

 

6- Bibliografia

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- Owunwanne A, Patel M and Sadek S. The Handbook of Radiopharmaceuticals. Chapman and Hall Medical, Madras, 1995.

 

- Saha GB. Fundamentals  of  Nuclear  Pharmacy. 3rd  New  York: Springer-Verlag, 1998.

 

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-Oliveira JF, Oliveira MBN, Avila AS, Braga ACS, Catanho MTJ, Jales RL, Cardoso VN &  Bernardo-Filho M. Assessment of the effect of Fucus vesiculosus extract on the labeling of blood constituents with technetium-99m and the histological modifications on the shape of the red blood cells.  Food and Chemical Toxicology , 41:15-20, 2003


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004