ESTUDOS ECOLÓGICOS DE ARTRÓPODES NO PANTANAL

 

Marinêz Isaac Marques

Universidade Federal de Mato Grosso

 

Nas regiões tropicais as áreas alagáveis destacam-se devido à complexidade dos processos ecológicos existentes, situação observada no Pantanal mato-grossense, onde o equilíbrio das paisagens é sensível às alterações da estrutura fisionômico-florística, que pode ser explicada pela relação entre a dinâmica hídrica e a estrutura geomorfológica. Segundo JUNK et al. (1989), o Pantanal mato-grossense abriga numerosas espécies de insetos e outros artrópodes de grande importância para pesquisas entomológicas referentes a processos adaptativos. Nesse ecossistema, o pulso de inundação é relativamente previsível e corresponde a um ciclo hidrológico anual. Assim, os organismos que se adaptam a sazonalidade hídrica podem se beneficiar para o desenvolvimento de suas populações. As áreas úmidas cobrem grandes extensões nos trópicos em geral, e em específico no Brasil, sendo importantes para o armazenamento de água, como tampão climático local, fonte receptora em ciclos biogeoquímicos, habitats para plantas e animais altamente adaptados, bem como para populações humanas, além de se caracterizarem como áreas de produção agrícola, florestal e pontos focais para o turismo. Invertebrados terrestres nesses ecossistemas periodicamente inundados requerem estratégias de sobrevivência especiais que são determinadas pelo tipo e freqüência de inundação, sua amplitude e duração. Essas características representam o pulso de inundação que é considerado o mecanismo de controle primário nesses sistemas. Dentre os invertebrados terrestres destaca-se o filo Arthropoda que ao longo de seus 600 milhões de anos, evoluiu e se tornou o grupo mais diverso e abundante sobre a Terra, sendo que suas inúmeras estratégias de sobrevivência permitiram que ocupassem os mais variados ambientes. Por ocupar diversos nichos funcionais e microhabitats em um grande espectro de escalas temporais e espaciais, este grupo é identificado como bioindicador para planos de manejo e conservação de ecossistemas terrestres. A escassez de conhecimento sobre ecossistemas de áreas úmidas e a necessidade de elaboração de planos de manejo, foram as razões dos estudos propostos para as áreas alagáveis do Pantanal de Mato Grosso. Desta maneira o Projeto Ecologia do Pantanal, cooperação científica Brasil-Alemanha (SHIFT), na linha de Ecologia de artrópodes terrestres, desenvolveu estudos integrando diferentes metodologias em habitats variados como solo, tronco e copa, para avaliar a diversidade e composição das comunidades de artrópodes, fornecendo assim, subsídios para planos de manejo e conservação de áreas prioritárias para a manutenção da diversidade biológica. A vegetação pantaneira é caracterizada como um mosaico de matas, cerrados e campos limpos, onde verifica-se a ocorrência de grupamentos homogêneos ou monodominantes, destacando-se os adensamentos de palmeiras como os carandazais (Copernica alba), acurizais (Attalea phalerata) e os buritizais (Mauritia vinifera). Além destes agrupamentos temos também os cambarazais e landis, característicos da região do Pantanal de Poconé. Essas unidades fitofisionômicas podem ser definidas como monodominantes, pois em ambas, apenas uma espécie vegetal é considerada dominante. Nos cambarazais, ocorre o predomínio de Vochysia divergens Pohl (Vochysiaceae) e nos landis Calophyllum brasiliense Camb. (Guttiferae). Sendo assim, para se obter dados sobre biodiversidade, fenologia e função de artrópodes terrestres em ecossistemas neotropicais, táxons indicadores devem ser monitorados em diferentes estratos, através da combinação de diferentes metodologias, considerando a grande diversidade de habitats pantaneiros, não existe, portanto, um único método de coleta capaz de avaliar todos estes organismos. Além disso, verifica-se que estes organismos utilizam estes diferentes habitats em diferentes épocas do ano, de acordo com a sazonalidade, desenvolvendo para isto, suas estratégias de sobrevivência. Os primeiros resultados obtidos para o Pantanal abordando artrópodes de solo demonstraram que durante a cheia, vazante e chuva esses organismos são muito mais abundantes na serapilheira que no solo superficial, indicando uma migração vertical destes artrópodes. A serapilheira apresentou maior abundancia de artrópodes durante os períodos sazonais avaliados, provando que a presença de microhabitats e recursos são fundamentais para a estruturação desta comunidade. Dentre os grupos dominantes destacam-se Acari, Hymenoptera, maioria Formicidae, e Collembola, considerados, portanto, os principais componentes desta fauna. Apesar de menos abundante o solo também possui uma fauna representativa. Com relação aos resultados do período de cheia e seca da comunidade de artrópodes associada à copa de Attalea phalerata Mart. (Arecaceae), verificou-se a influência do pulso de inundação sobre a composição e estrutura dessa comunidade tanto em relação a abundancia quanto a diversidade de organismos, e conseqüentemente sobre a biomassa. Pois na maioria dos táxons houve um grande aumento populacional durante a fase aquática, ocasionada pela maior disponibilidade de recursos disponíveis nesta fase. Os resultados referentes a Formicidae indicam Myrmicinae com seis tribos (Cephalotini, Attini, Crematogastrini, Solenopsidini, Pheidolini e Dacetini) e catorze espécies, como a subfamília mais representativa, seguida por Formicinae com três tribos (Lasiini, Brachymyrmecini e Camponotini) e oito espécies. Dentre as tribos de Myrmicinae, Solenopsidini destaca-se com 5 espécies do gênero Solenopsis. Verificou-se também a influência do pulso de inundação sobre a composição e estrutura da comunidade de Coleoptera associada a copa de A. phalerata durante a cheia e seca, principalmente sobre Endomychidae, Curculionidae e Chrysomelidae, concluindo assim, que o pulso de inundação exerce papel regulador sobre a biota pantaneira. Todos estes resultados indicam A. phalerata como espécie-chave nos ecossistemas alagáveis, por desempenhar papel importante nos processos ecológicos existentes nestas áreas, sendo base alimentar para diversos grupos animais, servindo de refugio e local de reprodução para diferentes grupos de artrópodes. Essa influencia é também observada sobre a composição e estrutura da comunidade de artrópodes associada à copa de Vochysia divergens Pohl. (Vochysiaceae) em relação a abundancia verificada através do aumento populacional durante a fase aquática, ocasionada pela maior disponibilidade de recursos encontrada durante esta fase. A interação entre insetos e suas plantas hospedeiras também é avaliada, bem como a influência de variáveis ambientais sobre o ciclo de vida de espécies importantes para a manutenção desse ecossistema como Cornops aquaticum (Brunner 1906), indicado como agente de controle biológico de macrófitas aquáticas. Embora C. aquaticum tenha demonstrado flutuação populacional e uma baixa abundancia, apresentou freqüência constante ao longo de todo o período amostrado e seletividade quanto ao habito alimentar, aceitando as Pontederiáceas E. crassipes e Pontederia parviflora. Estes resultados corroboram os dados obtidos para outras regiões, o que reforça o seu uso como agente de controle biológico em potencial de macrófitas aquáticas especificas. Verifica-se, portanto, que a composição das comunidades dos artrópodes no Pantanal é influenciada pela sazonalidade, demonstrando que a fenologia desses organismos é também suscetível às inundações periódicas nessas áreas, reconhecendo, portanto, o pulso de inundação como um mecanismo de controle primário nesse ecossistema.

 


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004