POLÍTICAS DE C&T NO BRASIL: DISPARIDADES REGIONAIS E SUSTENTABILIDADE

Maíra Baumgarten*

Esse trabalho tem por objetivo analisar as políticas de ciência e tecnologia, na última década do século XX, no Brasil. Buscou-se, especificamente, verificar potencialidades e limites dessas políticas para a construção de condições de sustentabilidade e para melhorar a posição relativa do país no cenário internacional, caracterizado por economia mundializada, e baseada, nos países centrais, em conhecimento intensivo. Visando identificar impactos das formas de gestão e de fomento de ciência e tecnologia sobre o desenvolvimento e a consolidação da base científica e tecnológica brasileira, na década de 1990, investigou-se a relação entre Estado, sociedade e coletividades científicas, expressa em políticas públicas, pelas quais o Estado, com o apoio parcial da coletividade científica, institui a “excelência” como o centro da re-organização do desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, tomando-a como condição essencial para a obtenção dos níveis de competitividade exigidos para a inserção do País na nova ordem econômica mundial. A investigação foi efetuada a partir da análise, por um lado, das macroestruturas sociais representadas pelo Estado (políticas públicas, agências do Estado) e o Mercado, estruturas essas que afetam e conectam as microssituações; e, por outro lado, sua relação com os microprocessos que envolvem a ação dos atores presentes no setor de ciência e tecnologia e seu papel na manutenção ou transformação das estruturas sociais.

            As principais tendências quanto à estrutura da C&T brasileira e quanto aos rumos do desenvolvimento científico e tecnológico do país, que podem ser identificadas no período final da década de 1990, encontram-se articuladas à gestão liberal do Estado e se expressam na seletividade deformante das políticas de C&T do período e no agravamento da concentração regional da base de pesquisa. Isso é o que será tratado nesse trabalho a partir de breve análise das políticas científicas e tecnológicas, no Brasil, na década de 1990; bem como, de um levantamento das condições apresentadas pela atual base técnico-científica brasileira para responder aos desafios colocados pela inserção periférica do Brasil na nova ordem mundial e pela necessidade (identificada pelos próprios gestores das políticas públicas, no período) de projetar um desenvolvimento sustentável para o país.

Diversos problemas podem ser relacionados à condução das políticas explícitas de C&T no que se refere a propostas e à sua coerência entre objetivos e ações efetivas, como se espera demonstrar com a análise da condução dos principais órgãos gestores e de fomento a C&T e dos programas, projetos e ações descritos acima. Outrossim, uma incursão ao terreno mais amplo das políticas econômicas e sociais da década, permite visualizar um panorama que mostra a implementação de políticas implícitas que não mantêm a mínima coerência com o objetivo - claramente explicitado nos dois Planos Pluri Anual (PPA) - de buscar condições para direcionar o país a um desenvolvimento sustentado.

A idéia da qual se parte nesse trabalho é de que: uma crítica conseqüente das atuais relações entre os seres humanos, seu ambiente (natural e artificial) e o saber que se constrói nessas relações e que, reciprocamente, as informa, passa pela crítica às formas fetichizadas de produção da vida pelas quais, natureza e sociedade se transmutaram em mercadorias. Considera-se que não há condições possíveis de sustentabilidade para um desenvolvimento econômico e social, que repouse sobre uma base de exploração depredadora do ambiente e dos seres que o constituem, bem como, no sistemático desperdício de bens e desrespeito pela natureza, tanto humana quanto não humana.

As conseqüências de uma visão de futuro, alicerçada no credo produtivista e na racionalidade instrumental, característica do paradigma científico e tecnológico da civilização industrial moderna, se fazem sentir tanto na cultura e nas relações sociais, quanto nos efeitos causados nas condições de manutenção da vida do próprio planeta.

Acredita-se que o progresso dessa “nova ordem mundial” com seu corolário de desigualdade e de destruição sistemática da natureza e dos laços de solidariedade inter-humana não é uma realidade inexorável, ao contrário, as próprias virtualidades críticas contidas no conhecimento científico permitem, não só desvelar as potencialidades sombrias da realidade, como também entrever outras possibilidades. Com essa idéia torna-se possível voltar ao problema específico da relação entre conhecimento científico e sustentabilidade e sua situação no cenário nacional.

Conhecer os limites e as potencialidades do planejamento e das políticas de ciência e tecnologia desenvolvidos no Brasil, na última década, e da base científica e tecnológica resultante, parece ser uma boa forma de fundamentar a reflexão sobre como projetar uma adequada articulação entre ciência, tecnologia e sustentabilidade no país, dadas as atuais condições de inserção do Brasil na ordem mundial.

Esse novo cenário mundial que vem se desenhando a partir do último terço do século XX, levou a um relativo consenso entre os defensores do desenvolvimento capitalista e seus críticos, quanto à urgência da adoção de estratégias sócio-político-ambientais sustentáveis. Há que considerar que a proposta de adoção das estratégias de desenvolvimento sustentável tem sentidos bastante diferentes para os distintos grupos envolvidos, significando para uns, tornar mais aceitáveis e menos perigosos os atuais rumos do desenvolvimento capitalista, inserindo certos mecanismos de controle; enquanto para outros a noção de sustentabilidade contém um questionamento do próprio núcleo das atuais formas de produção da vida – a mercadorização geral e a crescente e sistemática exploração depredadora do ambiente e dos seres que o constituem.

Há, pois, profundas diferenças tanto no que se refere ao tipo de estratégias propostas para a obtenção de um desenvolvimento sustentável e quem deve arcar com os maiores custos econômicos e sociais, quanto, com relação à real aplicabilidade dessas estratégias, mantendo-se as atuais formas de organização econômica e social.

O estudo conclui que as novas formas de gestão de ciência e tecnologia, no Brasil, que deixam de investir na ampliação horizontal da base de pesquisa e no apoio à emergência de grupos, com capacidade de encontrar soluções para problemas econômicos e sociais, nas diferentes regiões do país (que apresenta dimensões continentais), podem levar a um agravamento das dificuldades para o rompimento do círculo que mantém o país como periférico, com relação aos centros dinamizadores de conhecimento e, também, reduzir suas chances de um desenvolvimento sustentável, apesar do discurso e, mesmo, de políticas explícitas em ciência e tecnologia, direcionadas para esse tipo de desenvolvimento.

 



* Doutora em Sociologia, Professora do DECC-FURG e do Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFRGS.


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004