EXPOSIÇÃO AO MERCÚRIO E DESEMPENHO DO SISTEMA VISUAL HUMANO – NECESSIDADE DE NORMAS PARA AS POPULAÇÕES AMAZÔNICAS
Luiz
Carlos de Lima Silveira1,2, Anderson Raiol Rodrigues1,
Maria da Conceição do Nascimento Pinheiro2, Dora Fix Ventura3
A exposição humana ao
mercúrio é potencialmente perigosa para o sistema nervoso em vários aspectos,
compreendendo as funções sensoriais, cognitivas e motoras. Diversos compostos
mercuriais são particularmente perigosos para o sistema nervoso humano,
incluindo o mercúrio metálico (Hg0) e o metil-mercúrio (Hg-Me), um
composto organomercurial. Muitos estudos têm mostrado que tanto a inalação de
Hg0 quanto a ingestão de alimento contaminado com Hg-Me mercúrio
resulta em disfunção visual. Os garimpeiros de ouro da Amazônia estão expostos
à contaminação mercurial devido à inalação dos vapores produzidos durante a
queima do amálgama de mercúrio e ouro. Além disso, os habitantes das
comunidades ribeirinhas da Amazônia representam um outro grupo de risco devido
à exposição aos compostos organomercuriais através da dieta rica em peixe
contaminado.
Os estudos realizados com
esses grupos populacionais têm mostrado que a avaliação visual é um
procedimento muito útil para investigar o comprometimento das funções neurais
devidos à intoxicação mercurial. No trabalho que vem sendo desenvolvido na
UFPA, tem sido avaliado o desempenho visual de sujeitos expostos ao mercúrio em
tarefas espaciais acromáticas e cromáticas, sendo os resultados comparados com
normas obtidas com um grande número de indivíduos sem alterações visuais e de
mesma faixa etária. Os resultados preliminares apresentados aqui foram obtidos
com um grupo selecionado de 10 pacientes com história de exposição ao mercúrio,
sendo 7 garimpeiros, 2 técnicos de laboratório e 1 ribeirinho, e 53 indivíduos
normais, todos com idade entre 16-40 anos. Também tem sido estudado um grupo
maior de sujeitos situados numa faixa etária mais ampla porém os resultados não
serão apresentados aqui, uma vez que as normas para as diversas faixas etárias
nos vários testes empregados ainda estão sendo construídas.
No momento em que foram
testados, os pacientes, em sua maioria, já haviam sido removidos da exposição
ao mercúrio por mais do que seis meses. Todos os pacientes, antes da
investigação psicofísica visual, foram submetidos a exame clínico,
clínico-laboratorial, oftalmológico e neurológico de rotina. Os testes
psicofísicos consistiram de software escrito em linguagem de programação C++ e
foram desenvolvidos para uso em plataforma IBM RISC6000 (uma versão para
plataforma IBM-PC com placa gráfica aceleradora está agora parcialmente
funcional). Os testes compreenderam a medida da sensibilidade ao contraste
acromático entre 0,2 e 30 ciclos/grau e a medida da sensibilidade ao contraste
cromático verde-vermelho e azul-verde em freqüências espaciais baixas (0,1 - 1
ciclos/grau). Outros testes realizados (cujos resultados não serão discutidos
aqui) compreenderam a avaliação da capacidade de discriminação de cores em
tarefa de ordenamento de cores (teste de 100 matizes de Farnsworth-Munsell) e a
medida das elipses de discriminação de cores de MacAdam (teste de
Mollon-Reffin).
O desempenho nos testes de
visão espacial dos pacientes expostos ao mercúrio foi abaixo das normas. Entre
os 10 pacientes testados para a sensibilidade ao contraste acromático, 6
tiveram o desempenho abaixo do limite de tolerância para sujeitos normais.
Somente 4 pacientes foram testados para a sensibilidade ao contraste cromático,
3 dos quais tiveram limiares mais baixos que os controles tanto para o
verde-vermelho quanto para o azul-verde, enquanto que o quarto paciente teve
desempenho comprometido apenas para o azul-verde.
Os resultados indicam que a
avaliação psicofísica pode ser usada para quantificar o comprometimento visual
de populações ou indivíduos expostos ao mercúrio. No presente projeto,
primeiramente um grande grupo controle compreendendo faixas etárias diferentes
e diversas localidades da Amazônia (habitantes de grandes cidades e de
comunidades ribeirinhas) está sendo testado para gerar normas populacionais.
Numa segunda etapa, os mesmos métodos estão sendo usados para estudar
habitantes de comunidades ribeirinhas expostas ao mercúrio orgânico através da
dieta rica em peixe. O objetivo final consiste em definir métodos rápidos,
sensíveis e específicos para detectar os estágios precoces da intoxicação
mercurial. No presente trabalho, estão sendo testados somente os aspectos
espaciais da visão central, em condições fotópicas. Noutras fases pretendemos
estender este estudo aos aspectos temporais e à visão em condições escotópicas.
Apoio financeiro:
CNPQ-PNOPG, CNPQ-SECTAM-PRONEX, CAPES-RENOR, CAPES-PROCAD, FAPESP.
1Departamento
de Fisiologia, Centro de Ciências Biológicas (CCB), UFPA, Belém, PA
2Núcleo de
Medicina Tropical (NMT), UFPA, Belém, PA
3Instituto
de Psicologia, USP, São Paulo, SP
luiz@ufpa.br, arr@ufpa.br,
mconci@ufpa.br, dventura@usp.br
Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004 |