TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS RECENTES NA FRONTEIRA AMAZÔNICA EM MATO GROSSO

 

Luiz Carlos Galetti (UFMT)

 

 

INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho propõe-se a discutir questões relevantes dentro da temática das transformações políticas na Amazônia Mato-Grossense, nos últimos vinte anos, levando em conta o processo de modernização conservadora que atingiu a região em decorrência da implantação da Ditadura Militar no Brasil  a partir de 1964.

 

Pretende-se analisar indicadores selecionados de mudanças políticas neste período, sejam aquelas mais consolidadas como também outras das quais podemos conseguir informações substantivas de que estejam em curso.

 

Vale a pena relembrar alguns traços relevantes deste contraditório processo, que tem como marco determinante o incremento da internacionalização da Amazônia brasileira, incentivado pela Ditadura Militar. A grosso modo, esta mudança radical no cenário político nacional desencadeou uma devastação e degradação da natureza e da vida na Amazônia sem precedentes. Este processo continua, de forma ainda muito preocupante: na atualidade, Mato Grosso continua sendo o campeão nacional em desmatamento, gerando problemas políticos e ambientais muito graves que atingem uma variada gama de setores da população mato-grossense e nacional mundial. 

 

Naqueles anos de chumbo surgiram muitas cidades novas e movimentos sociais de fronteira; os conflitos cresceram,  envolvendo trabalhadores urbanos e rurais, posseiros, trabalhadores sem terra e sem teto, moradores atingidos pelas barragens, índios, garimpeiros, estudantes e jovens em geral, mulheres e grupos variados da população, pequenos, grandes e médios proprietários rurais e urbanos, narcotraficantes, setores da Igreja, do Estado e mais recentemente quilombolas; enfim toda a população envolvida com as questões relativas aos usos da terra, das águas, à biodiversidade, ao subsolo, ao turismo e bens culturais, à produção industrial e seus representantes institucionais, confessionais, sindicais e partidários.

 

Assistimos, ainda neste período, a um novo rearranjo na configuração das classes dominantes regionais, com a participação de emergentes grupos agropecuários e dos agronegócios, madeireiros, mineradores, exportadores, dos setores de serviços, lazer e turismo elitizado, do narcotráfico, da especulação imobiliária e de conglomerados financeiros, industriais e do comércio nacional e de exportação, principalmente do sul e sudeste do país e também empresários transnacionais do neoliberalismo global.

 

Entre os trabalhadores, em correspondência a este novo pólo empresarial, passa a ocorrer a formação de uma classe trabalhadora urbana e rural com características próprias, novos movimentos populares (sem teto, sem terra, grupos da periferia urbana, etc), com predominância concentrada nos setores tradicionais da economia (alimentos, bebidas, ramos mais ligados à atividade agropecuária e extrativista, porém implantada com tecnologias avançadas). Como se trata de região ainda com forte perfil agrícola, extrativista, de serviços, comércio e do funcionalismo público, à exceção do setor dos agronegócios e outros menores, as mudanças que vem ocorrendo – mesmo que pautadas pela financeirização e reestruturação produtiva mundiais - diferem qualitativamente do processo de mutações que vive a classe trabalhadora da região sudeste do país.

 

Os sucessivos governos mato-grossenses, ao longo do período, em alguma medida, refletem os resultados destes conflitos e transformações. Por outro lado, apesar destas mudanças, tem ocorrido uma espécie de alternância no poder, envolvendo  famílias tradicionais  da oligarquia cuiabana e mato-grossense em aliança com setores do empresariado do sul e sudeste do país. No início dos anos 1980 o governo era PDS (uma das raízes do PFL), depois PMDB, no início dos anos 1990 retorna o PFL e nas gestões seguintes voltam políticos do PMDB, que haviam se transferido para o PSDB. A novidade a ressaltar no período atual é a vitória de Blairo Maggi (PPS), um mega empresário de origem sulista, do setor dos agronegócios ( o maior produtor individual de soja do mundo). Sua eleição pode estar indicando o início de uma transformação, na medida em que pela primeira vez, no período em tela, as oligarquias tradicionais perdem a hegemonia na condução da máquina institucional estatal.

 

Este trabalho pretende dedicar-se, em maior parte, à análise do significado da vitória e também do governo de Blairo Maggi. Este governo pode ser visto como a demarcação de um novo tempo, de um novo ciclo na política mato-grossense? Porque, no período em pauta, vem acontecendo um processo de  transformação das relações políticas no âmbito da sociedade em geral, passando de patrimonialistas, de clientela e compadrio para novas relações mercadológicas e financeiras.     

Pode-se dizer que o novo governo vem atendendo as reivindicações e necessidades da população em geral? E os indicadores sociais de educação, saúde, enfim, de qualidade de vida, apontam para melhoras? Em linhas gerais: as condições de vida, os salários, os índices de desemprego, a violência, apontam para melhoria, em geral, com o novo governo?

 

Um dos elementos fundamentais a levar em conta na análise destas transformações na fronteira mato-grosense diz respeito ao tempo histórico e cultural em que elas vem acontecendo. Várias pesquisas insistem na importância da peculiaridade específica deste fenômeno para a análise da problemática política regional.  

 

 

OBJETIVOS

 

1)      Detectar e discutir mudanças políticas a partir da análise de resultados eleitorais para o período em tela (eleições para governador, parlamentares estaduais e federais e prefeitos).

 

2)      Analisar indicadores selecionados para a população mato-grossense (IDH, índices de analfabetismo, de saúde, qualidade de vida, violência, outros); analisar indicadores escolhidos de manifestações políticas de certas categorias de trabalhadores e movimentos populares.   

 

 

 

PROCEDIMENTOS

 

Pretende-se analisar, de forma crítica, dados da Assembléia Legislativa Estadual de Mato Grosso (MT) – para traçar um perfil das profissões e partidos dos deputados estaduais nas cinco últimas legislaturas (de 1987 até a atual). Procedemos de forma semelhante no Tribunal Regional Eleitoral – MT, para período idêntico, pesquisando as bancadas federais mato-grossenses (deputados federais e senadores) e o perfil dos prefeitos eleitos nas principais cidades do estado ( Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Cáceres, Alta Floresta, Sinop, Barra do Garças e Tangará da Serra).

Através de dados da Secretaria de Planejamento – MT e outras instituições fizemos o levantamento de índices relevantes para a população mato-grossense, como o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, o ICV – Índice de Qualidade de Vida, Índices de Analfabetismo, Desemprego, Mortalidade Infantil, Violência, Trabalho Escravo e outros indicadores (quando possível em séries históricas), para o período em pauta. No IBGE – MT coletamos dados da última POF – a Pesquisa sobre Orçamento Familiar.

Outros dados – a considerar sob um ponto de vista crítico - sobre os trabalhadores e organizações afins, sindicatos, os movimentos sociais e populares, o empresariado, as organizações estatais e eclesiásticas, pequenos e médios proprietários e setores de classe média, bem como sobre organizações não governamentais e do setor informal, foram obtidos de teses de doutorado, trabalhos de pesquisa e de publicações reconhecidas na área.

 

Em linhas gerais consideramos o voto nas eleições municipais, estaduais e federais como um dos indicadores destas transformações, levando em conta as limitações e dificuldades deste indicador. Vamos levar em conta, também, para analisar estas mudanças, as manifestações políticas dos trabalhadores e movimentos populares, como as greves, ocupações, passeatas, atos públicos, etc., no período em pauta.

 

PRELIMINARES E CONSIDERAÇÕES GERAIS

 

Algumas pistas iniciais:

-          Mato Grosso desde há alguns anos para cá (nos últimos dez anos, aproximadamente) não se constitui mais num pólo de atração migratória, o que vinha ocorrendo principalmente em relação às unidades do sul e sudeste da federação, por um período mais ou menos extenso, ao longo dos anos 1970 e 1980.

-          Aparentemente e também concomitante com este período houve uma significativa  mudança no desenho e na composição da frente de expansão agrícola no estado.

-          Depoimentos e levantamentos preliminares indicam que entra governo e sai governo e continua o crescimento do PIB mato-grossense, ou seja os dados indicativos de crescimento da produção continuam positivos, independentemente da cor político partidária ou da composição política dos governos em Mato Grosso.

-          O IDH de Mato Grosso continua apontando para a melhoria da qualidade de vida em todo o território mato-grossense, em linhas gerais.

 

Por outro lado, deve-se levar também em consideração que:

 

-          Em Mato Grosso os partidos políticos de esquerda, como o PT (até 2002), o PSTU, o PCO, o PC do B e outros menores tem tido pouca expressividade, elegendo um número significativamente baixo de parlamentares e executivos do aparelho de estado. Em contrapartida, partidos de direita, como o PFL, o PP, o PL, o PTB, o PSDB, o PMDB, o PDT e outros, ao longo do período pesquisado, tem ocupado a maior parte das cadeiras de representação política no estado. Como sabemos, vários destes partidos, são em Mato Grosso, agremiações com forte influência familiar. Em linhas gerais, componentes de famílias cuiabanas e mato-grossenses tradicionais vem ocupando papel de destaque, dentro destes partidos, em aliança com políticos do sul ou sudeste do país, na direção dos aparelhos de estado em Mato Grosso, na capital e municípios mais antigos, com algumas exceções (por exemplo, na região norte do estado).  Nos últimos anos vem ocorrendo uma tendência que aponta para uma alteração significativa neste fenômeno: cresce de forma interessante a participação de políticos não oriundos de famílias tradicionais nas cadeiras de representação parlamentar e executiva no aparelho de estado.

 

-          A eleição, em 2002, de Blairo Maggi pode estar significando outro forte indício de uma transformação, na medida em que pela primeira vez, no período em tela, as oligarquias tradicionais perdem a hegemonia na condução da máquina institucional estatal, pelo menos em seu aparelho executivo central.

 

-          Em relação ao imaginário popular, pode-se dizer que vem ocorrendo alterações?

Houve, no período, ou há tendências apontando para transformações políticas significativas no comportamento da população mato-grossense nestes últimos anos?

 

Desde um ponto de vista eleitoral, nos anos oitenta e noventa, os partidos políticos e as oligarquias tradicionais continuaram dominando o mundo político mato-grossense. O  patrimonialismo, clientelismo e o compadrio permaneceram enquanto as formas principais de manutenção do poder político regional. No entanto, a vitória eleitoral de alguns poucos políticos do PT e do PCdo B, principalmente nas cidades maiores, ao longo do período analisado, podem estar revelando uma certa perspectiva de mudança, na verdade com lenta gradação. Este período de vinte anos também não pode ser visto de forma linear e homogênea. Por exemplo, na agitada conjuntura do final dos anos oitenta, quando a Frente Brasil Popular, encabeçada por Lula, quase vence a eleição presidencial, Cuiabá tinha um vereador da esquerda petista e um grupo de jovens vereadores, que mesmo pertencendo a partidos de perfil conservador, tinha atuação relevante em defesa de causas populares. Enfim, a conjuntura nacional e mundial e obviamente a local-regional influem de forma marcante nos acontecimentos políticos, deslocando os partidos para a esquerda ou para a direita, na medida em que eles procuram adequar-se aos reclames da maior parte do eleitorado.  

 

As manifestações e lutas sindicais da classe trabalhadora e dos movimentos populares em Mato Grosso acompanham, em linhas gerais, o ritmo do movimento nacional, quase sempre com um certo atraso. As grandes greves do final dos anos setenta e inícios dos oitenta na região sudeste do país repercutiram intensamente em Mato Grosso. Em todo este período houve um forte movimento político e reivindicatório da classe trabalhadora e dos movimentos populares em Mato Grosso, que se estende até o “Ímpeachment” de Collor, em 1992. Um número significativo, dentre os atuais sindicatos urbanos da capital foram criados neste último período e outros, dominados por burocratas e “pelegos”, foram reconquistados pelas oposições sindicais combativas. Também nesta porção do território nacional cabe ressaltar a substancial mudança de rumo do PT – o principal partido de massas no país - do movimento de rua e das lutas dentro das categorias de trabalhadores, em seus locais de trabalho, para a política institucional, a partir de 1989.

 

Com a vitória de Lula em 2002 vai ocorrer uma inversão quase completa no cenário político nacional e local/regional: a maioria dos antigos dirigentes sindicais e dos movimentos populares instala-se em postos chaves do aparelho de estado e passa a adotar políticas de freio às manifestações e lutas da classe trabalhadora nacional e local /regional, como também às iniciativas dos movimentos populares. Em Mato Grosso a maioria petista permanece na condição de base aliada de Blairo Maggi, o mega empresário, o governante mais capitalista dos últimos tempos e chamado pela imprensa tradicional de governador socialista! 

 

 

 


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004