TRANSFORMAÇÕES
POLÍTICAS RECENTES NA FRONTEIRA AMAZÔNICA EM MATO GROSSO
Luiz
Carlos Galetti (UFMT)
INTRODUÇÃO
Pretende-se analisar indicadores selecionados de mudanças
políticas neste período, sejam aquelas mais consolidadas como também outras das
quais podemos conseguir informações substantivas de que estejam em curso.
Entre os trabalhadores, em
correspondência a este novo pólo empresarial, passa a ocorrer a formação de uma
classe trabalhadora urbana e rural com características próprias, novos
movimentos populares (sem teto, sem terra, grupos da periferia urbana, etc),
com predominância concentrada nos setores tradicionais da economia (alimentos,
bebidas, ramos mais ligados à atividade agropecuária e extrativista, porém
implantada com tecnologias avançadas). Como se trata de região ainda com forte
perfil agrícola, extrativista, de serviços, comércio e do funcionalismo público,
à exceção do setor dos agronegócios e outros menores, as mudanças que vem
ocorrendo – mesmo que pautadas pela financeirização e reestruturação produtiva
mundiais - diferem qualitativamente do processo de mutações que vive a classe
trabalhadora da região sudeste do país.
Os sucessivos governos
mato-grossenses, ao longo do período, em alguma medida, refletem os resultados
destes conflitos e transformações. Por outro lado, apesar destas mudanças, tem
ocorrido uma espécie de alternância no poder, envolvendo famílias tradicionais da oligarquia cuiabana e mato-grossense em
aliança com setores do empresariado do sul e sudeste do país. No início dos
anos 1980 o governo era PDS (uma das raízes do PFL), depois PMDB, no início dos
anos 1990 retorna o PFL e nas gestões seguintes voltam políticos do PMDB, que
haviam se transferido para o PSDB. A novidade a ressaltar no período atual é a
vitória de Blairo Maggi (PPS), um mega empresário de origem sulista, do setor
dos agronegócios ( o maior produtor individual de soja do mundo). Sua eleição
pode estar indicando o início de uma transformação, na medida em que pela
primeira vez, no período em tela, as oligarquias tradicionais perdem a
hegemonia na condução da máquina institucional estatal.
Este trabalho pretende dedicar-se,
em maior parte, à análise do significado da vitória e também do governo de
Blairo Maggi. Este governo pode ser visto como a demarcação de um novo tempo,
de um novo ciclo na política mato-grossense? Porque, no período em pauta, vem
acontecendo um processo de
transformação das relações políticas no âmbito da sociedade em geral,
passando de patrimonialistas, de clientela e compadrio para novas relações
mercadológicas e financeiras.
Pode-se dizer que o novo governo
vem atendendo as reivindicações e necessidades da população em geral? E os
indicadores sociais de educação, saúde, enfim, de qualidade de vida, apontam
para melhoras? Em linhas gerais: as condições de vida, os salários, os índices
de desemprego, a violência, apontam para melhoria, em geral, com o novo
governo?
Um dos elementos fundamentais a
levar em conta na análise destas transformações na fronteira mato-grosense diz
respeito ao tempo histórico e cultural em que elas vem acontecendo. Várias
pesquisas insistem na importância da peculiaridade específica deste fenômeno
para a análise da problemática política regional.
1) Detectar e
discutir mudanças políticas a partir da análise de resultados eleitorais para o
período em tela (eleições para governador, parlamentares estaduais e federais e
prefeitos).
2) Analisar
indicadores selecionados para a população mato-grossense (IDH, índices de
analfabetismo, de saúde, qualidade de vida, violência, outros); analisar
indicadores escolhidos de manifestações políticas de certas categorias de
trabalhadores e movimentos populares.
PROCEDIMENTOS
Pretende-se analisar, de forma
crítica, dados da Assembléia Legislativa Estadual de Mato Grosso (MT) – para
traçar um perfil das profissões e partidos dos deputados estaduais nas cinco últimas
legislaturas (de 1987 até a atual). Procedemos de forma semelhante no Tribunal
Regional Eleitoral – MT, para período idêntico, pesquisando as bancadas
federais mato-grossenses (deputados federais e senadores) e o perfil dos
prefeitos eleitos nas principais cidades do estado ( Cuiabá, Várzea Grande,
Rondonópolis, Cáceres, Alta Floresta, Sinop, Barra do Garças e Tangará da
Serra).
Através de dados da Secretaria de
Planejamento – MT e outras instituições fizemos o levantamento de índices
relevantes para a população mato-grossense, como o IDH – Índice de
Desenvolvimento Humano, o ICV – Índice de Qualidade de Vida, Índices de
Analfabetismo, Desemprego, Mortalidade Infantil, Violência, Trabalho Escravo e
outros indicadores (quando possível em séries históricas), para o período em
pauta. No IBGE – MT coletamos dados da última POF – a Pesquisa sobre Orçamento
Familiar.
Outros dados – a considerar sob um
ponto de vista crítico - sobre os trabalhadores e organizações afins,
sindicatos, os movimentos sociais e populares, o empresariado, as organizações
estatais e eclesiásticas, pequenos e médios proprietários e setores de classe
média, bem como sobre organizações não governamentais e do setor informal,
foram obtidos de teses de doutorado, trabalhos de pesquisa e de publicações
reconhecidas na área.
Em linhas gerais consideramos o
voto nas eleições municipais, estaduais e federais como um dos indicadores
destas transformações, levando em conta as limitações e dificuldades deste
indicador. Vamos levar em conta, também, para analisar estas mudanças, as
manifestações políticas dos trabalhadores e movimentos populares, como as
greves, ocupações, passeatas, atos públicos, etc., no período em pauta.
PRELIMINARES E CONSIDERAÇÕES
GERAIS
Algumas pistas iniciais:
-
Mato Grosso desde há alguns anos para cá (nos últimos dez
anos, aproximadamente) não se constitui mais num pólo de atração migratória, o
que vinha ocorrendo principalmente em relação às unidades do sul e sudeste da
federação, por um período mais ou menos extenso, ao longo dos anos 1970 e 1980.
-
Aparentemente e também concomitante com este período houve
uma significativa mudança no desenho e
na composição da frente de expansão agrícola no estado.
-
Depoimentos e levantamentos preliminares indicam que entra
governo e sai governo e continua o crescimento do PIB mato-grossense, ou seja
os dados indicativos de crescimento da produção continuam positivos,
independentemente da cor político partidária ou da composição política dos
governos em Mato Grosso.
-
O IDH de Mato Grosso continua apontando para a melhoria da
qualidade de vida em todo o território mato-grossense, em linhas gerais.
Por outro
lado, deve-se levar também em consideração que:
-
Em Mato Grosso os partidos políticos de esquerda, como o PT
(até 2002), o PSTU, o PCO, o PC do B e outros menores tem tido pouca
expressividade, elegendo um número significativamente baixo de parlamentares e
executivos do aparelho de estado. Em contrapartida, partidos de direita, como o
PFL, o PP, o PL, o PTB, o PSDB, o PMDB, o PDT e outros, ao longo do período
pesquisado, tem ocupado a maior parte das cadeiras de representação política no
estado. Como sabemos, vários destes partidos, são em Mato Grosso, agremiações
com forte influência familiar. Em linhas gerais, componentes de famílias cuiabanas
e mato-grossenses tradicionais vem ocupando papel de destaque, dentro destes
partidos, em aliança com políticos do sul ou sudeste do país, na direção dos
aparelhos de estado em Mato Grosso, na capital e municípios mais antigos, com
algumas exceções (por exemplo, na região norte do estado). Nos últimos anos vem ocorrendo uma tendência
que aponta para uma alteração significativa neste fenômeno: cresce de forma
interessante a participação de políticos não oriundos de famílias tradicionais
nas cadeiras de representação parlamentar e executiva no aparelho de estado.
-
A eleição, em 2002, de Blairo Maggi pode estar significando
outro forte indício de uma transformação, na medida em que pela primeira vez,
no período em tela, as oligarquias tradicionais perdem a hegemonia na condução
da máquina institucional estatal, pelo menos em seu aparelho executivo central.
-
Em relação ao imaginário popular, pode-se dizer que vem
ocorrendo alterações?
Houve, no período, ou há
tendências apontando para transformações políticas significativas no
comportamento da população mato-grossense nestes últimos anos?
Desde um ponto de vista eleitoral,
nos anos oitenta e noventa, os partidos políticos e as oligarquias tradicionais
continuaram dominando o mundo político mato-grossense. O patrimonialismo, clientelismo e o compadrio
permaneceram enquanto as formas principais de manutenção do poder político
regional. No entanto, a vitória eleitoral de alguns poucos políticos do PT e do
PCdo B, principalmente nas cidades maiores, ao longo do período analisado,
podem estar revelando uma certa perspectiva de mudança, na verdade com lenta
gradação. Este período de vinte anos também não pode ser visto de forma linear
e homogênea. Por exemplo, na agitada conjuntura do final dos anos oitenta,
quando a Frente Brasil Popular, encabeçada por Lula, quase vence a eleição
presidencial, Cuiabá tinha um vereador da esquerda petista e um grupo de jovens
vereadores, que mesmo pertencendo a partidos de perfil conservador, tinha
atuação relevante em defesa de causas populares. Enfim, a conjuntura nacional e
mundial e obviamente a local-regional influem de forma marcante nos
acontecimentos políticos, deslocando os partidos para a esquerda ou para a
direita, na medida em que eles procuram adequar-se aos reclames da maior parte
do eleitorado.
As manifestações e lutas sindicais
da classe trabalhadora e dos movimentos populares em Mato Grosso acompanham, em
linhas gerais, o ritmo do movimento nacional, quase sempre com um certo atraso.
As grandes greves do final dos anos setenta e inícios dos oitenta na região
sudeste do país repercutiram intensamente em Mato Grosso. Em todo este período
houve um forte movimento político e reivindicatório da classe trabalhadora e
dos movimentos populares em Mato Grosso, que se estende até o “Ímpeachment” de
Collor, em 1992. Um número significativo, dentre os atuais sindicatos urbanos
da capital foram criados neste último período e outros, dominados por
burocratas e “pelegos”, foram reconquistados pelas oposições sindicais combativas.
Também nesta porção do território nacional cabe ressaltar a substancial mudança
de rumo do PT – o principal partido de massas no país - do movimento de rua e
das lutas dentro das categorias de trabalhadores, em seus locais de trabalho,
para a política institucional, a partir de 1989.
Com a vitória de Lula em 2002 vai
ocorrer uma inversão quase completa no cenário político nacional e
local/regional: a maioria dos antigos dirigentes sindicais e dos movimentos
populares instala-se em postos chaves do aparelho de estado e passa a adotar
políticas de freio às manifestações e lutas da classe trabalhadora nacional e
local /regional, como também às iniciativas dos movimentos populares. Em Mato
Grosso a maioria petista permanece na condição de base aliada de Blairo Maggi,
o mega empresário, o governante mais capitalista dos últimos tempos e chamado
pela imprensa tradicional de governador socialista!
Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004 |