O CONHECIMENTO BIOLÓGICO NA CONSERVAÇÃO E MONITORAMENTO DE AMBIENTES AQUÁTICOS
Luis Henrique Z. Branco
DZB-IBILCE-UNESP1 / SBFic2
Qualquer
iniciativa para preservação ou acompanhamento de um dado sistema passa
necessariamente por um pré-requisito fundamental: o conhecimento das partes que
compõem o todo. Sistemas ecológicos não fogem dessa regra. Somente por meio do
conhecimento dos elementos biológicos que integram um ecossistema é que se
torna possível a construção do alicerce, onde se apóiam as diferentes ações
visando à preservação de sua integridade.
Ambientes
aquáticos merecem atenção especial, entre outras, pela sua características de
estoque de recursos que são importantes para a vida humana e para o equilíbrio ecológico. Ao se estudar e conhecer
os componentes bióticos dos ambientes aquáticos, duas importantes metas de
atuação podem ser atingidas: conservação e monitoramento.
Trabalhos
de educação ambiental multiplicaram-se consideravelmente na última década. Um
dos objetivos dessas atividades é o de oferecer informações sobre o ecossistema
enfocado, apresentando seus componentes e detalhando suas particularidades e
interações. Nos trabalhos em campo, a simples observação dos animais e plantas
é capaz de provocar encantamento e, por conseqüência, despertar o instinto conservacionista.
Em
ambientes aquáticos continentais, algumas iniciativas vêm sendo desenvolvidas
nesse sentido, mas o trabalho realizado em Bonito (MS) merece destaque. O
envolvimento de moradores e pesquisadores, principalmente da Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul (Campo Grande, MS) e da EMBRAPA (Campo Grande, MS), tem
produzido um conjunto de recursos que ilustra a importância do conhecimento
biológico. Diversos especialistas estudam os componentes biológicos dos ambientes
aquáticos da região de Bonito, transferindo esse conhecimento aos “guias” que,
por sua vez, repassam as informações aos que visitam os belíssimos rios daquela
região. A produção de obras de acesso ao público leigo incrementa ainda mais
essa iniciativa, de maneira agradável e ilustrativa.
Em
ambientes aquáticos marinhos, atividades de mesmo cunho produzem efeitos
semelhantes. Um exemplo é o trabalho desenvolvido por pesquisadores da
Universidade de São Paulo (São Paulo, SP), denominado “Projeto Trilha Subaquática” (subprojeto do Projeto “Ecossistemas
Costeiros", mais amplo). O projeto
“objetiva o desenvolvimento de modelos para educação ambiental nos ambientes
marinhos utilizando uma abordagem holística, visando levar, em última
instância, a mudanças dos valores básicos, princípios e atitudes dos
participantes das atividades”.
Os
trabalhos em Bonito e o “Projeto Trilha Subaquática” são apenas exemplos entre
outras tantas iniciativas de sucesso com a finalidade de conservação ambiental
e que usam o conhecimento biológico como base de sua atuação, embora nem sempre
se limitem a essa única abordagem.
Esse mesmo
conhecimento simples e básico produz um conjunto de informações, capaz de
fornecer elementos para a elaboração de um “retrato” de um ambiente. Usando-se
essa imagem prévia como referencial, torna-se possível o monitoramento das
alterações que podem ocorrer na comunidade, ao longo do tempo e das mudanças
ambientais. Caso tais mudanças ambientais sejam ocasionadas por impactos antropogênicos, o conhecimento anteriormente construído
pode permitir uma intervenção no curso dessas alterações, pela adoção de
medidas mitigadoras e/ou corretivas. Do ponto de vista técnico, esse
acompanhamento pode ser realizado segundo duas abordagens principais.
O biomonitoramento envolve o acompanhamento das alterações na
composição das comunidades ao longo do tempo. Simplificadamente,
espera-se que, em um sistema equilibrado, os elementos que compõem a comunidade
sejam aproximadamente os mesmos ao longo dos anos (é importante a consideração
dos aspectos sazonais envolvidos). Entretanto, caso haja algum tipo de impacto,
pode-se observar uma alteração significativa na composição de tal comunidade,
como uma resposta ao estímulo gerado. Organismos fixos aos substratos
disponíveis são particularmente adequados a esse tipo de abordagem, pois estão
sujeitos às condições do meio, sem possibilidade de deslocamento e busca de
outros habitats mais favoráveis. Nesse aspecto,
invertebrados bentônicos, plantas aquáticas, musgos e algas são os grupos mais
enfocados. Em alguns países, amostras de tecidos (ou células) de certos
organismos podem ser submetidas a ensaios químicos e, caso algum composto
poluidor seja encontrado, o resultado é considerado prova de crime ambiental.
No Brasil, atividades de biomonitoramento têm sido
aplicadas para ambientes aquáticos de água doce e marinhos e os resultados
positivos começam a aparecer. Segundo alguns especialistas, esse meio de
avaliação ambiental é mais adequado que apenas análises químicas e físicas da
água pois fundamenta-se em parâmetros biológicos (que “monitoram” o ambiente
constantemente, ao contrário de análises da água, que são feitas de forma
esporádica) e tem baixo custo operacional. Por outro lado, depende de um método
bem estabelecido e padronizado, assim como do envolvimento de pessoal treinado
em Taxonomia.
A bioindicação, por sua vez, propõe-se à avaliação dos
ambientes pela consideração dos organismos que neles ocorrem e nas preferências
ecológicas de cada espécie. Pode ser elaborada com base em determinadas
espécies ou, mais apropriadamente, na composição da comunidade ou taxocenose enfocada. A utilização dos dados de composição
específica (em alguns casos aliados a informações sobre a abundância de cada
táxon), permite a elaboração de índices ecológicos com a finalidade de refletir
a condição ambiental local. É mais comum, em trabalhos científicos brasileiros,
o emprego de índices gerados em países da Europa e América do Norte, mas é
patente a necessidade de elaboração de tais ferramentas com base em nossas
próprias fauna e flora aquáticas. Alguns grupos têm desenvolvido pesquisas
nessa linha em ambientes dulciaqüícolas. Como
exemplos, entre outros, pode-se citar os trabalhos realizados na UNISC (Santa
Cruz do Sul, RS), empregando-se diatomáceas epilíticas
como parâmetro biológico, e na UNESP (São José do Rio Preto, SP), utilizando-se
macroalgas de água doce. Em ambientes aquáticos
marinhos, a UFBA (Salvador, BA) tem diversos projetos ligados a essa área de
investigação.
Preservação
e monitoramento alicerçam-se, portanto,
no conhecimento biológico, uma abordagem às vezes considerada
ultrapassada e simplória, mas que representa uma condição absolutamente
necessária para a elaboração de qualquer plano para manutenção dos sistemas
ecológicos. No Brasil, ainda estamos bastante aquém de atingir o nível de
conhecimento necessário para uma aplicação mais efetiva e generalizada dessas
abordagens. Objetivamente: ainda conhecemos muito pouco da biodiversidade em
território nacional.
Nesse
contexto, seria de extrema importância a formulação de uma política de ciência
e tecnologia que privilegiasse trabalhos destinados à geração de tal
conhecimento, considerando-se que tais suportes não são exatamente abundantes
no país. O Programa BIOTA da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP) foi criado com a finalidade de “sistematizar a coleta, organizar
e disseminar informações sobre a biodiversidade do estado de São Paulo” e
poderia ser um modelo para outras iniciativas similares nas diferentes regiões
do país. A integração entre especialistas dos maiores centros de pesquisa do
Brasil com aqueles de centros emergentes ou ainda em formação também deveria
ser fortemente incentivada, visando à disseminação do conhecimento e a
ampliação da área geográfica de atuação. Os frutos de tal empreendimento seriam
de extrema relevância para a efetiva conservação e monitoramento dos ambientes
aquáticos e, certamente, poderiam contribuir e interagir com outras áreas de
investigação, como, por exemplo, as tecnológicas. Considerando-se o ritmo
acelerado em que estamos perdendo os estoques biológicos, não seria
aconselhável esperar demais.
Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004 |