PÓS-GRADUAÇÃO E MERCADO DE TRABALHO

           

Luciano Rezende Moreira

Engenheiro Agrônomo

Mestre em Entomologia (UFV)

Presidente da ANPG

 

 

            Embora incluísse entre suas missões originais a qualificação para o mercado de trabalho, a pós-graduação brasileira foi construída essencialmente para a capacitação docente e para a formação de pesquisadores independentes. Daí seu modelo seqüencial, com o mestrado atendendo predominantemente a primeira função, e o doutorado a segunda.

            Nos últimos anos, porém, tem crescido a demanda do mercado de trabalho por quadros de alta qualificação. A seletividade também tem sido maior, inclusive em função dos altos índices de desemprego. Como afirma Inaiá M. de Carvalho, “com o crescimento da oferta de profissionais de nível superior, o diploma de graduação já não assegura uma inserção, estabilidade ou mobilidade no mercado de trabalho, afetado pelo baixo crescimento da economia brasileira nas últimas décadas e por uma reestruturação produtiva mais recente, associada à ampliação do desemprego e à precarização dos vínculos ocupacionais”. Essa realidade, associada ao crescimento da demanda por docentes no ensino privado, tem pressionado fortemente a pós-graduação – em particular os mestrados. Muitos clamam pela flexibilização do caráter de pesquisa desse nível de ensino e pelo reforço de seus vínculos com o mercado de trabalho.

            O que temos com essa situação é uma curiosa inversão de valores. Ao invés de o perfil da formação pós-graduada definir o adensamento das cadeias produtivas com a criação de postos de trabalho de maior qualificação, acontece o inverso: o perfil excludente do mercado de trabalho é que acaba pressionando no sentido de uma formação pós-graduada menos densa em pesquisa e mais “profissional”.

        O problema, porém, é mais complexo do que parece à primeira vista, como mostra pesquisa da própria CAPES sobre a relação entre pós-graduação e mercado de trabalho . Segundo esse trabalho, a grande maioria dos egressos de mestrado fazem pesquisa em seus ambientes de trabalho – mesmo quando esse ambiente não é a academia. Esse fato parece reforçar a idéia de que a diversificação de objetivos para a formação em nível de mestrado – meta nobre e que deve ser buscada – não requer necessariamente a duplicidade de mestrados (o profissionalizante e o de pesquisa).

            O Governo Fernando Henrique, porém, alheio ao fato de que a formação em pesquisa não é um “custo” e pode ajudar na melhoria do perfil do mercado de trabalho, buscou redefinir o sentido dos mestrados. Sua principal proposta em relação a isso foi a dos “mestrados profissionalizantes”. Esse modelo de formação pós-graduada, que não apresenta distinção clara em relação às especializações, vem se expandindo em todo o mundo. Segundo a CAPES ele objetiva a capacitação para a “elaboração de novas técnicas e processos ... admitindo o regime de dedicação parcial”. Durante o ano de 2002 o Conselho Superior da CAPES emitiu insistentes sinais de que se preparava para dar um salto no número de mestrados profissionalizantes do país (hoje ainda muito pequeno).

            Os mestrados profissionalizantes também revestem-se de particular interesse para o atual Governo Federal por seu caráter flexível, facilmente financiável pela iniciativa privada. Não à toa a portaria da CAPES que regulamenta o assunto afirma que os mestrados profissionais possuem “vocação para o auto-financiamento” (através de taxas ou convênios com empresas). De fato, como o mestrado acadêmico requer altos investimentos e tem baixo retorno comercial, sendo pouco atraente à iniciativa privada, o Governo ainda aposta no modelo profissionalizante.

            De fato, é grande o risco de substituição paulatina do mestrado acadêmico pelo profissionalizante – caminho mais fácil e menos custoso para “inundar” de diplomas o mercado de trabalho, alimentando uma vez mais a indústria do ensino privado. Isso se reforça com a possibilidade, aberta para os cursos que ministram os mestrados tradicionais, de solicitação do enquadramento desses mestrados (acadêmicos) como “mestrados profissionalizantes”. Mais grave que isso: os dois tipos de mestrado possuem, segundo o parecer da CAPES, o mesmo valor para fins de titulação. Tal política, ao facilitar a substituição dos mestrados acadêmicos por profissionais, acabará por concentrar a pesquisa científica nos doutorados, que passarão a cumprir os objetivos de iniciação à metodologia científica antes atribuídos aos mestrados, que, por sua vez, passarão a fazer o que antes era papel das especializações, rebaixando o sistema como um todo.

Ao contrário disso, o Governo deveria investir em uma política de valorização das especializações, submetendo-as à avaliação e ao acompanhamento regular. Dessa forma não correríamos o risco de comprometer uma de nossas mais exitosas experiências educacionais – os mestrados – e ainda ganharíamos qualidade nas especializações – que hoje são o reino do “vale-tudo” na esfera educacional.

Entretanto, nosso presente pode revelar-se como o indicativo de uma reviravolta histórica ao modelo adotado pelas elites brasileiras durante séculos de vergonhosa prostração aos interesses estrangeiros. A intenção do Governo Lula em investir 2% do PIB em C&T até o final de seu mandato e formar 10 mil doutores/ano, com ampliação do número e valor das bolsas de formação, indica uma nova atitude política no país.

Todavia, de nada valerá esse grandioso esforço se não nos preocuparmos em absorver essa mão de obra altamente qualificada em que a nação investiu vultosos recursos. É tarefa da sociedade organizada impulsionar a construção de um Projeto de Nação que considere a necessidade imperiosa de se contratar milhares de novos professores para ocuparem imediatamente as lacunas deixadas nas universidades federais nos últimos anos, aliada a exigência de uma política industrial nacional comprometida com geração de atividades de pesquisa científica e inovação tecnológica - fundamentais para a agregação de valor a produtos e processos, com reflexos diretos na sua inserção competitiva no mercado mundial e absorção de recém mestres e doutores.

Certamente é esse Projeto de Nação que o Brasil necessita implementar para poder contar com um novo paradigma científico e tecnológico concatenado com as exigências de um plano desenvolvimentista que promova o bem estar social e geração de renda e emprego. Uma política nacional de C&T como assunto de Estado - não apenas de Governo -, para que o país volte a crescer, com a ajuda de seus jovens mestres e doutores.


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004