CONTROLE DE QUALIDADE DE RADIOFÁRMACOS

Lavínia de C. Brito

UERJ

 

1- Introdução

            Radiofármacos são estruturas moleculares ou celulares que apresentam em sua composição um radionuclídeo e são utilizados no diagnóstico ou tratamento de doenças em seres humanos. Uma vez que os mesmos são administrados em humanos é importante e necessário que os mesmos passem por rigoroso controle de qualidade.

 

2- Controles de Qualidade

           O controle de qualidade adequado de radiofármacos envolve análises em nível físico e físico-químico, químico, biológico e de estabilidade.

 

2.1- Controle de qualidade físico e físico-químico

             Em relação aos controles físico e físico-químico são considerados, (i) o aspecto físico que envolve análises organolépticas tais como cor, limpidez ou turbidez da solução e ausência ou presença de partículas em suspensão para soluções ou em dispersões coloidais respectivamente, (ii) a determinação do tamanho das partículas (filtração através de membranas, filtração em gel, espalhamento da radiação laser ou microscopia eletrônica), sendo necessária apenas para radiofármacos coloidais (99mTc-SC-enxôfre coloidal, 99mTC-MAA-macroagregado de albumina e 99mTc-Sb2S3-sulfeto de antimônio) em estudos de perfusão pulmonar, obtenção de imagem do fígado e linfocintilografia. A determinação do tamanho das partículas pode ser efetuada por filtração através de membranas e filtração em gel, espalhamento da radiação laser ou microscopia eletrônica, (iii) o pH  do radiofármaco que deve ser o mais próximo possível do pH fisiológico (pH=7) e pode ser medido em pH metro ou em papel, (iv) a isotonicidade (para injetáveis é considerada a isotonicidade em relação ao soro sanguíneo) e a força iônica (determinada por condutimetria). Desvios podem ser corrigidos por adição de ácidos, bases ou eletrólitos em geral, (v) a calibração da atividade que é a determinação da atividade presente em uma preparação radiofarmacêutica, realizada com um equipamento apropriado para mensurar o tipo e a  energia da radiação emitida. Como o radiofármaco é administrado em seres humanos, este item é de fundamental importância a fim de  se evitar erros na administração de doses. Dose é a atividade do radiofármaco a ser administrada em um paciente, podendo esta ser expressa em KBq (µCi) ou MBq (mCi). A atividade dos radiofármacos emissores de radiação gama são medidas em câmaras de ionização calibradas com padrões adequados, de atividades conhecidas e geometrias definidas tais como Co-60 e Co-57. A concentração da atividade é a atividade contida por unidade de volume, sendo expressa em KBq/ml (µCi/ml) ou MBq/ml (mCi/ml), sendo 1mCi = 37 MBq. A atividade específica é a atividade por unidade de massa do elemento ou da forma química presente, sendo expressa em (MBq/mg). É importante a determinação das impurezas radionucídicas que originam-se do processo de produção do radionuclídeo, tais como impurezas isotópicas do material  alvo, purificação ineficiente na separação de um produto de fissão em reatores, assim como da quebra da coluna em geradores ou de subprodutos originados por decaimento radioativo. A determinação da pureza radionuclídica é realizada com a determinação da meia vida física (T1/2) e da radiação  característica (g ou b). A primeira pode ser medida em um cintilador sólido e a radiação b pode ser medida em um cintilador líquido ou em um b espectrômetro. As impurezas radionuclídicas causam exposição do paciente a radiações indesejadas, eventual toxidez e prejuízo da imagem  cintilográfica.

 

2.2- Controle de qualidade químico

           Em relação ao controle químico são realizadas as determinações de pureza química e radioquímica. A pureza química pode ser definida como a  fração do material na forma química desejada. As impurezas químicas originam-se de reagentes impuros ou que tenham sofrido decomposição, ou ainda de impurezas introduzidas através do próprio processo de purificação, como os adsorventes utilizados em cromatografia, tal como a presença de  Al+3 no eluato de 99mTc, ou impurezas geradas pelo material utilizado na embalagem do produto final. A presença dessas impurezas antes da radiomarcação pode resultar em marcação indesejada de moléculas que podem ou não alterar o comportamento físico-químico e/ou biológico da preparação, interferir no diagnóstico ou causar algum efeito tóxico. A Identificação dessas impurezas também pode ser realizada por métodos colorimétricos e espectrofotométricos e as mesmas podem ser extraídas por técnicas de fracionamento (precipitação, extração por solventes, troca iônica, destilação e outros). A pureza radioquímica é a fração do radionuclídeo presente na forma química determinada do radiofármaco. As impurezas ocorrem devido a decomposição por ação do solvente, mudanças na temperatura, pH, luz, presença de agentes redutores, oxidantes e radiólise da água por absorção da energia emitida, gerando a formação de peróxido de hidrogênio e radicais livres, que geram, por sua vez, a decomposição de outras moléculas marcadas. Como impurezas radioquímicas podem ser citados o Na99mTcO4 e o 99mTcO2 em complexos marcados com 99mTc. As impurezas radioquímicas também causam baixa qualidade da imagem. A fim de evitar a degradação dos radiofármacos e para manter a sua estabilidade são utilizados conservantes (ácido ascórbico, sulfito de sódio e outros). O radiofármaco também deve ser mantido ao abrigo da luz e sob refrigeração. As impurezas radioquímicas podem ser determinadas por diferentes métodos analíticos. (i) A precipitação para determinação de 51Cr+3 em soluções de Na251CrO4 (radiofármaco utilizado na marcação de hemácias para determinação de sua taxa de sobrevida), o cromato é precipitado como PbCrO4  e a radioatividade da solução sobrenadante é contada em cintilador A determinação de 51Cr+3  é importante pois o mesmo não se complexa com as proteínas celulares. (ii) A cromatografia de papel e cromatografia de camada fina que são técnicas de separação nas quais os componentes do radiofármaco migram mais ou menos em função de sua maior afinidade com o eluente (fase móvel) ou com a fase estacionária respectivamente. Nos radiofármacos marcados com o 99mTc, além do próprio radiofármaco, podem ser identificados e quantificados o  Na99mTcO4 livre e o 99mTcO2. (iii) A cromatografia gel (sephadex) que é uma técnica que se utiliza da diferença de tamanho das moléculas na separação de componentes de uma amostra, as moléculas maiores sendo eluídas primeiro e as menores ficando retidas nos poros da resina. A radioatividade é medida nas frações recolhidas, sendo expressa como um percentual da radioatividade total. (iv) A eletroforese em papel ou gel de poliacrilamida, técnica de separação onde as diferentes espécies movimentam-se em função de seu tamanho, sua carga, PH, viscosidade, intensidade de corrente e voltagem aplicada. A distribuição da atividade é determinada em um contador ou scanner radiocromatográfico. (v) A técnica de purificação por resina de troca iônica, envolve a troca de ions entre a solução a ser analisada e a resina, com retenção dos primeiros nos poros da resina . Esta técnica pode ser utilizada para a separação de albumina marcada com 99mTc das suas impurezas radioquímicas, sendo o 99mTcO4-  livre adsorvido pela resina aniônica, enquanto que o radiofármaco e o hidrolizado de 99mTc são eluídos com salina. (vi) A extração por solvente baseia-se na distribuição do soluto em dois solventes imiscíveis, geralmente água e um solvente orgânico. A razão das solubilidades de um determinado componente nas duas fases é denominada coeficiente de distribuição. Dessa forma a separação de 99MoO4-2 presente como impureza em eluatos de Na99mTcO4 pode ser realizada por extração líquido/líquido com metil etil cetona e água, sendo o primeiro extraído na fase orgânica. (vii) A cromatografia líquida à alta pressão (CLAE) promove a separação de substâncias por sua distribuição entre a fase estacionária (adsorvente) e a fase móvel (eluente), possuindo uma alta resolução e rapidez de separação. (viii) A destilação possibilita a separação de compostos com diferentes pressões de vapor. O composto com maior pressão de vapor destilará primeiro. Em reagentes para iodetação de substâncias, o iodeto excedente, pode ser oxidado a iodo e separado por destilação.

 

2.3- Controle de qualidade biológico

O controle biológico envolve quatro determinações. (i) A esterilidade, condição fundamental para toda preparação de uso parenteral, pode ser obtida com autoclavagem da preparação radiofarmacêutica (vapor a 121 º C a 18 psi / 15 – 20 min), sendo válida apenas para soluções aquosas e estáveis ao calor (99mTcO4-1, 67Ga-citrato de gálio e  111InCl). As preparações lipofílicas e radiofármacos termolábeis, tais como as proteínas iodetadas, não podem ser autoclavadas. A autoclavagem também não é utilizada para radionuclídeos de vida curta, tais como 18F, porque este método é muito demorado. Para radionuclídeos de vida curta e radiofármacos termolábeis são utilizados a filtração por membrana milipore (0,22 µm) e a irradiação gama. (ii) Pirógenos (polissacarídeos ou proteínas produzidas pelo metabolismo de microorganismos) devem estar ausentes em preparações injetáveis com volumes de administração maiores que 20 ml ou em volumes menores administrados por via intratecal. Essas substâncias são em sua maioria endotoxinas de 0,05 – 1 µm de tamanho e em geral são solúveis e estáveis ao calor. Quando administrados os pirógenos produzem sintomas de febre, leucopenia, dor de cabeça, dilatação de pupilas que podem se desenvolver em pacientes de 30 min até 2 h após a administração. Existem dois métodos para sua determinação. O método USP e o teste LAL. O primeiro baseia-se na resposta febril de coelhos, por administração intravenosa dos radiofármacos a serem testados. Nesse teste não podem ser utilizadas substâncias que interferem na resposta farmacológica dos coelhos, assim como certos hormônios, drogas e radiofármacos de altos níveis de atividade. O teste LAL (Lisado de Amebócitos de Limulus) utiliza-se das proteínas obtidas através da  lise  de amebócitos de limulus (um tipo de caranguejo) que reagem com as endotoxinas, formando um gel. Esta reação enzimática depende da temperatura, PH e concentração das endotoxinas, podendo demorar de 15 – 60 min, dependendo da concentração de pirógenos. As endotoxinas podem ser assim determinadas quantitativamente por colorimetria ou turbidimetria, com boa sensibilidade, rapidez, e praticidade, tornando possível a determinação de pirógenos em materiais hipo ou hipertermizantes, ou mesmo produtos radioativos de curto tempo de vida. Esta reação não pode ser utilizada em presença de inibidores enzimáticos ou agentes desnaturantes de proteínas. (iii) A biodistribuição é utilizada para avaliação do comportamento in vivo de um radiofármaco, antes da sua administração a um paciente. Está relacionada a pureza radioquímica, pois impurezas radioquímicas podem induzir alterações na rota de distribuição. Essa biodistribuiçao pode ser efetuada por técnicas não invasivas (realização de imagens) ou técnicas invasivas, envolvendo o sacrifício de animais e medida da radioatividade concentrada nos órgãos e tecidos dissecados. Os resultados podem ser expressos como % ATI ou %ATI/g. (iv) a  toxicidade dos radiofármacos antes de sua administração em humanos também deve ser determinada e sua dose de segurança tem que ser estabelecida. Esses testes para toxicidade são realizados em vários animais durante 2-6 semanas. Os animais são sacrificados a vários intervalos de tempo e uma autopsia detalhada dos diferentes órgãos é realizada para observar mudanças patológicas. LD50/30  é a dose requerida para produzir 50% de mortalidade em 30 dias após a administração do radiofármaco, enquanto que LD50/60 - dose requerida para produzir 50% de mortalidade em 60 dias após a administração do radiofármaco. Por motivos de segurança, a quantidade administrada ao homem deve ser 100 a 500 vezes menor que a utilizada nos animais. A estabilidade do radiofármaco também deve ser determinada, pois devido a grande variedade estrutural de substâncias utilizadas como radiofármacos podem ocorrer diferentes tipos de reações de decomposição do tipo hidrólise, oxi-redução e autoradiólise. Os processos de hidrólise são alterados principalmente por temperatura e pH, enquanto que a oxireduçao é afetada pela concentração de oxigênio, presença de agentes oxidantes, íons metálicos e fatores ambientais tais como a luz. A oxidação ocorre igualmente em soluções aquosas e não aquosas, e em alguma extensão mesmo no estado sólido. Para evitar a oxidação recomenda-se o acondicionamento dos produtos em frascos escuros e ao abrigo da luz. Na decomposição por autoradiólise, a ação das radiações emitidas pelos radionuclídeos pode promover a geração de radicais livres que podem reagir com o radiofármaco ou outras moléculas do meio, reduzindo assim a estabilidade dos radiofármacos. Por esse motivo, podem ser utilizados agentes estabilizantes (ácido ascórbico, ascorbato de sódio). Na medicina nuclear a estabilidade dos jogos de reativos, utilizados para marcação instantânea e in situ de radiofármacos, é dependente da composição de seu precursor não marcado, que deve ser uma substância resistente a degradação física e química. Cada componente da preparação do radiofármaco e fatores ambientais tais como luz, temperatura, O2, CO2 e umidade podem influenciar na estabilidade. Nesses jogos a conservação da propriedade redutora do SnCl2 é um fator determinante da estabilidade, sendo mantida por uma atmosfera de N2.


 

3- Conclusão

        A execução dos controles de qualidade dos radiofármacos adequadamente irá permitir minimizar ou mesmo abolir a possibilidade de que efeitos indesejáveis sejam observados nos procedimentos clínicos de medicina nuclear. Mais ainda, ajuda a consolidar os procedimentos de radiofarmácia, imprescindíveis para a elevada inocuidade dos exames em medicina nuclear.

 

4- Bibliografia

Early PJ & Sodee BD. Principles and pratice of nuclear medicine. 2 ed  Mosby Year Book, Inc,  London, 1995.

Owunwanne A, Patel M and Sadek S. The Handbook of Radiopharmaceuticals. Chapman and Hall Medical, Madras, 1995.

Saha GB. Fundamentals  of  Nuclear  Pharmacy. 3rd  New  York: Springer-Verlag, 1998.

 


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004