O PROCESSO ELEITORAL É TRANSPARENTE
O SUFICIENTE?
Jeroen van de Graaf
Laboratório de Computação Científica
Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte - MG
Junto com
Prof. Custódio da UFSC, atuei como observador durante
as eleições de 2002, representando a Sociedade Brasileira de Computação.
Participamos das sessões no Tribunal Superior Eleitoral em que os códigos fonte
foram mostrados aos partidos políticos, e estudamos o sistema eleitoral. Nossas
observações foram descritas num relatório que foi apresentado à cúpula da SBC e
que foi publicado em fevereiro de 2004. Eis um resumo dos pontos principais do
relatório:
(1) A
urna eletrônica é melhor do que um sistema com cédulas em papel. Estamos convencidos de que o sistema
informatizado é muito melhor do que o sistema antigo com cédulas em papel. O
projeto da urna é muito bem feito, merecendo admiração. O novo sistema
apresenta o resultado das eleições em dias ou até em horas, em vez de semanas,
dependendo da eleição. Os resultados do novo sistema automatizado são mais
confiáveis do que os resultados obtidos manualmente. A interface da urna faz
com que a opção de voto do eleitor não seja subjetiva, sujeita a uma
interpretação de um funcionário. Isto eliminou uma grande classe de fraudes e
dificultou fraudes mais simples, porém abriu portas para outros tipos de
fraude.
(2)
Até onde sabemos, a urna eletrônica é segura. Acompanhamos de perto as eleições do
ano 2002 e estudamos detalhadamente o hardware e o software da urna. Não
encontramos nada estranho, nenhum vestígio de fraude, nada suspeito. Por outro
lado, não podemos declarar que a urna é 100% segura. Embora tenhamos dedicado
bastante tempo estudando o sistema eleitoral, não foi possível ver tudo.
(3) O
projeto da urna não elimina a possibilidade de que a identidade do eleitor seja
vinculada a seu voto. Para registrar quem votou, o título do eleitor é digitado num
equipamento que está eletronicamente ligado à urna. Já que o eleitor usa a urna
para votar, uma mudança simples de software permitiria vincular a identidade do
eleitor a seu voto, o que fere o sigilo do voto. Não foi encontrado qualquer
vestígio desta vinculação ter sido implementada. No entanto, acreditamos que o
registro de quem votou deva ser implementado de uma forma diferente.
(4)
Conseguir segurança e transparência baseada em software e difícil. Um partido político que deseja
verificar o processo eleitoral será confrontado com as seguintes perguntas:
• Como
verificar que o software da urna é correto? A quantidade de software da urna é
enorme. Mesmo limitando-se aos programas usados durante o dia de eleições,
verificar a corretude destes é uma tarefa grande.
• Como
verificar que o software de uma urna usada no dia de eleição é o software
oficial? Há aproximadamente 450.000 urnas no Brasil, e verificar que os programas em todas estas urnas é igual ao original também
é muito difícil.
• Como
ter certeza que não haja um programa malicioso presente?
Os
principais mecanismos de auditoria à disposição dos partidos políticos são:
(a)
sessões abertas, em que o TSE mostra seus programas, tanto os da urna, quanto
os da totalização;
(b) um
sistema de resumos criptográficos e assinaturas digitais, para demonstrar que
os arquivos mostrados na sessão correspondem aos usados no dia de eleiçãoo
(c) a
impressão da zerésima (um relatório que mostra que
todos os candidatos têm zero votos) da urna e do
sistema de totalização no início da votação;
(d) a
impressão do boletim da urna, quando esta for encerrada;
(e) a
divulgação por CD de todos os dados (votos por candidato, etc.) de todas as
urnas pelos TREs;
(f) a
votação paralela (Um dia antes da eleição, em todos os Estados, duas urnas são
sorteadas, lacradas e transportadas ao TRE. No dia da eleição, numa sessão
aberta e gravada por vídeo, simula-se uma votação nelas em que todos os votos
são escolhidos pelos fiscais e testemunhas e são abertos. Depois, confere-se o
resultado emitido pela urna, que deve corresponder à contagem manual.);
Alguns
destes mecanismos realmente aumentam a transparência, mas em nosso
opinião não é suficiente. Em particular, é muito difícil estabelecer com
certeza que a urna está com o software oficial. Existe uma zona cinza em que,
no final das contas, todo partido político (e todo cidadão) precisa ter fé na
Justiça Eleitoral e em seus funcionários. Apesar de termos toda
confiança neles, temos a opinião de que a existência desta zona, em
princípio, é errada.
(5) A existência de uma comprovação física aumenta muito a
transparência e auditabilidade. Qualquer mecanismo que registra a
vontade do eleitor usando uma tecnologia diferente e independente da tecnologia
usada na urna daria muita confiabilidade e transparência ao sistema eleitoral.
Assim a urna torna-se auditável. Acreditamos que a
possibilidade de auditoria seja uma propriedade de suma importância, porque não
é mais necessário verificar a corretude dos programas
fonte, e verificar se os programas fonte mostrados na sessão do TSE são iguais
aos na urna.
(6) Se
a impressão do voto é inviável, devem ser estudadas outras tecnologias.
A
impressão do voto parece a forma mais fácil de
implementar a propriedade de auditoria. Porém, a impressão tem vários
problemas:
• Tirando
ou adicionando votos em papel, fraudar fica mais fácil.
• Se há
diferença entre o resultado eletrônico e impresso, qual deve valer?
• É
difícil motivar os funcionários para fazer uma recontagem manual.
• O
eleitor quase não verifica o voto.
• A
impressora é uma fonte de falhas.
Depois
das Eleições em 2002, o TSE decidiu dispensar da impressão, contudo, sem
fornecer uma alternativa para conseguir uma comprovação física. Esta lei
(10.740/03) foi votada sem discussão técnica nem na Câmera nem no Senado. Devem
ser estudados tecnologias alternativas para conseguir uma
comprovação física do voto.
A palestra
Pretendo
aproveitar da palestra para desmentir alguns argumentos que dificultam uma
discussão racional sobre o assunto, e apresentar algumas sugestões que
melhorariam a segurança e transparência do processo eleitoral.
Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004 |