AS
“FRONTEIRAS” ENTRE CIÊNCIA E EDUCAÇÃO ESCOLAR E OS REFLEXOS NO ENSINO DAS
CIÊNCIAS SOCIAIS NO ESTADO DO PARANÁ.
Ileizi
Luciana Fiorelli Silva – UEL
Parte-se do pressuposto de que a relação entre ciência e
escola é condicionada pelo contexto histórico-cultural que dimensiona os
espaços e os padrões de produção de conhecimento, sendo que com o
desenvolvimento da burocracia e da racionalização modernas, ocorre um
aprofundamento da autonomização de determinadas esferas sociais, que em outros
momentos históricos funcionavam de forma mais articulada. No caso dos campos da
ciência e da escola, observa-se que com o rápido desenvolvimento da divisão
social do trabalho de forma geral, as “fronteiras” entre esses espaços foram
sendo cada vez mais demarcadas no sentido de hierarquização das atividades
predominantes em cada um desses campos. Assim, a reflexão sobre as “fronteiras”
entre ciência e escola ajudam na apreensão dos problemas relativos ao ensino
das ciências sociais nas diferentes regiões do Brasil.
O ensino das Ciências Sociais é condicionado pelos
princípios que organizam a reprodução dos profissionais dessas ciências e pelos
princípios de reprodução cultural que orientam o sistema de educação. Tais
princípios são definidos e redefinidos no
processo de constituição do campo da ciência e do campo da educação, dependendo
das diferentes configurações societárias, que elegem os códigos, os valores e
os padrões cognitivos considerados mais legítimos nos processos de
socialização. Dessa forma, o fato de determinadas disciplinas estarem ou não
inseridas nos currículos dos cursos das universidades e das Escolas
Secundárias, os modos de formação dos cientistas sociais para os ofícios de
professor e de pesquisador, os modos de proceder o ensino nas Escolas
Secundárias, a existência ou não do esforço para produção e sistematização
didática do conteúdo cientifico, a legitimidade desses conteúdos no discurso
pedagógico predominante, bem como o tipo de impacto deste discurso no campo
específico da produção científica, são elementos indicadores da natureza da
relação entre as ciências sociais e a educação.
A natureza da relação Educação e Ciências Sociais no Paraná,
foi sendo marcada pelas conjunturas políticas das reformas educacionais
implementadas no período. O que se pode verificar em termos de articulação e autonomização entre os campos
da Educação e das Ciências Sociais, neste Estado? Que demandas colocadas para a
educação eram remetidas também às ciências sociais? Como caracterizar o sentido
do ensino das ciências sociais nos contextos históricos? Que demandas a
sociedade colocava para o ensino dessas ciências? Como a comunidade de
cientistas sociais absorveu/ traduziu essas demandas, sobretudo os professores
das universidades? Como elas foram elaboradas em termos de currículos, livros didáticos
e pesquisas?
A institucionalização do Ensino das Ciências Sociais
(Antropologia, Ciência Política e Sociologia) no Ensino Superior, no Paraná, inicia-se oficialmente em 1938, com
a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, dentre os
primeiros cursos autorizados a funcionar estava o curso de Ciências Sociais.
Contudo, as disciplinas dessas áreas não desenvolveram uma forte tradição de
pesquisa capaz de fortalecer essas áreas no campo cientifico de forma
homogênea. Em termos de pesquisa, a Antropologia, a Etnologia e a História
Natural foram as áreas mais profícuas até os anos de 1980. Os currículos das
escolas secundárias (atualmente correspondem às 4 últimas séries do ensino
fundamental e as três séries do ensino médio) ora incluíam, ora retiravam essas
disciplinas, sobretudo a Sociologia, que dentre as ciências sociais, depois de
História e de Geografia, foi a disciplina que mais conseguiu espaços, mesmo que
de maneira fragmentária e descontinua ao longo da história da educação. Nesse
processo de institucionalização, observou-se que o sentido do ensino das
ciências sociais esteve condicionado pelos papéis atribuídos à educação escolar
em nível superior e médio, que estavam submetidos aos determinantes
histórico-sociais do sistema cultural das diferentes épocas.
O Estado
do Paraná estaria numa posição interessante para a investigação, porque
registra um início de constituição da
Educação e das Ciências Sociais, nos anos de 1930 em diante, mas, que não
avançou muito no sentido de formar pesquisadores, produzir pesquisas e
“consumidores” para as mesmas. Expandem-se os cursos de Ciências Sociais em
nível superior, nos anos de 1970, dando ênfase para a habilitação licenciatura,
ou seja, para o ensino de algumas disciplinas no 1.º e 2.º Graus (além da
Sociologia, História, Geografia, Economia, entre outras). Mas, a
disciplina Sociologia torna-se optativa
nos currículos, dando lugar às denominadas Educação Moral e Cívica, OSPB –
Organização social e Política do Brasil, Estudos Sociais, conforme as reformas
educacionais de 1968 e 1971.
A
redefinição dos princípios que organizam a reprodução dos cientistas sociais,
entre 1971 e 2002, insere-se nas reformas da educação, especialmente nas
políticas para as universidades. Nesse sentido, o contexto estadual,
esteve condicionado aos movimentos e
arranjos políticos em nível nacional, obviamente, com suas especificidades. As
mudanças foram no sentido de aprofundamento na cisão entre ensino e pesquisa. Os princípios da reprodução cultural orientadores
do sistema de educação, em todos os níveis e modalidades passaram por muitas
modificações que deixaram traços políticos e culturais marcantes nas décadas de
1970, 1980 e de 1990, com demandas submetidas quase que exclusivamente pela
lógica do mercado. Todo o sistema de ensino foi dinamizado para se tornar um
mercado educacional promissor, sobretudo
no ensino superior e profissionalizante. As demandas colocadas
exaustivamente para a educação estavam ligadas à conformação de personalidades
que pudessem se adaptar aos “novos tempos”, fossem nos anos de 1970, 1980 ou
1990.
Em alguns momentos, os espaços
para o ensino das ciências sociais
parecem se ampliar, mas quando analisamos mais detidamente, os documentos, os
currículos, as diretrizes, percebemos o quão complexa é a constituição dessas
ciências como disciplinas escolares e acadêmicas. Essa complexidade vincula-se
à base societária, que produz novas aparências para reproduzir os “velhos”
códigos, valores e práticas sociais, muitas vezes, apresentando-se sob o manto
de “novas” ciências, introduzindo uma
disciplina desconhecida para a maioria da população, como por exemplo a
Sociologia, que pode se transformar nessa “capa” de “modernidade” e de
“inovação”. O ensino das ciências sociais e o aprofundamento das fronteiras
entre ciência e escola no Estado do Paraná, dependem do nível de cognição em
que as demandas são feitas para o ensino das ciências sociais. Essas demandas
são traduzidas em medidas tais como: a inclusão dessas disciplinas nas provas
de vestibular, na criação de mais cursos de graduação, na ampliação do espaço
dessas áreas em outros cursos, na inclusão das mesmas nos currículos do Ensino
Médio. Ou seja, quais são os processos sócio-culturais que estão indicando
essas ciências como algo a fazer parte do discurso pedagógico, da gramática
do habitus, do sistema de valores, das justificativas de reformas, do
discurso inovador, entre outros.
O levantamento preliminar
de dados sobre constituição do campo da educação e das ciências sociais no
Paraná, no período de 1971 a 2002, indicou uma rápida expansão nos dois campos,
ou seja, tanto o sistema de ensino se estruturou em todas as regiões do Estado
como o ensino das ciências sociais expandiu-se nesse contexto histórico, que em
termos de governo federal, ficou marcado pela ditadura militar,
redemocratização e configuração de um Estado voltado para os interesses da
acumulação capitalista na perspectiva financista. Certamente as ciências
sociais foram condicionadas pelas reformas educacionais de cada período em
questão. O Paraná têm cursos antigos de Ciências Sociais em nível Superior,
paradoxalmente, expandidos no período da Ditadura Militar (1964-1984). As
pesquisas que realizei sobre a Educação neste Estado, anos de 1980 e 1990, que
suscitaram inúmeras questões sobre, por exemplo, a permanência da “cultura”,
das diretrizes, das práticas pedagógicas disseminadas nos vinte anos de Governo
Militar, que poderiam ter servido de base societária e ideológica para
dificultar as propostas de educação dos anos de 1980, ligadas ao liberalismo
e/ou socialismo. Entretanto essa mesma base teria sido facilitadora da
implantação das reformas de 1995 em diante, as ciências sociais expandem-se,
sobretudo como disciplinas acadêmicas no período da Ditadura Militar (1964-1984)
e depois com a Sociologia como disciplina escolar no Ensino Médio, no período
denominado de neoliberal (1991-2002, período de reconfiguração do espaço
público, incluindo a educação). Apreender a complexidade desses processos,
partindo das mudanças na natureza da relação entre educação escolar e ciências
sociais e as “fronteiras” entre ciência e escola é objetivo das pesquisas,
ainda em desenvolvimento, da elaboração da minha tese de doutorado.
Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004 |