ESTADO, DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO -

A Ditadura, a Estrutura e a Cultura do Sistema de Educação Nacional: a longevidade de um projeto político e seus reflexos nos de 1990

 

Ileizi Luciana Fiorelli Silva

Profa do Depto. de Ciências Sociais/UEL

Mestre em Educação/USP e Doutoranda em Sociologia-USP

e-mail: ileizi@sercomtel.com.br  

 

No contexto de produção, circulação e transformação das idéias e das práticas sociais sobre a consolidação de um Estado Democrático no Brasil, as formas de organizar a Educação têm aparecido como um problema essencial, pois as reflexões tendem a identificá-la como um mecanismo e um aparato da formatação cultural que permitirá a criação de personalidades identificadas com os valores dos projetos de democracia em confronto na sociedade global. Dessa forma, os projetos sócio-políticos hegemônicos em cada momento de nossas história política configuraram um sentido para o sistema de educação nacional, que normalmente buscavam coerência com os valores e as concepções predominantes nos blocos de poder do Estado. Observa-se que as possibilidades de constituição de um sistema de educação público, laico e democrático existiram quando as forças sociais identificadas com um projeto de democracia social conseguiam influenciar as reformas do Estado. Contudo, nos momentos de fechamento dos encaminhamentos democráticos, o sistema de educação também perdia a oportunidade de se democratizar e de contribuir para uma maior democratização da sociedade. Sem dúvida, o período da Ditadura Militar (1964-1984) deixou marcas profundas no desenho institucional da educação brasileira, que se encaminhou para um formato muito distanciado dos conteúdos e dos saberes científicos clássicos e contemporâneos, elegendo um tecnicismo positivista e higienizado do ponto de vista teórico de toda a complexidade do pensamento social.

A cada reforma do Estado brasileiro alterou-se o sistema de educação em termos estruturais e culturais. Estou entendendo como aspectos estruturais àqueles que dizem respeito à forma e funcionamento da rede de ensino, ou seja, sua estrutura, seu financiamento, a gestão das unidades escolares, a administração dos recursos humanos; e como aspectos culturais os currículos, as formas de capacitação dos professores, as formas de avaliação institucional e dos alunos. As questões que direcionaram a pesquisa foram as seguintes: é possível perceber permanências nos processos culturais do Brasil? Se sim, quais tradições apresentaram mais vigor e longevidade? Como se manifestaram em diferentes esferas sociais? Como cada esfera social se compôs a partir desse substrato mais antigo? Em que medida encontraram ressonância para suas transformações de conteúdo? Em que medida buscaram a adaptação como forma de sobrevivência e quais os custos para os propósitos mais progressistas? Tais questões estiveram direcionadas para as reformas da educação nas décadas de 1970, 1980 e 1990. A partir dessas questões e desses pressupostos, analisaram-se as legislações de implementação das reformas educacionais nas décadas de 1970 e 1990, além disso, currículos, livros didáticos, documentos e discursos oficiais de maior impacto e disseminação na sociedade e no sistema de ensino.Elaboraram-se quadros sinóticos comparativos em termos da ESTRUTURA e da CULTURA desenvolvidas nas reformas da educação dos anos de 1970 e 1990.

Constatou-se que, nos anos de 1970 a cultura da administração e da racionalização autoritária direcionou a configuração da estrutura educacional do país. Isso implicou na separação radical da ciência e da escola, disseminando-se uma concepção de professor como técnico e não como intelectual. A formação de professores foi amplamente aligeirada em cursos privados de curta duração. Ocorreu a expansão da pós-graduação, porém, voltada para um projeto de aprofundamento da autonomia entre os espaços de produção de conhecimento e os de disseminação, ou seja, espaços da ciência, como as universidades públicas e espaços do ensino como os cursos de graduação nas universidades e as escolas básicas. O esvaziamento das escolas dos conteúdos científicos significou o empobrecimento de todas as áreas de conhecimento. O ensino tornou-se uma atividade banal que pode ser realizado por qualquer pessoa com pouca ou nenhuma qualificação específica. Essa tendência aprofundou-se nas reformas de 1990, no Brasil. Obviamente com tonalidades mais liberais, recheadas de palavras de ordem tais como cidadania, democracia, tolerância, pluralidade, entre outras. O aligeiramento da produção de diplomados foi amplamente potencializado em comparação com os anos de 1970. A privatização do Ensino Superior foi expandida, chegando a 70% do total das matrículas neste nível, em 2002. Dessa forma, inúmeras tendências presentes desde 1970 foram confirmadas, mesmo aparentando ser parte de um projeto mais democratizante do que o anterior.

Conclui-se que os períodos de ditaduras atuaram negativamente para a constituição de um sistema de ensino nacional baseado em propósitos democráticos e liberais, em que o conteúdo pedagógico fosse pautado genuinamente nas ciências. Ao contrário, transformaram os conteúdos em ideologias de justificação da organização social e política de cunho fascista e altamente repressiva. Para a eficácia de um projeto pedagógico desse nível a separação e a fragmentação das diferentes instâncias sociais precisam ser exacerbadas, para que a comunicação não floresça, sobretudo entre os níveis da educação, como por exemplo, educação básica e educação superior, ciência e escola, intelectuais críticos e professores, estudantes e professores, e assim por diante. O trabalho pedagógico e o trabalho científico foi cada vez mais individualizado. A lógica da universidade passou a ser operacional. Dessa forma, as reformas educacionais de 1990 têm de diferente das reformas de 1970, o aprofundamento do conteúdo liberal, com  ênfase na competição intra-institucional. Como permanência das tendências presentes nos governos militares podemos mencionar: o financiamento externo com interferência nos conteúdos das reformas, privatização, aprofundamento das desigualdades educacionais com certificação em massa e empobrecimento dos conteúdos científicos no interior das escolas de nível básico (em função do isolamento desse nível em relação ao ensino superior e os centro de pesquisa).


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004