Francisca Novantino Pinto
de Ângelo
Universidade Estadual de
Mato Grosso - UNEMAT
Programa de Formação de
Professores Indígenas em Licenciaturas
Específicas
1.
Antecedentes
históricos
Em l988, a Constituição Federal reconheceu a
diversidade étnico-cultural dos povos indígenas existentes no País,
assegurando direitos fundamentais que regulamentam a relação entre os índios e
o Estado brasileiro, o que é considerado um marco histórico nos avanços em
termos de macro-política. Conseqüentemente, normas foram definidas para
regularizar também essa relação nas diferentes instâncias de poder público:
federal, estadual e municipal, assim como ocorreram variadas atuações de
instituições que direta ou indiretamente interagem ou se relacionam com a
população indígena. Decisões foram
tomadas no sentido de garantir legitimidade cada vez maior para o atendimento
das diferentes reivindicações no sentido de melhorar as condições de vida dos
povos indígenas, respeitando seus horizontes socioculturais.
Foram conquistas inéditas no campo
jurídico, que asseguraram a adoção dos princípios defendidos pelo movimento
indígena, entre eles o da participação efetiva dos povos ou de seus
representantes em todas as instâncias do poder público, não só
como beneficiários, mas principalmente como mentores de seus projetos
societários e sujeitos na nova política indigenista.
O movimento indígena e os aliados indigenistas
redimensionaram sua estratégia de lutas pela conquista de espaços nas
instituições públicas com vistas a assegurar a consolidação dos direitos,
congregando esforços para a efetivação do que a legislação homologou.
Nessa perspectiva, tivemos avanços no campo
educacional que asseguraram uma educação escolar voltada para a realidade
comunitária de cada povo indígena, reivindicada em todas as modalidades e
níveis de ensino nas aldeias e até no acesso ao Ensino Superior. Documento que
registra esse novo tempo, as Diretrizes
para uma Política Nacional de Educação Escolar Indígena/MEC, de l993,
definem princípios gerais e prioridades
para uma
educação escolar fundamentada no reconhecimento e na manutenção da diversidade
sociocultural.
No campo da
saúde, a criação de um sistema de serviços e de gestão baseado em Distritos
Sanitários Especiais Indígenas, com formação de conselhos locais e distritais,
contempla a participação indígena. No
campo da gestão de recursos naturais, foi criado um componente indígena, o PDPI
– Projetos Demonstrativos para Povos Indígenas, específico
para o atendimento das comunidades indígenas, no formato do tão sonhado
programa de etnodesenvolvimento.
Então, o novo
paradigma estabelecido na Constituição de l988 para a relação do Estado com os
povos indígenas está a nortear as políticas indigenistas, hoje concebidas a partir
dos direitos culturais e sociais que conquistamos, que nos reconhecem como
povos com culturas e identidades diferenciadas, passando a ser instrumentos
para a reafirmação étnica e valorização dos conhecimentos tradicionais. Além
disso, como outras políticas sociais, passam a ter como norte os projetos
específicos de etnodesenvolvimento, que têm como requisito a efetiva
participação dos povos a que se destinam tais políticas.
Este processo
histórico tem como sujeito político o movimento indígena, cujas bandeiras de luta e eixo norteador das
reivindicações é o estabelecimento do diálogo e interação com os governos em
diferentes instâncias do poder público.
Portanto,
o projeto de educação nacional só logrará resultados se as instâncias públicas
responsáveis pela educação brasileira entenderem que a educação escolar
indígena é parte integrante de políticas educacionais voltadas para realidades
culturais diversas e, por isso, específicas. Negar este fato significa dar
continuidade ao processo de genocídio, discriminação e omissão.
2. O protagonismo indígena e o contexto
atual
Com os avanços da
legislação chegamos ao desejável. Estamos vivenciando novos rumos da democracia
e do debate acerca de interesses cada vez mais gritantes no que se refere à política
econômica do país. Sentimos que operacionalizar essas conquistas tem sido uma
das bandeiras mais árduas do movimento indígena. Velhos chavões disseminados no passado, como “muita terra para poucos
índios”, “a soberania da nação está sob risco”, “invasão de estrangeiros nas
terras indígenas” ressurgem, mantendo dilemas ultrapassados e oportunistas, que
têm sido propagados para justificar o descumprimento dos direitos dos povos
indígenas, como a demarcação de suas terras. Nos últimos episódios, fartamente noticiados na mídia nacional, vivenciamos uma
recorrente onda de questionamento e negação dos direitos indígenas, em diversos
espaços, desde as cidades próximas às aldeias ao Congresso Nacional e poder
Executivo federal e estadual.
Nesta nova
era, considerando o contexto mundial da globalização, que agudizou a desigualdade e injustiça social características da
sociedade ocidental, e que direta ou indiretamente afetam as comunidades
indígenas, temos buscado novas estratégias de diálogos com os governos visando
à implementação de políticas que contemplem as necessidades específicas de cada
povo, mas com a participação das comunidades e seus representantes no
processo de implantação.
A
implementação de políticas e projetos de melhoria das condições de vida dos povos
indígenas implica mudanças na postura
institucional das instâncias de poder público, principalmente quanto à
capacidade desta de assegurar espaços de participação e tratamento igualitário
no sentido de acatar propostas dos beneficiários indígenas. Em alguns setores
do poder público, o controle social tem sido exercido, ainda que timidamente,
como na educação, na saúde e no meio ambiente.
A participação e representação indígena, no entanto, na questão de decisão
sobre metas orçamentárias e físicas e no gerenciamento das ações, tem sido
negada, não se reconhecendo o protagonismo indígena.
Ressalto
que o cumprimento da legislação só será possível se houver uma integração de
políticas que contemplem os anseios e expectativas dos povos indígenas,
expressados nos projetos societários, atrelados também a seus projetos de
futuro.
Neste
sentido, o investimento na formação profissional dos membros das comunidades em
diferentes áreas de necessidades refletirá as mudanças de posturas nas práticas
institucionais,
desde que haja uma parceria com as comunidades e suas organizações.
Para isso,
as instâncias públicas deverão abrir as portas para a participação dos povos e
das outras minorias nas decisões políticas, pedagógicas, de formação e de
gestão para o atendimento da diversidade existente no país.
Estamos vivendo um momento de transição nas diferentes esferas públicas
e na sociedade, em que o cumprimento da legislação e a construção de políticas
públicas para atender diferentes realidades do país são objetivos a serem
cumpridos, assegurando assim novos encaminhamentos para a construção, de fato,
do projeto de autonomia e protagonismo dos povos indígenas.
Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004 |