O USO DE ANTICORPOS MONOCLONAIS PARA DIAGNÓSTICO E TERAPIA EM MEDICINA NUCLEAR

 

ELOY JULIUS GARCIA

ILEA-UFRGS

 

            Os anticorpos entraram para a medicina nuclear através das técnicas de diagnóstico in-vitro, após a genial descoberta de Rosalyn Yalow e Solomon Berson[i][1] que deu origem ao radioimunoensaio.  O sonho do projétil mágico (magic bullet), substância capaz de atingir um alvo especificado, sem afetar outras regiões, seja para fins de localização, no diagnóstico por imagem, como para fins de tratamento, visando o uso destrutivo da radiação corpuscular em tumores, vem perseguindo os pesquisadores no desenvolvimento de radiofármacos para medicina nuclear in-vivo.  Nos dois casos via-se os anticorpos como os portadores lógicos dos radionuclídeos localizadores.   Esses anticorpos, na época, décadas de 60-70 do século passado, eram anticorpos policlonais, ou seja, produzidos por uma população de células, cada uma delas produzindo um anticorpo diferente da célula vizinha.  Como resultado, embora específicos contra, e com afinidade por um determinado antígeno, seus graus de especificidade e de afinidade variam de molécula para molécula.  Estabeleceu-se então uma verdadeira corrida mundial entre pesquisadores para ver quem conseguia produzir anticorpos com a maior especificidade e a maior afinidade por um determinado antígeno.  Esses dois fatores eram particularmente críticos para o estabelecimento das várias técnicas de imunoensaio, particularmente a radioimunoanálise (RIA).  Através desses ensaios, deu-se à endocrinologia, em três décadas, um desenvolvimento maior do que o alcançado desde o estabelecimento de suas bases no século XIX.  Até a sétima década do século XX, os ensaios hormonais, em sua maior parte, eram baseados na reação de animais de laboratório, ou de tecidos isolados dos mesmos, e apresentavam enorme dificuldade de padronização e alto grau de imprecisão de seus resultados.  Alguns outros ensaios, particularmente os que se referiam a hormonios esteróides, eram baseados em provas químicas ou colorimétricas após a extração por solventes orgânicos, também cheios de truques.  Os dois grupos de ensaio tinham como limite de detecção quantidades da ordem do microgramo (10-6g) ou eram expressos em unidades internacionais (IU) a partir de padrões sancionados pela Organização Mundial de Saúde, e requeriam volumes apreciáveis de amostra para a sua realização.  Com o advento da RIA os níveis de detecção baixaram à ordem de attogramo (10-18g), ou seja um aumento de sensibilidade de um trilhão de vezes!  O projeto do projétil mágico, entretanto, seguia sem solução até o desenvolvimento da técnica de produção de anticorpos monoclonais, publicada por Kohler e Milstein em 1975[ii][2].  Abria-se assim a possibilidade não só de levar a RIA a seus limites de eficiência e sensibilidade, como também viabilizavam-se as tentativas de, nas aplicações in vivo, obter imagens e realizar tratamentos com radiofármacos dirigidos a tecidos específicos.

Hoje, a radioimunocintigrafia e a radioimunoterapia, à custa dos anticorpos monoclonais e de suas modificações, são realidades inegáveis no arsenal diagnóstico e terapêutico.  Suas dificuldades, e as soluções até agora encontradas passam pela “humanização” de moléculas produzidas por células não humanas e pelo isolamento de frações moleculares responsáveis, em particular, pela afinidade com os antígenos produzidos pelas células neoplásicas.

 



[i][1] Yalow, R.R. and Berson, S.A.  (1960).  Immunoassay of endogenous plasma insulin in man.  J. Clin. Invest. 39, 1157-1175.

 

[ii][2] Kohler, G. and Milstein, C. (1975).  Continuous cultures of fused cells secreting antibody of predefined specificity.  Nature 256, 495-497.


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004