VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS: OS RESULTADOS DO COMPARATIVISMO EUROPEU.

 

Catherine Blaya (*)

 

 

O fenômeno da insegurança e da violência juvenil nos meios urbanos vem provocando inquietude em todos os países europeus, acarretando uma crescente penalização da juventude, que passou a ser vista como perigosa pela população em geral. Na Europa, foi a partir de 1997, com o encontro de Utrecht em Holanda que teve início uma reflexão comparativa sobre o fenômeno. As conclusões desse encontro, bem como as do encontro da Federação Européia de Sindicatos, realizado em janeiro de 1999, foram que havia falta de dados científicos confiáveis quanto ao panorama geral dos problemas de violência nas escolas e que as definições e conceitos relativos à violência variavam entre os países participantes. Além disso, as comparações internacionais eram dificultadas pelos fatores acima mencionados e a falta de compatibilidade entre as metodologias de pesquisa.

Foi criado, em 1998, o Observatório Europeu de Violência Escolar, cujo um dos objetivos é a coordenação de pesquisas e estudos comparativos sobre o problema da violência escolar.

O estudo que vou apresentar para esta conferência apresenta os resultados de uma pesquisa comparativa entre a França, a Espanha e a Inglaterra, realizada no âmbito do Observatório e que tem como tema a atmosfera escolar e a violência nos centros de ensino secundário situados em áreas urbanas de baixas condições socioeconômicas, uma vez que a maioria dos estudos indica que a faixa etária de maior incidência de episódios de violência ocorre entre os 11 e os 14 anos nos centros urbanos (Forsyth et Tallerico, 1993; Debarbieux et al., 1999; Smith et al., 1999; Gottfredson, 2001).

Medimos o impacto das variáveis nacionais e institucionais e identificamos as características que têm influência sobre a atmosfera escolar e sobre os níveis de violência  verificados nas escolas secundárias estudadas. Por atmosfera escolar, entendemos segundo as definições de Bliss (1993) e de Diaz (1996) que se trata da qualidade geral do centro escolar junto à infra-estrutura e as inter-relações percebidas e experimentadas pelos membros da comunidade escolar, e como tal percepção influi nos comportamentos de todos os membros da comunidade o que vai resultar numa cultura da escola específica (Hoy et al., Blaya, 2001).

Avaliamos a atmosfera escolar usando a metodologia formulada por Eric Debarbieux (1996) que traduzimos e adaptamos aos contextos inglês e espanhol. A aplicação dos questionários foi realizada por Eric Debarbieux e Yves Montoya na França, por Rosario del Rey e Rosario Ortega Ruiz na Espanha, e por mim, na Inglaterra. A característica mais notável desta pesquisa é que envolveu o trabalho conjunto de pesquisadores franceses, ingleses e espanhóis. Existem outros trabalhos comparativos (Smith et al., 1999; Debarbieux y Blaya, 2001; Smith, 2003) que são mais uma justaposição de situações nacionais que comparações com análises conjuntas, verdadeiramente internacionais. Nos três países, as escolas que participaram do estudo o fizeram voluntariamente.  A amostra totaliza 5.991 alunos da idade de 11 a 15 anos. O seja 3.270 alunos franceses; 1.545 alunos ingleses e 1.176 alunos espanhóis.

Os dados levantados nos permitem comprovar a existência de resultados distintos entre os três países ao nível da qualidade das relações entre os protagonistas dos centros educativos e também nos graus de violência registrada. As diferenças se podem explicar por uma concepção mais ampla do papel do professor e uma intensa mobilização das escolas para criar vínculos fortes com a comunidade externa favorecendo, assim, um sentimento de engajamento e de solidariedade entre os membros da escola. Portanto, se as escolas podem atuar de forma a influenciar o clima interno, sua ação é influenciada pela estruturação do sistema escolar e não está anódina. Os três países que participaram do levantamento de dados têm políticas públicas sobre o tema da violência nas escolas bastante distintas, o que explica também as diferenças de percepção do clima escolar e também  os graus de vitimização nos centros educativos. É indispensável o apoio financeiro e técnico das autoridades para proporcionar aos docentes boas condições de trabalho e capacitação. Essas medidas têm que dar conta das particularidades locais de cada centro, para que os atores se sintam responsáveis pela cultura de sua escola e possam se envolver pessoalmente. Além disso, em largo prazo, é necessário dar oportunidades de se potenciar os professores. Uma maior autonomia dos centros educativos para o recrutamento de pessoal mais adaptado às necessidades dos centros e um acompanhamento em termos de formação profissional, e de apoio à geração de crise nas escolas pelas autoridades locais mais precisos, pois parecem dar melhores resultados como mostram os dados obtidos na Espanha e na Inglaterra. Sem isso, corremos o risco de ver o nível da qualidade do ensino baixar, aumentando ainda mais a brechas existentes na igualdade do acesso à educação. Nos arriscamos, também, em provocar a evasão dos alunos das escolas  e dos professores a outros setores de atividades como já o comprovamos na Inglaterra. Nesse país, a situação é melhor quanto ao clima escolar, o apoio dos poderes públicos considera-se como insuficiente, e o trabalho pedido aos professores é considerado demais importante comparado aos salários recebidos.

 

(*) Diretora do Observatório Europeu das Violências nas Escolas/ Director of the European Observatory of Violence in Schools

Pesquisadora/Researcher

Setor de Pesquisa e Avaliação/Research and Evaluation Sector

UNESCO – Brasília – Brasil

Catherine.blaya@unesco.org.br

 


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004