O HOMEM PANTANEIRO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

 

André von Thuronyi

Engenheiro, ambientalista e empresário do ecoturismo.

 

São mais de 200 anos desde que o homem branco iniciou a ocupar a planície pantaneira. Atraídos pelos campos abertos, cobertos de gramíneas nativas adequadas à criação do gado, os descendentes dos autrora bandeirantes, garimpeiros por vocação, buscaram na pecuária fixar e desenvolver uma economia mais estável, com a exploração destes campos naturais. Foi assim que a bacia pantaneira chegou a contabilizar, nos idos 40, vários milhões de cabeças de gado “vacunu”, números que variaram entre 4,5 e 6,0 milhões de cabeças, representando por longo período de nossa história, o maior rebanho bovino brasileiro. Este cenário de facilidade natural, atraiu igualmente Empresas inglesas que aqui estabeleceram seus matadouros e industrias de charque, onde enlatavam a carne de gado, para envia-las por via fluvial, rio Paraguai abaixo até a cidade de Punta del Este no delta do rio de la Plata no Uruguai, daí em cargueiros atravessavam o Atlântico com destino a Europa. Durante a 1a e 2a guerra mundial era do Pantanal que saiam importantes carregamentos de “corn beef”, que alimentavam o exercito aliado. Com a ascensão ao poder do Presidente Vargas e sua política Nacionalista, estas charqueiras , como eram denominadas, foram transferidas para capital brasileiro e pouco a pouco perderam sua força de sustentação econômica, influenciando o destino de muitas das famílias e Fazendas Pantaneiras. Também o inicio da ocupação do cerrado nos contornos de Cuiabá e Campo Grande, além do desenvolvimento da pecuária Paulista e do Sudoeste em geral, contribuiu fortemente com o declínio da pecuária e sua influência na economia desta região.

Até os idos 50, as fazendas ainda tinham contornos de latifúndios, com dezenas de milhares de hectares, não raro ultrapassando as cem mil. O crescimento das famílias e conseqüentemente de seus herdeiros, da início a progressivos desmembramentos ou partilhas deste latifúndios, enfraquecendo ainda mais sua punjância e capacidade de sustentação. È dos anos 60 em diante que o pantaneiro se vê inclinado a lançar mão de outros bens nativos da região como as peles de animais silvestres como do jaguar ou onça, da jaguatirica, da ariranha ou lontra, do jacaré além de coletar as penas das garças, das araras e dos colhereiros, a fim de complementar a debilitada economia das autroras punjantes propriedades. E o Pantanal deixa de ter uma exploração sustentável, do ponto de vista ambiental, levando a quase extinção, algumas espécies de sua rica fauna.

 

Foi neste período, exatamente no ano de 1976 que eu vim pela primeira vez ao Pantanal, atraído pela construção da Transpantaneira, rodovia esperança, que pretendia ligar Poconé no Norte a Corumbá no Sul do Pantanal, do então Estado de Mato Grosso. No vigor dos meus 22 anos e já com 5 anos de experiência em turismo de natureza e aventura, desenvolvendo roteiros ao longo do rio Amazonas e na Ilha de Marajó,  percebi o potencial desta planície, por ela me encantei e logo iniciei a oferecer este destino, de forma pioneira, apesar de precária, a uma seleta clientela européia, oriunda principalmente da França e Bélgica, em busca de aventura e exotismo.

 

Ou seja desde 1976 tenho, junto com nossa Empresa e colaboradores, promovido esta região, desenvolvendo formas e conceitos, buscando explorar sua potencialidade sem denegrir seu patrimônio, são 28 longos anos procurando compreender e planejar uma atividade econômica para um desenvolvimento sustentável, baseado na preservação de sua natureza e cultura, sem deixar de lado a necessidade de encontrar o equilíbrio financeiro para seguir em frente. Confesso que não tem sido fácil, mas este desenvolvimento é possível, apesar de árduo e bem mais complexo do que podem conceber nossos filósofos e conceituadores de gabinete.

 

Enfim este breve relato, objetiva desenhar o cenário no qual pretendo desenvolver o tema a que me ofereci:

 

ECOTURISMO, A ECONOMIA EMERGENTE NO PANTANAL, SONHO E REALIDADE.

 

Ecoturismo qual o objetivo desta atividade econômica?

 

I) Para o AMBIENTALISTA, esta ferramenta deve servir para PRESERVAR A NATUREZA gerando recursos para pesquisas e ações ambientais.

 

II) Para o FAZENDEIRO proprietário de terras no Pantanal, ela deve servir primordialmente para PRESERVAR SEU PATRIMÔNIO acrescentando recursos a sua economia.

 

III) Para o POLÍTICO ela deve servir para PRESERVAR SUA IMAGEM e auxilia-lo na obtenção de recursos federais, estaduais e internacionais para os mais diversos projetos.

 

Desafio: Unir estes objetivos para o bem de todos, principalmente do Pantanal.

 

O QUE É QUE TEMOS, QUAL A MATÉRIA PRIMA  DISPONIVEL:

 

# Patrimônio Natural, representado pela rica biodiversidade, incluindo a sua fauna e flora, que para ser apreciada e “consumida”, exige  investimentos em infraestrutura de acesso e de equipamentos.

 

# Habitante nativo e sua cultura, que precisa e deve fazer parte deste processo.

 

# O consumidor interessado em conhecer e vivenciar um ambiente natural e harmônico, que precisa ser educado e informado sobre o destino.

 

# Temos ainda a diretriz da atividade, que nos orientam, dizendo que: Ecoturismo é a atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação da consciência ambientalista através da interpretação e harmonização com o ambiente visitado, promovendo o bem estar dos atores envolvidos.

 

>> Falta portanto, sincronizar estes elementos para alcançar os objetivos de todos atores interessados.

 

Qual a proposta mais viável, que defendo:

 

>> Fomentar e orientar o desenvolvimento de pequenos equipamentos de hospedagem com 8 a 16 Unidades Habitacionais (UH), a partir das sedes tradicionais existentes.

 

Como resultado imediato, teremos:

Para o habitante nativo: A fixação do Homem Pantaneiro, seus descendentes e trabalhadores regionais, garantindo trabalho, para 8 a 15 funcionários, evitando sua migração aos centros urbanos, com risco da perda da identidade, garantindo a sobrevivência de seus hábitos e costumes, apreciados pelo visitante. Para o Patrimônio natural: ficaria garantido o mínimo impacto, graça a ampla distribuição dos visitantes Para os fazendeiros fica garantido maior chance de  participação nos recursos obtidos por meio desta atividade.

 

Sou portanto contrario aos grandes projetos turísticos, cuja implantação se baseia de sobre maneira em equações financeiras. Estes modelos não agregam os valores do ecoturismo, concentram renda, importam mão de obra, estilo de trabalho, cultura “globalizada” e o mais grave, pouco acrescentam a consciência ambientalista.

 

Acredito piamente que o ecoturismo no Pantanal, desenvolvido em pequenas estruturas de gerenciamento familiar porém profissionalizadas, atendidas pelo pantaneiro nato, assistidas pelas operadoras das cidades acesso, seus profissionais e guias especializados, pode vir a ser a principal ferramenta de desenvolvimento sustentável do Pantanal e seus princípios deveriam nortear toda ação governamental, dos órgãos de fomento e da iniciativa privada.

 

Como se estas qualidades já não fossem suficientes como missão, o ecoturismo agrega ainda aspectos psíquicos e espirituais, importantes, senão vejamos: O turismo por missão já contém, mesmo na suas variante mais elementar, aspectos psico-físicos, que proporcionam ao praticante, via de regra habitante de grandes centros urbanos, um descanso mental e físico, através do envolvimento, com algum tipo de atividade diferente do seu cotidiano, gerando assim o benefício do descanso e relaxamento. O ecoturismo por definição, exercido em ambiente natural, incluindo atividades participativas em meio a natureza, acrescenta o aspecto da harmonização com o meio, e este detalhe faz uma enorme diferença. Nos dias modernos, é cada vez mais evidente o afastamento do ser humano do meio natural, é tonica comum entre os cidadãos deste Planeta, se verem e sentirem como seres separados da Mãe Natureza, quando na verdade, somos parte integrante, pertencente ao contorno Natural. O ecoturismo evidencia este realidade, agregando o aspecto de “cura” através da reintegração ao meio.

 

Portanto o empreendedor que quer utilizar a oportunidade do ecoturismo, analisando seu projeto ou empreendimento, principalmente pela vertente econômica, será levado a desprezar estes aspectos psico-emocionais, não corroborando para este importante valor agregado, que é o principal diferencial, presente de forma instintiva, nas pequenas hospedagens, ditas familiares.

 

Para que estes objetivos sejam alcançados, urge uma Política Federal e Estadual continua, tanto por parte dos Órgãos Ambientais como dos Órgãos de Educação e de Divulgação, sem este apoio institucional, o custo de divulgação e profissionalização inviabiliza os pequenos equipamentos, deixando campo aberto para os conglomerados econômicos, e redes hoteleiras, empresas estas não apropriadas para esta atividade, conforme analise anterior. Quando o turismo de Natureza é realizado por Empresas de padrão globalizado, lança-se o ecoturismo na vala comum do desenvolvimento selvagem ou não sustentável, que também no turismo, tem causado impactos negativos, tanto no meio ambiente como no meio cultural, ficando os conceitos do ecoturismo restrito a uma aplicação secundária.

 

Como exemplo real de ecoturismo, oferecemos a Pousada Ecológica ARARAS, localizada no município de Poconé, com acesso o ano inteiro pela Estrada Parque Transpantaneira. Com um total de 15 apartamentos, esta Pousada estende sua influência direta e imediata numa área de 32.000ha, abrangida pelas propriedades que a circundam, emprega 17 funcionários registrados, distribui 97,5% dos recursos que arrecada a seus funcionários, guias, motoristas e fornecedores que incluem desde postos de combustível, transportes e afins, centros de abastecimentos alimentares que incluem agricultores dos mais variados, supermercados, artezões, matérias de construção, enfim a um cem número de outros negócios, impactando de forma importante na economia de seu Município e Estado, bem como tendo visível influência no comportamento social e nas atitudes ambientais da região. Os aproximados 3.000 ha que compõe a fazenda e reserva ambiental da Pousada ARARAS ECOLODGE, tem servido de laboratório, na busca da fórmula de equilíbrio no uso dos recursos naturais, aproveitando suas diferentes feições, para acrescentar outras fontes de recursos e de fixação cultural ao negócio como um todo. A ordenha do leite, leva a produção do queijo e da coalhada, dos frutos da época se produzem os doces regionais muito apreciados pelo visitante, incluímos a apicultura como forma sustentável da coleta deste grande produto natural, temos ainda a produção de hortaliça orgânica, além da criação de galinhas, carneiros, suínos e búfalo para a produção de carne.

 

Assim, unindo conceitos de comércio internacional, com tecnologia em organização, comunicação, administração e marketing de produtos turísticos aos conceitos da pecuária pantaneira, da conservação ambiental e cultural o ecoturismo oferece uma verdadeira revolução, no uso econômico da planície pantaneira.

 

Sempre lembrando que o principal BENEFÍCIO do ECOTURISMO está na QUALIDADE DE VIDA, de todos envolvidos.

 

São também evidentes os riscos que pairam sobre a bacia pantaneira devido ao desenvolvimento agressivo das monoculturas desenvolvidas nos Chapadões que a contornam. Plantações extensivas de soja, algodão e trigo, com alto uso de herbicidas e nutrientes químicos, agridem o lençol freático e as águas que banham a planície do Pantanal, pondo em risco seu frágil equilíbrio biológico. Sabemos que os principais incentivos destas atividades são os elevados resultados econômicos. Portanto cabe-nos a missão de oferecer mais e melhores opções de investimento, incentivando a criação de RPPN’s (Reserva Particular do Patrimônio Natural), e pesquisando novas fontes alternativas como a criação de animais silvestres, para reposição na natureza e uso da carne e peles com objetivos comerciais. Implantação de frigoríficos para abate e controle (SIF) da dita carne “verde”, se inserir nos ambientes aptos a projetos de “Seqüestro de Carbono e outros tantos produtos que hão de aparecer por meio da nossa pesquisa, criatividade e necessidade”.

 

Por tudo isto, urge que atividades sustentáveis como o ecoturismo, encontrem o devido apoio institucional, financeiro e de marketing , para poder se fixar e contribuir assim de maneira eficaz no desenvolvimento desta região, ímpar e grandiosa.

 

Conscientes desta necessidade e por esta razão, a Pousada Ecológica ARARAS segue com suas portas abertas, para estudo, análise, troca de experiência e informação, disposta a compartir nossas conquistas com aqueles que pretendem desenvolver esta atividade , com o objetivo de garantir a preservação de nosso bioma, sua flora, fauna e cultura, gerando benefícios aos filhos de nossos filhos, ao povo desta terra, enquanto compartimos do privilégio de viver nesta planície harmonizada, com os demais viventes deste belo, porém conturbado Planeta Terra.

 


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004