REGULAMENTAÇÃO
DA PROFISSÃO DE FÍSICO
Físico como profissão.
Preliminares:
É
reconhecida a presença destacada dos físicos no comando da ciência brasileira.
Em contraposição àquele destaque registra-se o numero pequeno (780) de formados
em Física, dentre os 466 mil alunos que concluíram cursos de graduação em 2002
no país. Uma pergunta que se coloca diz respeito ao destino profissional
daqueles graduandos e, como estão se formando cerca 180 doutores em Física por
ano, verifica-se que há uma parcela considerável de físicos que direciona sua atuação
para fora do âmbito dos magistérios básico e superior. Considerando-se o
importante papel da ciência e tecnologia no desenvolvimento do pais e a
contribuição que os profissionais formados em cursos de Física podem prestar,
deveria ser muito maior o número de alunos que percorrem aqueles cursos. Parte
desse quadro pode ser atribuído ao pouco conhecimento que as instituições
publicas e privadas possuem sobre a capacitação daqueles alunos e parte tem
origem nas indefinições que cercam a própria identidade profissional do físico,
que traz inseguranças tanto na escolha do curso como no exercício profissional.
Nesse sentido, é crescente na comunidade de físicos do Brasil a demanda por
definições quanto a regulamentação da profissão e a Comissão instituída pela
Diretoria da SBF, dando continuidade ao processo de discussões sobre o tema,
elaborou uma proposta preliminar de projeto de lei. Espera-se que em futuro
próximo possa ser definida a proposta a ser encaminhada para apreciação pela
Câmara dos Deputados.
A presente
discussão deixa de lado atuação profissional no magistério do ensino
fundamental e do ensino médio, bem como a docência no ensino superior. No
primeiro caso, normas próprias regem as licenciaturas e o exercício do
magistério, e, no segundo caso, as exigências de qualificação para a docência
nas instituições de ensino superior levam aos processos já bem estabelecidos de
formação nos programas de pós-graduação. Isto posto, cabe examinar os aspectos
reguladores que norteiam, tanto a formação do físico, quanto sua atuação
profissional. A discussão deve levar em conta três níveis de ações normativas:
as diretrizes curriculares estabelecidas pelo MEC, as classificações de
ocupações definidas pelo Ministério do Trabalho e do Emprego, e a regulamentação
profissional, matéria de competência do Legislativo sujeita a sanção
presidencial.
Disciplinadas
por resolução do Conselho Nacional de Educação de 11 de março de 2002, após
amplo processo de discussão com a comunidade, as diretrizes orientam a
organização curricular dos cursos de física, constituída de um núcleo comum a
qualquer modalidade de especialização e de módulos que definem a ênfase do
curso, conforme o perfil desejado para os formandos, que se situa em 4
categorias:
Físico-pesquisador:
ocupa-se preferencialmente de pesquisa, básica ou aplicada, em universidades e
centros de pesquisa e tradicionalmente tem representado o perfil na maior parte
dos cursos de graduação que conduzem ao bacharelado.
Físico-educador:
atua no ensino escolar formal e em outras formas de educação científica como
vídeos, programas computacionais e outros meios de comunicação.
Físico-tecnólogo:
dedica-se ao desenvolvimento de equipamentos e processos, em diversas áreas
como dispositivos opto-eletrônicos, eletro-acústicos, magnéticos e outros,
telecomunicações, acústica, metrologia, ciência dos materiais, microeletrônica,
informática e outras. Usualmente trabalha associado a profissionais de outras
formações como engenharia em empresas, laboratórios especializados ou
indústrias.
Físico-interdisciplinar:
utiliza o instrumental da Física em conexão com outras áreas do saber como, por
exemplo, Física Médica, Oceanografia Física, Geofísica, Biofísica,
Meteorologia, Física Ambiental, Química, Economia, etc. Atua de forma conjunta
com especialistas de outras áreas.
O
estabelecimento de estruturas curriculares capazes de atender a uma diversidade
crescente de habilidades e competências, reflete o consenso que a formação em
Física na sociedade contemporânea deve se caracterizar pela flexibilidade do
currículo de modo a oferecer alternativas aos egressos. Os impactos nas
atividades exercidas pelos formados em cursos de física dessa natureza podem
ser apreciados pela diversidade de ocupações envolvendo os físicos, como
analisamos abaixo.
Em
outubro de 2002 o Ministério do Trabalho e do Emprego baixou portaria em que
estabelece a chamada Classificação Brasileira de Ocupações, versão 2002, cujas
informações são referência para registros administrativos que alimentam
programas de políticas de trabalho no país. É considerada ferramenta
fundamental para estatísticas de emprego-desemprego, planejamento de
reconversões ocupacionais, estudos sobre nascimento e morte de ocupações, planejamento
de educação profissional, serviços de intermediação de mão-de-obra, etc.
A
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) reconhece as ocupações por meio de
pesquisa de campo, em que os pesquisadores identificam as ocupações existentes
no mercado de trabalho. Após serem identificadas, descritas e nomeadas, as
ocupações recebem um código identificador na CBO e passam a constar de
registros administrativos e estatísticas do MTE, das pesquisas domiciliares do
IBGE, incluindo os censos e outras estatísticas de mão-de-obra. Assim, a CBO
trata do reconhecimento da existência de determinada ocupação entre a força de
trabalho do país.
De
acordo com a CBO 2002, o físico compõe uma família ocupacional constituída de
15 títulos ocupacionais que melhor caracterizam seu campo de atuação: físico em
acústica, cosmologia, atômica e molecular, estatística e matemática, fluidos,
instrumentação, matéria condensada ou estado sólido, materiais, medicina,
nuclear e reatores, óptica, partículas e campos, plasma, térmica. Informa ainda
a CBO 2002 que, exercendo essas ocupações, o físico desenvolve uma série de
atividades:
a)
Realiza pesquisas científicas e tecnológicas: p.ex., desenvolve teorias,
materiais, processos, aplicações de novas tecnologias, etc.
b)
Aplica princípios, conceitos e métodos da Física em atividades específica, p.
ex., técnicas de radiação ionizante e não ionizante em ciências da vida, na
preparação de materiais e na agricultura, métodos físicos na análise de
sistemas ecológicos, na adequação de ambientes e na área financeira, etc.
c)
Desenvolve equipamentos e sistemas, p.ex., instrumentação científica,
instalações nucleares, sistemas eletrônicos, ópticos de telecomunicações, etc.
d)
Desenvolve programas e rotinas computacionais.
e)
Elabora documentação técnica e científica incluindo solicitações de registros
de patente, emissão de laudos técnicos e pareceres científicos, elaboração de
procedimentos de radioproteção, etc.
f)
Difunde conhecimentos.
g)
Administra atividades de pesquisa e aplicações.
h)
Realiza medidas de grandezas físicas usando várias técnicas, faz aferição de
equipamentos, desenvolve padrões metrológicos.
Informa
ainda a CBO 2002 que aquelas ocupações exigem para seu exercício, pelo menos o
curso superior completo, sendo freqüente a presença de profissionais com
titulações de pós-graduação e cursos de especialização, e que o exercício pleno
das atividades ocorre geralmente após quatro anos de experiência na área.
O
reconhecimento da ocupação por parte do MTE não deve ser confundido com a
regulamentação da profissão. A regulamentação pressupõe o estabelecimento de
qualificação, critérios e condições para o exercício de atividade ou ocupação
especializada, cujo exercício exige determinado preparo profissional. A
regulamentação da profissão, diferentemente da CBO, é realizada por Lei cuja
apreciação é feita pelo Congresso Nacional, por meio de seus Deputados e
Senadores, e levada à sanção do Presidente da República.
A
discussão que se coloca é sobre alguns princípios norteadores de ações visando
a busca de regulamentação da profissão. É importante notar que a Câmara dos
Deputados freqüentemente examina projetos de lei sobre exercício de profissões
e na maioria dos casos os rejeita. A Comissão de Trabalho da Câmara dos
Deputados, tendo em vista o grande número de proposições rejeitadas elaborou
uma súmula de entendimentos pela qual se reafirma a liberdade de exercício de
qualquer trabalho, ofício ou profissão e indica que a regulamentação
legislativa só é aceitável quando atende a uma série de requisitos, entre os
quais destacam-se:
-
que o exercício da profissão (por agentes não qualificados) possa trazer riscos
de dano social no tocante à saúde, ao bem-estar, à liberdade, à educação, ao
patrimônio e à segurança da coletividade ou dos cidadãos individualmente.
-
que a regulamentação seja considerada de interesse social.
-
que não se proponha a reserva de mercado para um segmento em detrimento de
outras profissões com formação idêntica ou equivalente.
O
risco de dano social é claramente tipificado em algumas profissões que se
caracterizam por envolver uma relação pessoal com o profissional, em uma
prestação de serviço direta, como ocorre com médicos e advogados. Não ocorre
entre eles a geração de um produto a ser comercializado e em profissões desta
natureza, a regulamentação faz a avaliação da qualidade e da competência que a
sociedade necessita e gostaria de ver. Em outros casos, como as Engenharias, as
profissões comportam o conceito da responsabilidade técnica, em que existem
normas que garantam a correção técnica de um projeto ou de um produto. A
crescente diversidade de ocupações envolvendo físicos inclui tanto as que se
enquadram no primeiro caso, como no segundo. Por exemplo, normas da Secretaria
de Vigilância Sanitária indicam a necessidade de garantir a qualidade dos
serviços de radiodiagnóstico prestados à população, assegurando os requisitos
mínimos de proteção radiológica aos pacientes, aos profissionais e ao público
em geral. Ainda nesse campo, ressaltam-se as responsabilidades relacionadas à
produção, comercialização e utilização de produtos e equipamentos emissores de
radiações ionizantes. São exemplos de atividades em que o físico com formação
específica no campo, pode assumir e pode ser cobrado por responsabilidades de
interesse social.
Uma
proposta visando a regulamentação profissional deve atentar para que não se
estabeleçam reservas de mercado. Nesse sentido, a regulamentação para diversas
ocupações do físico tem características de oferecer uma salvaguarda para que
ele não se veja submetido a ações cerceatórias de outras categorias
profissionais já regulamentadas. Na diversidade de ocupações elencadas para o
físico na CBO encontram-se superposições com a atuação de profissionais de outras
formações. A regulamentação para o físico trata, não de assegurar fatias de
mercado, mas de oferecer segurança para que, em vista da crescente diversidade
na sua formação, possa atuar profissionalmente assumindo responsabilidades por
produtos e serviços.
Essas
considerações estão colocadas visando alimentar o processo de discussão que
possa avançar na direção de um consenso na comunidade com relação à elaboração
ou não de uma proposta de regulamentação. Um dos pontos importantes não
colocados neste documento inicial diz respeito aos organismos reguladores de
credenciamento cuja criação deve acompanhar uma proposta de regulamentação.
Caso a discussão prospere, será um tema a ser obrigatoriamente tratado.
Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004 |