COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA

SOCIEDADES SUSTENTÁVEIS NO PANTANAL

 

Allison Ishy

Coordenador de comunicação do Projeto de Estruturação da

Rede Pantanal de Educação Ambiental

 

Como os aguapés (tramas vegetais formadas por plantas aquáticas que crescem na superfície das águas dos rios, lagos e áreas úmidas) descem o rio, uma pessoa pode conhecer um pouco da realidade do Pantanal vivenciando-a. Segundo um historiador corumbaense, Augusto César Proença, "para conhecer a cultura pantaneira há de se ir às raízes, é necessário que se vá ao chão para buscar a rusticidade e a simplicidade do homem do Pantanal. É preciso retirar as botas e atolar os pés na alma dos brejos e na relva das baías, porque ela não é coisa que se deixe aprisionar pelo frio entendimento de um estudioso de gabinete. É necessário seguir uma culatra e deixar a garganta secar de tanta poeira. Ver atar uma ligeira num chifre de bagual, olhar o vaqueiro trançar os tentos do laço ou fazer um tirador. É preciso pegar frieira nos vãos dos dedos dos pés e ter as palmas das mãos marcadas pela quentura dos telegramas. Permanecer numa roda de mate, sentado num toco, diante do galpão, escutando os ‘causos’, enquanto a brisa vai se encarregando de trazer a manhã. É preciso sentir o vento sul bater no rosto, conhecer as fases da lua, saber olhar as horas pelo movimento do sol, dialogar com biguá pousado numa vara de porteira, chamar joão-de-barro de amassa-barro, cão de cachorro, objetos pessoais de traias, par de roupas de pareio, mulher grávida de enxertada, café-da-manhã de quebra-torto. É preciso viver ou ter vivido no Pantanal, inseri-se à sua realidade, conhecê-lo de cabo a rabo. Assistir a um baile, presenciar a dança enquanto a luz da lamparina vai acompanhando a música, esquentando o ânimo da moçada, e projetando os corpos dos dançantes nas palhas dos acuris¹."

Na comunicação de massa existe uma incongruência sobre o Pantanal e suas populações que ainda predomina no Brasil e no mundo. De forma geral, a opinião pública recebe informações e imagens capazes de fazer-nos acreditar na existência de um Pantanal sem aspectos negativos, de um paraíso ecológico a céu aberto, farto, abundante, rico. Mas se esquecem os veículos e profissionais de comunicação de massa de mostrar a realidade e as verdadeiras condições de vida da maior parte dos pantaneiros e pantaneiras.

 

Fome e miséria no Pantanal

A fome no Pantanal desafia o conceito e a imagem positiva que a opinião pública tem sobre a região. A fartura da carne do boi pantaneiro, dos melhores peixes como o pacu, dourado e pintado, além de frutas silvestres e deliciosas sementes em abundância, não é igual para todos. A fome pantaneira ousa gritar através do coração e do olhar da maioria de sua população, que não é proprietária de fazendas ou monoculturas, não é empresária, nem tem emprego fixo ou seguro.

Certamente, parte dos rumos planejados e já em execução para o presente e futuro do Pantanal e de suas populações não foram nem estão acontecendo de forma sustentável e participativa. Exemplo disto são os diversos empreendimentos industriais e rurais altamente poluidores planejados e em execução no município de Corumbá (MS) e em outros municípios pantaneiros considerados estratégicos para a expansão da fronteira agropecuária ou crescimento econômico no modelo tradicional.

A realidade da comunicação no Pantanal não é diferente de outras regiões do Brasil. Há grande carência de existência de veículos de comunicação que possam atender e atuar com responsabilidade para melhorar a qualidade de vida de pessoas de diversos setores das organizações de base.

Baseando-se na experiência direta com comunicação socioambiental e Educação Ambiental, a Rede Aguapé propõe para o debate algumas sugestões visando a melhoria da comunicação no Pantanal:

-          Divulgar nos meios de comunicação de massa a real situação do homem, da mulher e da criança pantaneira, que moram nas áreas urbanas e rurais do Pantanal, com objetivo de sensibilizar.

-          Mais atenção ao fato de que a fome está matando os pantaneiros, principalmente crianças indígenas.

-          Ainda não existem na região (e com certeza são raras no mundo) experiências de comunicação comunitária implementadas e em funcionamento efetivo, onde todo o processo de comunicação é feito para, com e pelo povo ou comunidade. Existe hoje no Pantanal a comunicação feita do empresário para o povo e algumas pequenas iniciativas alternativas, porém isoladas ou limitadas em seu papel de difusor de informações socioambientais.

-          Criação e manutenção de pólos regionais ou microrregionais de comunicação social no Pantanal, com objetivo de atuar pelo bem comum das populações pantaneiras e pela conservação ambiental da região. Também para estimular no povo pantaneiro o sentimento de pertencimento ao Pantanal, à sua cultura, tradições e gente.

-          Realizar comunicação social no Pantanal integrando regiões de fronteiras territoriais, como os Estados de MT e MS, Brasil – Paraguai e Bolívia, construindo estratégias para o estabelecimento de ações e articulações conjuntas.

-          Divulgação do mapa completo do Pantanal porque o meio ambiente não tem fronteiras. São raríssimos, por exemplo, mapas que mostram o Pantanal com suas porções boliviana e paraguaia.

-          Estimular o surgimento de mais telecentros no Pantanal e de mais grupos capacitados em comunicação e trabalho em rede para a melhoria de qualidade de vida de suas comunidades e fomento à inclusão digital.

-          E talvez o desafio maior seja o de construir a "sociedade sustentável do Pantanal" (ver definição de sociedade sustentável no ProNEA - www.mma.gov.br/educambiental)

 

Educação, solidariedade, sustentabilidade

Educação tem sido a chave que educadores ambientais encontraram para a manutenção desta Reserva da Biosfera Mundial, de um Patrimônio Natural da Humanidade e da casa das pessoas e das formas de vida que lá vivem e sobrevivem. Através de um projeto executado a partir de outubro de 2002 com recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA/MMA), várias organizações estão estruturando a primeira rede de educação ambiental (EA) multiinstitucional do Pantanal e da Bacia do Alto Paraguai (BAP).

Uma de suas primeiras formas já pode ser observada através de uma rede de relações que está se entrelaçando, analogicamente como o entrelaçamento das plantas aquáticas que formam os aguapés. Como no rio, também surgem nas cidades, entre a população, os aguapés da EA, simbolizados por cidadãs e cidadãos que trabalham e vivem para transformar a realidade local através da educação.

Lideranças comunitárias, educador@s ambientais, governos, universidades, organizações não-governamentais, professor@s, estudantes e outras redes são hoje o embrião estruturante da Rede Aguapé. A iniciativa tem se utilizado de estratégias para descentralização do trabalho, capacitação, reuniões de articulação, comunicação e diagnóstico. É maravilhoso ver nascer uma rede porque hoje descendentes dos brasileiros e paraguaios que lutaram na Guerra do Paraguai não conhecem limites entre fronteiras territoriais, trabalham pelo bem comum, pelo povo pantaneiro e pela educação.

Foi assim que vi a professora paraguaia, Maria de Fátima Samaniego, compartilhar um e-mail com a professora de Porto Murtinho (MS), Cida Donatti, e depois se capacitar para ter e manejar sua própria conta de correio eletrônico.

Foi assim que o técnico da Empaer, de Barão de Melgaço (MT), Gildo Feitosa, repassou o conhecimento que acabara de aprender sobre Internet, fóruns e páginas eletrônicas.

E com a poesia e pioneirismo, a administradora da Escola Juscelino Kubitschek, em Poconé (MT), Zeila Cecília da Conceição e Silva e a professora de artes, Maria Francisca, comoveram educadores de Corumbá, quando fizeram a primeira troca de informações em Educação Ambiental entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, através da Aguapé.

Vi também a professora Catarina Bernardes, uma das principais personagens responsáveis pelo surgimento das Escolas Pantaneiras de Aquidauana, um modelo de ensino adaptado ao meio e ao homem pantaneiro, respeitando os ciclos de cheia e seca do Pantanal. Catarina trocou informações sobre os resultados positivos da experiência em Aquidauana com a professora de Porto Murtinho e atual coordenadora municipal de Educação no Campo, Cida Donatti.

E a mulher de pescador e cidadã corumbaense, Wânia Alecrim, contou sua história, desde quando decidiu lutar para dar condições dignas de vida para sua família, ao lado do marido, criando com outras mulheres de pescadores a Associação AmorPeixe e Educação Ambiental, uma associação de mulheres que transforma o couro do peixe (geralmente jogado fora) em artesanato e roupas. Ainda não parou, começou a dar aulas com uma amiga, voluntariamente, para levar a alfabetização a todos os pescadores de Corumbá que quiserem aprender. Hoje, continua seu trabalho com a comunidade de pescadores, conseguiu apoio do Ibama, do WWF-Brasil, diversas parcerias e a associação está realizando um grande sonho: a compra de máquinas de costura e equipamentos profissionais para atender os pedidos, alguns da Europa.

Em Cáceres (MT), o padre da Igreja Católica Progressista, Isidoro Salomão, tem sido uma das lideranças responsáveis pela criação da maior festa em homenagem a um rio pantaneiro: o Dia do Rio Paraguai, celebrado anualmente desde 2001 no dia 14 de novembro. Foi em Cáceres também que surgiu a versão mais nova das missas temáticas católicas, a Missa Pantaneira, onde o ritual religioso assume as tradições, sons, cores e cultura dos povos das águas do Pantanal.

Estas e outras dezenas de pessoas (impossível em breves linhas listar a luta de cada um e cada uma), de municípios da Bacia do Alto Paraguai, estão dando os primeiros nós da Rede Aguapé e podem ajudar a estruturar uma nova forma de sociedade, as chamadas sociedades sustentáveis. Com a criação de vários canais de comunicação alternativos como o site www.redeaguape.org.br, a lista de discussão redeaguape@yahoogrupos.com.br e a Revista Aguapé (distribuída para 11 municípios da BAP, para educador@s ambientais da fronteira do Brasil com o Paraguai e Bolívia e redes de EA brasileiras) e apoio do FNMA, estão se estruturando instrumentos para fortalecer o trabalho dos educador@s e ator@s ambientais do Pantanal e da BAP.

 

Sociedades Sustentáveis da BAP

Apoiar e dialogar com os movimentos coletivos de Educação Ambiental da sociedade organizada, como iniciativas em rede, tem sido uma das ações do Ministério da Educação (MEC) e Ministério do Meio Ambiente (MMA). Atualmente, as contribuições da Rede Aguapé, juntamente com as da Rede Mato-Grossense de EA (Remtea), estão influenciando diretamente a construção de políticas públicas de EA. As redes de EA de ambos Matos Grossos, o Programa Pantanal, o MEC e o MMA estão dialogando para construir as diretrizes do primeiro programa de EA para a estruturação de Sociedades Sustentáveis na BAP. Até então, políticas nacionais efetivas para estruturação de Sociedades Sustentáveis configuravam apenas como um compromisso, uma vontade do Brasil registrada no documento intitulado "Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global", disponível no ProNEA em www.mma.gov.br

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*Allison Ishy é jornalista graduado pela UFMS, coordenador de comunicação do Projeto de Estruturação da Rede Pantanal de Educação Ambiental (Rede Aguapé); facilitador e coordenador do GT Comunicação e Informação Ambiental da Rede Brasileira de Educação Ambiental (Rebea) e colaborador da Rede Cerrado de Organizações. E-mail com o autor: alsishy@yahoo.com

[¹] PROENÇA, Augusto César. Pantanal: gente, tradição e história. 3. ed. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 1977.


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004