CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA AMAZÔNIA: ASPECTOS CULTURAIS, ECONÔMICOS E POLÍTICOS

 

Adalberto Luís Val (INPA)

 

 

O desenvolvimento da Amazônia é uma questão multidisciplinar que requer mudança de postura de todos os elos da cadeia social, se é que pretendemos a sua inclusão na agenda nacional. Qualquer que seja a postura, entretanto, deverá ter em conta que a Amazônia se espalha por quase 55% do território nacional, uma área maior que a Europa; abriga cerca de 10% da população brasileira, isto é, cerca de 20 milhões de brasileiros, metade dos quais com acesso irregular ou sem acesso a energia elétrica; possui baixo nível de infra-estrutura para atender os diferentes requisitos sociais; gera perto de 8% do PIB brasileiro; detém uma diversidade sócio-cultural sem paralelo no país e sofre uma enorme demanda por alternativas para seu desenvolvimento que sejam compatíveis com a preservação ambiental. Além disso, a Amazônia não é só brasileira; a região se estende por outros países que, evidentemente, têm posturas diferenciadas em relação às várias questões que a afligem. Este rosário de características não tem sido considerado nas equações propostas para a Amazônia. Pelo contrário, posturas atabalhoadas, políticas equivocadas ou mesmo a ausência de ações têm cada vez mais limitado o uso do potencial que a região detém. Definitivamente, o futuro do mundo depende das regiões tropicais e, sem dúvida, o futuro promissor do Brasil passa pela Amazônia.  

A consciência acerca desses aspectos cresce e serve de alerta para a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e para os governantes de cada país membro. As preocupações principais referem-se neste momento a quatro eixos temáticos: conservação e uso sustentável dos recursos naturais, gestão do conhecimento e transferência tecnológica, integração e competitividade regional e, ainda, fortalecimento institucional. Ocorre que, independentemente do eixo em tela, falta profissionais de alto nível, competitivos, aptos para produzir as informações requeridas e treinar pessoal capaz de arcar com as atividades e que possam se envolver eficientemente com os referidos temas.

Na Amazônia brasileira há pouco mais de mil doutores, boa parte deles envolvida com a administração de suas instituições. O tamanho desse grupo de profissionais é infinitamente reduzido diante da dimensão do que é necessário para a inclusão da região e sua gente na agenda nacional e internacional. Na realidade falta gente até para ajudar a decodificar o que vem sendo produzido sobre a região nos vários campos do saber. Apenas nos primeiros quatro meses desse ano de 2004, por exemplo, são listados no ISI-Web of Science cerca de 600 artigos científicos envolvendo a Amazônia, dos quais menos de 20% têm pelo menos um autor vivendo no Brasil. Os demais artigos foram produzidos integralmente por autores vivendo em outros países e a probabilidade de que boa parte deles não foi lida por pesquisadores brasileiros é alta.

            Mas onde estão os oito mil doutores formados no Brasil a cada ano, oito vezes mais do que existe em todas as Instituições de ensino e pesquisa da Amazônia? Vinte por cento deles, pelo menos, encontra-se subempregada na região sudeste. Falta uma política clara para fixação desse contingente de profissionais no país e, em particular, um programa para a fixação de recursos humanos qualificados na Amazônia. É possível que a política de fixação de recursos humanos do governo federal por meio de bolsas de estudo não seja atrativa. Pesquisadores bolsistas são “bóias frias” da ciência moderna. Esses programas precisam, sem dúvida, estarem calcados em contratação definitiva e na alocação de condições de trabalho. Com apenas os cerca de 2% dos recursos da área de C,T&I historicamente investidos na Amazônia, está muito longe a inversão da situação existente hoje. É muito importante salientar que é necessário encontrar novas fontes de recursos, ou seja, a tão propalada desconcentração não pode ser confundida com redução de investimento nas Instituições mais consolidadas e competitivas. A falta de atores que conhecem a Amazônia nos diversos comitês e comissões que atuam nos processos decisórios em nível nacional, resulta na ampliação de posturas equivocadas não só em relação à tão vulgarizada desconcentração, mas também no desenho de alternativas para sua integração ao projeto nacional.

            Existem na Amazônia seis centros da Embrapa, três institutos do MCT, duas Universidades Federais de grande porte e oito de médio a pequeno porte que poderiam dobrar suas ações caso viessem a receber um aporte de recursos humanos qualificados, bem como condições para instalá-los de forma adequada. Essas Instituições devem, portanto, ser alvo de programas de fixação de recursos humanos já que todas sofrem com a falta de investimentos e não estão em condições de gerar a informação necessária para apoiar o desenvolvimento sustentável desejado na velocidade necessária.

Por fim, é preciso abrasileirar a Amazônia e torná-la uma prioridade nacional. É preciso que o Brasil conheça a Amazônia e não a tenha apenas como uma imensa floresta desabitada que fica longe. É preciso integrá-la no contexto nacional e reduzir o esmaecimento do verde de nossa bandeira, que tanto nos é caro.


Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004